"Anne, " disse Leslie, quebrando abruptamente um curto silêncio, "tu não sabes como é bom estar aqui sentada contigo outra vez, a trabalhar, a conversar, e a estar juntas em silêncio."
apesar de lhe trazer pensamentos que tinha posto a costura de lado Elas estavam sentadas entre as flores azuladas da margem do riacho do jardim de Anne. A água brilhava enquanto passava por elas, as bétulas lançavam sombras manchadas sobre elas; as rosas floresciam em volta dos pequenos caminhos do jardim. O sol começava a baixar, e o ar estava cheio de músicas que se entreteciam. Havia a música do vento nos pinheiros por detrás da casa, e outra das ondas na barra, e ainda outra do sino distante da igreja ao pé da qual a pequena menina dormia. Anne gostava daquele sino, tristes.
Ela olhou curiosamente para Leslie, e falava com uma abertura que lhe era muito pouco comum.
"Naquela noite horrivel em que estiveste tão mal," continuou Leslie, "eu não parei de pensar que talvez não tivéssemos mais conversas, nem passeios, nem trabalhos juntas. E percebi o que a tua amizade tinha começado a significar para mim, aquilo que tu significas, e como eu tinha sido uma bestinha odiosa."
"Leslie! Leslie! Eu nunca admito a ninguém que chamem nomes aos meus amigos."
"Mas é verdade. É exactamente aquilo que sou, uma bestinha odiosa. Há uma coisa que tenho que te dizer, Anne. Pode ser que tu me venhas a desprezar por isso, mas eu tenho que confessar. Anne, houve alturas neste último Inverno e Primavera em que te odiei."
"Eu sei, Leslie," disse Anne calmamente.
"Tu sabes?"
"Sim, eu via-o nos teus olhos."
"Mas continuaste a gostar de mim, e a ser minha amiga."
Leslie. Entre sempre lá, a escondido, ás "Sim, mas era só de vez em quando que tu me odiavas, essas alturas tu gostavas realmente de mim, penso eu."
"É verdade. Mas aquele sentimento horrivel estava estragar tudo, no fundo do meu coração. Eu mantinha-o vezes esquecia-me dele, mas outras vezes surgia de repente e tomava conta de mim. Eu odiava-te porque te invejava, oh, eu estava doente de inveja de ti ás vezes. Tu tinhas uma casinha querida, e amor, e felicidade, e sonhos felizes, tudo o que eu desejava e nunca, nunca pude ter. Era esse o espinho. Eu não te teria invejado se eu tivesse alguma esperança que a minha vida viesse a mudar. Mas eu não tinha, não tinha e não me parecia justo. Tornava-me rebelde e magoava-me, e por isso odiava-te por vezes. Oh, estou tão envergonhada, estou morta de vergonha agora, mas eu não consegui vencer isso.
Naquela noite, quando temi que não sobrevivesses, pensei que estava a ser castigada pela minha maldade, e gostei tanto de ti nessa altura. Anne, Anne, eu nunca mais tive ninguém a quem amar desde que a minha mãe morreu, excepto o velho cão do Dick, e é tão horrivel não ter nada para amar, a vida é tão vazia, e não há nada pior que o vazio, e eu podia ter-te amado tanto, e aquela coisa horrivel tinha estragado tudo."
A Leslie tremia e estava quase incoerente com a violência das suas emoções.
"Não, Leslie," implorou Anne. "Oh, não. Eu compreendo, não fales mais disso."
"Mas eu preciso, eu preciso. Quando eu vi que tu ias sobreviver eu jurei a mim mesma que te ia dizer assim que ficasses bem que eu não ia continuar a aceitar a tua amizade e companhia sem te dizer como era indigna dela. E tenho tido tanto medo que isso te voltasse contra mim."
"Tu não precisas de ter medo disso, Leslie."
"Oh, fico tão feliz, Anne, tão feliz." Leslie juntou as suas mãos morenas e endurecidas pelo trabalho, com muita força para parar o tremor. "Mas eu quero dizer-te tudo, agora que comecei. Tu não te lembras concerteza da primeira vez que te vi, não foi aquela noite na costa -"
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Anne e a Casa de Sonhos | Série Anne de Green Gables V (1917)
Teen FictionObra da canadense L. M. Montgomery.