29. Harry

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    Passo o resto do dia olhando pro teto do meu quarto com um sorriso bobo no rosto, e nada, nada mesmo, pode estragar meu dia. Nunca pensei que faltava algo em mim, e desde que falei com Allie hoje tudo parece estar tão... certo. Nunca estive tão preenchido quanto agora. Incrível como uma pessoa possa chegar na sua vida e bagunça-lá, mas ao mesmo tempo preenche-la.

Enquanto falava com Allie, hesitei em lhe dizer que estava disposto a me esforçar pra mudar, mas assim que ela me beijou - mesmo que tenha sido um minúsculo gesto de afeto - todas as minhas dúvidas se foram. A partir do momento que admiti a mim mesmo meus sentimentos, soube que de certa forma eles eram recíprocos, apesar de nunca termos demonstrado qualquer sinal, acho que sempre soubemos o que queríamos.

Amanhã na escola será diferente, iremos nos esbarrar e trocar olhares que serão mais do que simples cumprimentos durante o intervalo de aulas. Estou pronto pra dizer tudo o que sinto em relação a ela e pra qualquer compromisso que ela queira. Espera! Acho que estou me antecipando só um pouco.

Meus olhos se abrem do mesmo jeito que se fecharam na noite passada. Levantei sem nenhuma preocupação ocupando minha cabeça.

Penteio o cabelo, mas não muito arrumado para parecer despreocupado quando o ajeito na frente do espelho. Desço para a cozinha logo após fazer minha higiene e minha euforia interna passa, felizmente, despercebida.

Pego o ônibus da escola, mas hoje nenhum chiclete endurecido de baixo do banco pode estragar meu dia.

Assim que coloco o pé na escola, não consigo esconder minha empolgação. Chego no meu armário e quando termino de pegar o material para a primeira aula, vou à procura de Allie no meio da multidão, mas o sinal da escola toca.

Durante o dia inteiro não tive nenhuma aula com Cass, se eu pelo menos tivesse tido, ela poderia me dar algum indício de como Allie teria agido em casa depois de nossa conversa. O Sr. Campbell me chamou algumas vezes na aula de história, mas é claro que eu não sabia nenhuma das respostas. E conforme as horas passavam meu ânimo matinal ia acabando.

No intervalo não vi nenhum sinal de Allie e muito menos de Cassandra. Sem esperanças, fui me sentar com Will e Kelly na mesma mesa que eles sempre se sentam no jardim da frente da construção do colégio. Eles se assustaram quando me sentei, não sei se foi pela minha chegada inesperada ou por eu sentar por vontade própria com eles.

"Oi, Harry! Está tudo bem?" Kelly tentou ser educada percebendo que pra eu ter ido sentar com eles, não estava.

"Sim, claro. Vocês viram a Allie?" Pergunto sem me preocupar de parecer ridículo.

"Na verdade, ela não veio na aula" Will se inclinou e continuou como se estivesse prestes a contar um segredo. "Mas o que eu achei estranho, foi que na hora da chamada, o professor até pulou seu nome da lista" Quê?! Não faz sentido.

Penso em ir perguntar para o meu pai sobre o ocorrido, mas como sempre ele não ia me dar ouvidos e nem estaria disposto a distribuir informação dos alunos.

Quando a aula acaba, tenho vontade de mandar uma mensagem para Allie pelo Instagram, mas eu iria parecer um perseguidor.

Junto toda a paciência que ainda me resta para o dia seguinte, mas Allie e nem sua irmã marcam presença na escola. O que será que está acontecendo?

Me pego planejando o caminho para a sua casa, novamente, em busca de informações, mas talvez ela precise de um tempo para ingerir tudo o que aconteceu no ônibus aquele dia. Mas que idiotice minha! Claro que a irmã dele não faltaria na escola por algo que aconteceu a Allie em relação a mim. Mesmo assim, Allie pode estar confusa sobre nós. Se é que existe "nós". Minhas dúvidas voltam à tona e meu estômago embrulha só de pensar que tudo entre nós... entre a gente possa ter sido em vão. Será que ela se importa comigo do mesmo jeito que me importo com ela?

Pelo resto da semana as duas não presenciam a escola, e no clube do livro. Na sexta, não tenho mais paciência para esperar até a próxima semana. Pego uma indicação da professora durante o clube do livro e ao final do encontro vou em direção à casa dos Pressmans. Pelo menos desse jeito terei uma desculpa para ir visita-lá.

Cheguei a sua porta certo de que hoje irei vê-la. Toco a campainha e meu estômago se embrulha de novo.

"Harry?" Allie abre a porta, mas parece triste. "O-O que você tá fazendo aqui?" Ela sai da casa e fecha a porta rápido como se estivesse escondendo algo lá dentro.

"E-Eu trouxe o livro do encontro de hoje" estendo o livro em minha mão na sua direção e ela pega. Mas fico com medo de decepcioná-la por vim só pelo livro. "Olha, eu sei que aquele dia que conversamos foi muito para nós dois, e eu entendo se você tiver se arrependido de algo que tenha feito" me beijado "e se você quiser eu podemos fingir que nada..."

"Harry?" Allie me corta e me fita com os olhos marejados. Agora eu não estou entendendo mais nada. O que eu fiz dessa vez? Harry idiota! Não consegue nem se expressar!

Então, ela simplesmente joga seus braços ao redor do meu corpo e me abraça forte. Fico sem reação, mas logo me recomponho e faço o mesmo. Escuto ela começar a fungar tentando segurar o choro, mas assim que começa a soluçar, não tenta mais esconder.

"Me desculpa, me desculpa!" Ela diz eufórica ainda me apertando contra seu peito, mas eu a afasto.

"Ei! Não tem porque você pedir desculpas, você não fez nada." Seguro seus dois braços fazendo menção para que me olhe nos olhos.

"Não, não, você não está entendendo." Não param de cair lágrimas de seu rosto, e essa imagem parte meu coração. Seco embaixo de seus olhos com meus dedos, mas não é o bastante para fazer seu sofrimento acabar.

"Então o que é?" Perguntei ainda tentando entender toda a situação.

"A-A minha mãe ela, está muito doente, e não podemos ficar aqui, e-ela precisa de outro tipo de atendimento" ela não para de soluçar. Mas que droga! Como eu não me lembrei dos resultados do exames que sairiam naquele dia. Tudo começa a fazer sentido, mas não quero acreditar. "Harry, eu vou para Londres", fico sem palavras, agora sou eu quem está devastado.

O vazio ocupa meu peito e todas as expectativas que criei nesses dias foram destruídas apenas com cinco palavras. Ela me olha esperando alguma reação, mas não consigo dizer nada. Me sento no chão de pedra da entrada da sua casa e apoio minhas costas num pilar de madeira. Ela se senta do meu lado e ficamos assim por algum tempo.

"Eu sei que não deveria ter te beijado, e agora estar tudo confuso entre nós" ela diz, agora mais calma. "Eu não tinha como saber o que iria acontecer daí pra frente, mas poderia ter evitado..."

"Allie, para. Você não tem culpa de nada." Ela se vira pra me olhar.

"O que você acha que vai acontecer daqui pra frente?" Ela busca algum sinal de esperança em mim.

"Sinceramente" me viro para lhe olhar, mas assim que encontro seus olhos perdidos reformulo minha resposta. "Vai ficar tudo bem" me aproximo e lhe aconchego no meu colo.

Hallie - A outra versão do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora