leve flores ao cemitério, Cinderela

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Quando ponho o café da manhã, o silêncio é dominante, é possível ver o quanto o dia 09 de maio pesa na mansão Hays a quilômetros de distância. Por mais que a minha relação com elas seja assim hoje, não posso negar que amaram meu pai da mesma forma que ele também as amara.

Nós quatro tínhamos uma boa relação, não durou muito tempo pois Diana e meu pai namoram por um ano e se estabilizaram no casamento por mais um, eu meio que gostava dela até. Mas aos poucos, eu nem reconhecia mais a mulher que antes sorria para mim na mesa de jantar. Dos quatorze aos quinze foram sempre comandos básicos sobre tarefas que deveria fazer, não era nada puxado, mas eu via como minha meia-irmã não precisava ter nenhuma atividade do tipo, na época, ainda tínhamos muitos empregados. Mas eles foram sumindo dos quinze aos dezesseis, até hoje não restar praticamente nenhum.

E foi no meio tempo dos dezesseis aos quase dezessete que acabei me mudando do conforto do meu quarto para a área de funcionários, foi uma decisão inteiramente minha após uma discussão com minha madrasta. Nessa época foi onde tudo desandou ainda mais.

— Onde está Diana? — pergunto a Natália.

— No quarto.

— Ela não vai descer?

— Pode preparar o café dela numa bandeja? Vou levar para ela no quarto.

— Tudo bem.

Não há comentários ácidos, implicâncias ou hostilidades, o dia em que meu pai morreu funciona como uma bandeira branca erguida entre nós. Procuro manter a minha cabeça ocupada pelo máximo de tempo possível, não quero pensar nele, ou em como o perdi, não quero lembrar de como era ter seu sorriso me acordando ou das suas tentativas de se adequar a uma linguagem mais jovem para parecer mais legal.

Acima de tudo, não quero me lembrar que não o tenho mais aqui.

Hanna passou a noite insistindo para que encontre com ela no Hoover flip para tomarmos um milk-shake, mas sei que o intuito é não me deixar só por nenhum minuto, não sou burra e ela nem faz questão de disfarçar. Então como parte do café que fiz a Diana e Natália e logo em seguida tomo um banho para encontrar minha amiga.

Não encontro ânimo ou vontade para me arrumar, o que me leva a pegar literalmente a primeira roupa pela frente. Uma saia curta e escura e quadriculada e um moletom claro são o que me vestem, pouco antes do almoço encontro com a vice-presidente do conselho estudantil na casa dela.

Tia Rony insiste para que almoce por lá, acabo cedendo porque não há para onde fugir quando aquela mulher põe algo na cabeça, não é atoa a obstinação que Hanna herdou. O tio Seth não pôde almoçar em casa porque estava no trabalho, e mesmo tia Rony não pôde ficar muito pois tinha que arrumar a noiva e suas madrinhas para um casamento, é um trabalho grande e vai ajudar bastante a família Gúman nas finanças. Quando estamos só, Hanna enche o meu saco a cada cinco segundos perguntando se estou bem, e isso irrita tanto que eu mesma tomo iniciativa de irmos comprar logo os malditos milk-shakes.

O meu é de oreo enquanto o da minha amiga de baunilha, pegamos umas das mesas com bancos acolchoados do Hoover flip e não falamos nada, o silêncio é desconfortável mas eu não me importo nem um pouco. Hanna provavelmente sim, mas não força nada.

Minha cabeça vaga por lugares que eu não quero entrar. Ela traça uma rota desde quando eu tinha a presença de ambos os meus pais até agora. É estranho como eu nunca consigo pensar em um isolado, sempre quando os olhos castanhos da minha mãe me vem a mente, as orbes verdes do meu pai também vem, e vice-versa.

Sinto que estou prestes a chorar.

Normalmente, não seria um problema, mas sei que, dessa vez, se começar, não vou parar. E não quero fazer isso estando rodeada de outras pessoas. Eu me entupo do líquido gelado torcendo para que ele congele meu cérebro, literalmente.

Até A Meia Noite [EM PAUSA]Onde histórias criam vida. Descubra agora