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O tempo dos dois se esgotou rápido e mais cedo do que eles queriam tiveram que se separar. Silver teve que levar a caça para casa e Joshua foi chamado pelo seu pai, que estranhamente não iria caçar naquela manhã. Aquilo não era comum em dias antes de uma lua cheia, mas a jovem da capa vermelha ignorou aquela informação e seguiu até sua casa, prometendo a si mesma que depois que conseguisse cuidar da carne iria ver o que há de tão estranho ocorrendo.

Há décadas eles lidam com o lobo da mesma maneira.

Na semana de lua cheia todos se trancam em suas casas durante a noite, armadilhas de prata em alguns poucos lugares para evitar que a fera pegue do estoque do vilarejo e o mais importante, uma presa fácil bem na entrada da cidade. Normalmente cabras ou cordeiros, já que a criação desses dois sempre foi rentável.

No entanto, durante a tarde, quando Silver foi caminhar para conseguir encontrar seus irmãos e levar a comida que sua mãe preparou para eles, não viu a movimentação rotineira na forja. Shin trabalhava em armas ao invés de armadilhas e os caçadores cercavam o lugar, discutindo com os homens mais velhos do vilarejo. Uma confusão monocromática no meio de um cenário escuro e nublado, bem comum do começo do inverno, todos usando roupas pesadas para aguentar o frio, possivelmente com o mesmo tipo de couro. Só Silver se destacava pela capa vermelha cobrindo a calça esfarrapada e a blusa que pegou de sua mãe naquele dia.

Não teve tempo de trocar para um vestido.

Notou Joshua fora da discussão, encostado à parede e só pode trocar um rápido olhar com ele antes de ver seus irmãos.

Scarlet é a primeira a nota-la. A mais nova dos três filhos de Henry e Thalira estava entrando na adolescência e muitos comentam ser a mais bela dos três, assim como Silver ela recebeu os cachos de sua mãe sem uma cor definida, era algo castanho, mas com algumas mechas mas claras pelos dias embaixo do sol. Ela foi a única dos três a nascer com os olhos claros do pai, um azul gelado que alguns acreditam ser cinza. A mais nova naquela pequena confusão logo vai pegar a comida para levar para de dentro.

— Scarlet, nós não acabamos ainda. — Shin a repreende e ela volta para o lado dele com um bico nós lábios pequenos. — Precisamos terminar as armadilhas novas, não quero que a fúria deles se volte contra nós.

— Por que estão fazendo armas também?

— Não ficou sabendo, Silver? — A irmã do meio nega, ganhando um sorriso de seu irmão mais velho que revira os olhos e limpa a fuligem do rosto quase idêntico ao de sua irmã, fino e calmo como se nunca pudesse se estressar. — Claro que não saberia, você passa o tempo todo naquela floresta. A história é longa, mas resumindo, as armas são para os caçadores usarem hoje a noite.

Foi questão de juntar os pontos para compreender o que iria acontecer e Silver não era nem um pouco boba.

A caçada ao lobo iria acontecer. Pelo menos, de acordo com os caçadores e a jovem moça se contentou em ver qual seria o resultado daquele impasse.

— Vocês não podem desrespeitar a tradição, isso vai enfurecer a fera! — Um dos senhores berra, tentando soar mais alto que a discussão.

— Que se dane a tradição. Não queremos mais viver trancados, são décadas vivendo com medo e está na hora de revidarmos. — O Sr Hong prontamente responde, naquele tom calmo de sempre. — Estamos em maior número e somos mais espertos que um lobo, isso eu garanto.

Essa discussão não era nova. Assim que os ataques diminuíram os caçadores quiseram testar a sorte e ir atrás do lobo para, nas palavras deles, cortar o mal pela raiz e as pessoas do vilarejo poderão viver em paz por uma vez em décadas. Mesmo depois que os ataques pararam a isca que deixavam continuava a sumir e as armadilhas deixadas no caminho eram desarmadas. Eles sabiam que o lobo estava ali, silencioso, esperando o momento certo para atacar novamente.

Os mais velhos, por sua vez, defendem que tudo está funcionando bem e não devia mudar. O medo deles supera a fúria e os anos os ensinaram que nada de bom acontece quando tentam enfrentar o monstro, muitas pessoas já morreram porque tinham o mesmo desejo de vingança.

— Não podemos deixar que se arrisquem assim, que arrisquem todos nós. Não iremos voltar a perder pessoas para aquele... Animal. — A repulsa na voz daquele senhor era quase palpável.

— Sinto em dizer, mas não pode nos parar.

O homem baixinho e grisalho chega a recuar com a fala confiante vinda do grupo de homens.

— As coisas precisam mudar e nós não iremos ficar parados vendo a vida passar, tremendo em nossas calças enquanto uma fera está por aí, rindo do quão fácil é se aproveitar de nós e do medo que você insiste em manter vivo. — Trevor, um dos caçadores mais velhos ali, tomou a frente para se pronunciar junto de seus companheiros. — Já estamos certos disso, Arturo.

O velhote não se dá por vencido e continua a tentar convencer o grupo junto de outras pessoas que entraram na discussão, que não chegaria a um consenso tão cedo.

Silver só nega com a cabeça e desiste de ver onde aquilo chegaria. Apenas entra na forja de uma vez para arrumar o lugar e adiantar o trabalho que seus irmãos teriam.

Com caçada ou não, eles precisam terminar para ganhar o dinheiro.

·❅·

A noite chegou depressa e como toda noite de lua cheia, as pessoas se trancaram, esperando ansiosamente o amanhecer e rezando para acordarem vivos no dia seguinte. Porém, o grupo de caçadores não se escondeu, não nesta noite, todos entraram na floresta e espalharam várias armadilhas de prata. — As novas não seriam suficientes para de fato ferir, mas conseguiria segurar a fera até que alguém chegue. — Os homens se dividiram entre ficar guardando a entrada do vilarejo e rondar floresta adentro.

Hoje não teria cordeiro para ser sacrificado.

Ainda não era muito tarde, a noite havia caído a pouco tempo, mas foi o suficiente para que se preparassem e espalhassem sua arma secreta pela floresta.

Aquela armadilha ele não desarmaria.

Todos determinados a dar um fim naquilo finalmente mergulharam no meio das árvores.

O silêncio os cobriu como um véu de tensão e fúria, não havia fogo para iluminar ou lampião, só o luar solitário que a cada minuto ficava mais forte. Eles não podiam chamar qualquer atenção.

Joshua vai na frente, perto de seu pai, com a única certeza de que não queria estar ali. Estava confuso entre pensar que aquilo é errado, mas ao mesmo tempo certo de algum modo e sob o olhar do pai só pôde segurar mais forte no cabo de sua faca de prata.

Eles se separam, cada um indo para um lugar perto da armadilha, fechando a área em que atacariam.

E quando todos se vêm sozinhos na escuridão, imersos no mesmo silêncio tátil e aterrorizante, um uivo ecoa pela floresta.

O lobo estava desperto.

E a caçada havia começado.

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Beware the big bad Wolf » » Joshua Hong Onde histórias criam vida. Descubra agora