23. Allie

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   Chego em casa entediada, sem vontade de fazer as lições então decidi mexer no celular. Aproveito pra verificar o Instagram que não mexo a um bom tempo.

A minha última foto foi do começo do ano passado com a Cass. Foi depois de uma apresentação de uma peça de teatro da escola. Nós tínhamos dado um buquê de flores pra ela. Eu ainda sinto saudades dessa época. Agora, minha irmã precisa estudar em dobro, pois logo vai para uma universidade. Já conversamos a respeito de tomar esse tipo de decisões, ela disse que quer conseguir entrar em administração, mas sei que o que realmente quer é direito. Sei que ela faz isso pela mamãe. Tem medo de que ela piore da doença e não esteja aqui pra ajudar. Ela sabe que enquanto estiver fora eu estarei com nossa mãe, mas mesmo assim, isso não a deixa mais aliviada a ponto de ir fazer uma faculdade em outro estado.

Vejo que tem uma notificação do meu perfil - Harry Bingham pediu sua solicitação. Não sei a quanto tempo ele pediu, não recebo notificações do Instagram. Clico em sua fotinho na tela e analiso seu perfil.

Quem não o conhece pessoalmente, acharia que é aquele tipo de garoto egocêntrico que só pensa no próprio umbigo e mesquinho. Mas eu sei que ele é mais que isso. Basicamente, tem fotos dele apoiado no capô de seu carro (antes de ser destruído depois da festa), outra dele numa poltrona olhando para alguém do seu lado, e... algumas com Kelly. Ele ainda não excluiu nenhuma pelo que jeito, e imagino que não vá.

Me pego pensando se um dia vou me sentir tão dependente de alguém igual Harry dependeu da Kelly. Hoje mais cedo ele realmente foi muito legal comigo, até Kelly chegar. Ele não permite se divertir um pouco. E quando digo diversão, não quero dizer ir em festas e encher a cara, igual no dia em que ele bateu o carro.

   Acabo aceitando sua solicitação.

   Ainda são 17h então decido dar uma volta pela rua. Passo pela sala onde Cass está vendo TV e aviso minha saída. Pego minha bicicleta pendurada na parede da garagem. Ela é verde-água bem claro e tem uma cesta de aço branca na parte da frente. Tem bem o estilo vintage de acordo com o que Cass me disse.

   Falho na primeira pedalada que tento dar, mas logo encaixo meu pé e guio a bicicleta pela rua. Sigo pela esquerda, pois não costumo andar por aqui, sendo que a escola e a cidade fica pra direita.

   Pelo jeito pra esse lado não muda muito, ainda possui muitas casas. Cada uma maior que a outra, e analiso suas entradas. Sinto a brisa no meu rosto, mas mesmo assim uma gota de suor escorre na pela minha nuca depois de 10 minutos pedalando sem parar. Paro num meio fio na esperança de achar um elástico de cabelo num dos meus bolsos. Acho um que já está o pó da rabiola, mas serve. Prendo o cabelo num rabo e me ajeito para começar a pedalar, mas escuto a porta da casa em que parei na frente se abrindo. Não me viro e me apresso pra não ficar um cenário constrangedor.

   "Allie?" Diz uma voz familiar. Hesito antes de me virar jogando o rabo de cabelo para um dos ombros.

"Oi! Não sabia que você morava aqui" digo ainda ofegante pelo longo percurso e pelo susto. Admiro a casa rústica e recém reformada.

"Eu me mudei esses dias", Luke me diz se aproximando. "Você quer tomar alguma coisa? Parece cansada".

"Não, obrigada eu já estou voltando, eu só parei pra..."

"Allie, não custa nada", ele diz me olhando com expectativa.

   Eu cedo levando a bicicleta ao meu lado enquanto o acompanho pra dentro. Eu nunca falei muito com Luke, mas ele parece ser um cara legal, se não me engano temos duas aulas juntos. Eu sei que ele também joga futebol na escola, porque ele vive andando com a jaqueta do time.

   Ele faz um sinal com a cabeça indicando pra eu deixar a minha bicicleta no gramado, e quando chega na porta se debruça no chão pra pegar o jornal que está no tapete.

   "Então... essa é minha casa" Luke diz quando entra e vira-se pra mim enquanto abre caminho para eu passar. As paredes ainda cheiravam tinta e o piso parecia ser novinho.

   Logo em frente havia a escada que levava pro segundo andar e o corredor, ele me levou até a cozinha e abriu a geladeira, me apoiei no mármore branco da ilha que se posicionava no meio do cômodo.

   "Você sempre convida estranhos pra sua casa" perguntei apoiando o queixo nas mãos observando-o pegar a jarra de água gelada. Eu chegava a salivar, do jeito que eu estava cansada.

   Ele riu. "Você não é uma estranha, a gente só não conversa na escola".

   "E desde quando você sabe sobre a minha existência na escola?" Ele encheu um copo de água e colocou na minha frente enquanto apoiava a palma das mãos do outro lado da ilha.

   "A gente estuda juntos desde a 5ª série, como eu não saberia quem é você?"

   Dou de ombros. "Pensei que vocês não soubessem da existência do restante da escola". Tomo um gole esperando uma resposta, mas ele fez uma expressão confusa.

   "Como assim vocês?"

   "Ah vai! Você me entendeu. Os jogadores de futebol e as líderes de torcida, esse grupinho aí".

   "A gente só não conversa com todo mundo, mas a gente sabe da existência dos outros", ele diz fazendo aspas com as mãos na última parte. Fico-o encarando ainda não convicta de seu argumento. "Eu acabei de te convidar pra entrar. E você ainda acha que não conheço você?"

   "Só presumi", termino o restante da água enquanto ele me observava. "O que foi?"

   "Nada"

   "Enfim... obrigada pela água, e o papo um pouco constrangedor" digo me recompondo.

   "Imagina, não quer outro copo?" Sim, por favor!

   "Não, obrigada", vou caminhando em direção a porta e ele me acompanha.

   "Ok. Então a gente se vê na escola?" Ele me observa saindo enquanto segura a maçaneta com a cabeça pra fora.

   "A gente se vê na escola", dou um sorriso pra amenizar o clima, e ele retribui perdendo a postura tensa de antes.

   Subo na bicicleta e ele fecha a porta. Decido voltar pra casa pra evitar outros encontros familiares.

Hallie - A outra versão do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora