"Eu tenho uma ideia pequena como uma sementinha castanha que se pode transformar numa grande árvore de realização," disse Anne a Gilbert quando chegou a casa.
Ele tinha regressado mais cedo do que ela esperava, e estava a deliciar-se com a tarte de morangos da Susan. A própria Susan estava um pouco atrás, um pouco séria mas com um ar benemérito, e via-se que tinha tanto prazer em ver o Gilbert comer a tarte como ele próprio tinha ao comê-la.
"Qual é a tua ideia?" perguntou.
"Eu não te vou dizer já, não enquanto não vir que sou capaz de a levar até ao fim."
"E que tipo de pessoa é o Ford?"
"Oh, bastante simpático, e muito bem parecido."
"E que lindas orelhas, minha querida senhora," interrompeu Susan com deleite.
"Ele tem trinta ou trinta e cinco anos, penso eu, e pensa escrever uma novela. A voz dele é agradável e o sorriso delicioso, e sabe vestir-se bem. Parece que a vida dele não terá sido muito fácil, por qualquer razão."
O Owen Ford veio na noite seguinte com uma nota de Leslie para Anne; passaram o entardecer no jardim e foram dar uma volta de barco ao luar pelo porto, num pequeno barco que Gilbert tinha arranjado para as saídas de Verão. Eles gostaram muito do Owen Ford e ficaram com a sensação de o conhecer há muitos anos, o que o distinguia como pertencente á irmandade da casa de José.
"Ele é tão agradável como as orelhas, minha querida senhora," disse Susan, quando ele se foi embora. Ele tinha-lhe dito que nunca provara nada como o bolo de morango dela, e o coração susceptível de Susan foi ganho para sempre.
"Ele tem muito charme." Reflectiu enquanto retirava a mesa do jantar. "É muito estranho que nunca tenha casado, porque um homem daqueles teria a mulher que quisesse. Bem, talvez seja como eu e nunca tenha encontrado a pessoa certa."
A Susan ficou de facto muito romântica nos seus pensamentos enquanto lavava a loiça do jantar.
Duas noites depois Anne levou Owen Ford ao Farol de Four Winds para o apresentar ao Capitão Jim. Os campos de trevo em volta do porto estavam esbranquiçados pelo vento de oeste, e o Capitão Jim tinha um dos melhores pôr-do-sol em exibição. Ele próprio tinha acabado de regressar de um passeio em volta do porto.
"Eu tive que ir lá abaixo dizer ao Henry Pollack que estava a morrer. Toda a gente tinha medo de lhe dizer. Eles estavam á espera que ele reagisse muito mal, porque tem uma grande determinação em viver, e tem feito imensos planos para o Outono. A mulher dele achava que ele devia saber, e que eu seria a melhor pessoa para lhe dizer que não ia melhorar. O Henry e eu somos velhos amigos, navegámos no Grey Gull durante anos juntos. Bem, eu fui lá e sentei-me ao lado dele na cama e disse-lhe, simples e claro, que se uma coisa tem que ser dita mais vale ser dita no principio que no fim, e disse 'Amigo, parece-me que tens ordem de navegar desta vez,' eu estava a tremer um bocado por dentro, porque é uma coisa horrível, ter que dizer a um homem que está a morrer quando ele não sabe. Mas imagine só, senhora Blythe, o Henry olhou para mim com aqueles olhos pretos e brilhantes dele e a cara engelhada e disse-me assim, 'Diz-me qualquer coisa que eu não saiba, Jim Boyd, se me queres dar uma informação. Eu sei isso há uma semana.' Eu fiquei admirado demais para falar, e o Henry riu-se. 'Ver-te vir aqui,' disse, 'com a cara tão solene como um túmulo e sentares-te ai com as mãos agarradas ao estômago, para me dares uma noticia velha e bolorenta como essa! Fazias rir um gato, Jim Boyd,' disse ele. 'Quem te disse?' perguntei eu, feito parvo. 'Ninguém,' disse ele. 'Na semana passada estava aqui deitado a dormir, acordei, e percebi. Eu já andava desconfiado, mas nessa altura fiquei a saber. Tenho andado a disfarçar por acusa da mulher. E gostava mesmo de construir o celeiro, porque o Eben nunca o vai fazer como deve ser.
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Anne e a Casa de Sonhos | Série Anne de Green Gables V (1917)
Ficção AdolescenteObra da canadense L. M. Montgomery.