O jardim da pequena casa era um lugar muito amado por abelhas e avermelhado pelas rosas tardias desse Agosto. As pessoas da pequena casa passavam lá muito tempo, e faziam piqueniques no canto relvado ao pé do riacho e deixando-se lá ficar sentados durante o anoitecer até as grandes mariposas começarem a cruzar o negro aveludado.
Certa noite Owen Ford foi ai encontrar Leslie sozinha. Anne e Gilbert tinham saído, e Susan, esperada nessa noite, ainda não regressara.
O céu do norte estava âmbar e verde pálido por cima dos pinheiros. O ar estava fresco, porque Agosto aproximava-se de Setembro e a Leslie usava uma encharpe vermelha por cima de um vestido branco. Juntos vaguearam pelos pequenos e amigáveis caminhos rodeados de flores em silêncio. Owen tinha que partir em breve. As suas férias estavam a chegar ao fim.
Leslie deu pelo seu coração a bater descompassado. Ela sabia que este querido jardim ia ser o cenário das palavras que deviam selar o seu compromisso ainda subentendido.
"Nalgumas noites um cheiro estranho sopra por este jardim, como um perfume fantasma, " disse Owen. "Eu ainda não consegui descobrir a que flor pertence. É evasivo, assombroso e maravilhosamente doce. Eu gosto de imaginar que é a alma da avó Selwyn a visitar o velho lugar que tanto amou. Devem haver muitos fantasmas amigáveis nesta pequena casa antiga."
"Eu vivo aqui há apenas um mês," disse Leslie, "mas eu já a amo como á casa onde vivi toda a vida."
"Esta casa foi construída e consagrada pelo amor," disse Owen. "Estas casas têm que exercer influência sobre os que lá moram. E este jardim, tem mais de sessenta anos e a história de mil amores e alegrias está escrita nos seus rebentos. Algumas destas flores foram plantadas pela noiva do mestre-escola, e ela já morreu há trinta anos. Mas continuam a florescer todos os Verões. Olha para aquelas rosas vermelhas, Leslie, como reinam sobre todas as outras!"
"Eu gosto muito de rosas vermelhas," disse Leslie. "A Anne prefere as cor-de-rosa, e o Gilbert gosta das brancas. Mas eu prefiro as vermelhas. Elas satisfazem um desejo qualquer em mim."
"Estas rosas são muito tardias, elas florescem depois de todas as outras, é como se representassem todo o calor e a alma do Verão," disse Owen apanhando alguns botões meio abertos e brilhantes. "A rosa é a flor do amor, o mundo aclamou-a assim durante séculos. As rosas cor-de-rosa são o amor expectante e esperançado, as brancas são um amor morto ou desolado, mas as vermelhas, oh, Leslie, o que são as rosas vermelhas?"
"Amor triunfante," disse Leslie em voz baixa.
"Sim, triunfante e perfeito. Leslie, tu sabes, tu compreendes. Eu amo- te desde o início. E eu sei que tu me amas a mim, não preciso de te perguntar. Mas quero ouvir-te dizê-lo - minha querida, minha querida!" Leslie disse qualquer coisa numa voz muito baixa e trémula. As suas mãos e os seus lábios uniram-se; era o supremo momento da vida para ambos e enquanto ali estavam, no velho jardim, com os seus muitos anos de amor e prazer, de mágoa e de glória, ele coroou-lhe o cabelo dourado com as rosas muito vermelhas de um amor triunfante.
Anne e Gilbert regressaram entretanto, acompanhados pelo capitão Jim. Anne pôs alguns paus de madeira trazida pelo mar no lume, por puro gosto pelas chamas, e sentaram-se á volta delas durante umas horas de boa camaradagem.
"Quando me sento á volta de um lume destes é fácil imaginar que sou jovem outra vez," disse o Capitão Jim.
"Consegue ler o futuro nas chamas, capitão Jim?" perguntou Owen Ford.
O Capitão olhos afectuosamente para eles e depois de novo para o rosto animado e olhos brilhantes de Leslie.
"Eu não preciso do fogo para ler os vossos futuros," disse. "Eu vejo a felicidade para todos vós, todos vós, para Leslie e para o senhor Ford, e aqui o doutor e a senhora Blythe, e o pequeno Jem, e crianças que ainda não nasceram mas que vão nascer. Felicidade para todos, apesar de me parecer que vão ter as vossas preocupações, problemas e mágoas também. Eles têm que vir, e casa nenhuma seja palácio ou pequena casa de sonho os pode impedir. Mas não lhes vão levar a melhor, se os enfrentarem juntos com amor e confiança. Consegue-se ultrapassar qualquer tempestade com esses dois como bússola e piloto."
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Anne e a Casa de Sonhos | Série Anne de Green Gables V (1917)
Novela JuvenilObra da canadense L. M. Montgomery.