"Quem foi a primeira noiva desta casa, Capitão Jim?" perguntou Anne quando se sentaram á volta da lareira depois do jantar.
"Ela é parte da história que me disseram estar ligada a esta casa?" perguntou Gilbert. "Alguém me disse que você ma podia contar, Capitão Jim."
"Bem, sim, eu sei-a. Parece-me que sou a única pessoa viva em Four Winds que se lembra da noiva do mestre-escola tal como ela era quando chegou a esta ilha. Ela já morreu há trinta anos, mas é uma mulher que não se consegue esquecer."
"Conte-nos a história," pediu Anne. "Eu quero saber tudo sobre as mulheres que viveram nesta casa antes de mim."
"Bem, pois só houve três - A Elizabeth Russel, a senhora Ned Russel, e a noiva do mestre-escola. A Elizabeth Russel era uma pessoa esperta e simpática, e a senhora Ned também era uma mulher simpática. Mas nunca foram como a noiva do mestre-escola. O mestre-escola chamava-se John Selwyn. Ele veio de Inglaterra ensinar na escola do Glen quando eu tinha dezasseis anos. Ele não era como muitos dos desmazelados que vinham dar aulas para a Ilha do Príncipe Eduardo naqueles dias. A maior parte deles eram tipos espertos e bêbedos que ensinavam as crianças quando estavam sóbrios e lhes batiam quando não estavam. Mas o John Selwyn era um jovem educado e bonito. Ele ficou hospedado em casa do meu pai, e eu e ele éramos amigos, apesar dele ser dez anos mais velho que eu. Nós liamos, passeávamos e falávamos muito. Ele conhecia todas as poesias escritas, e costumava citá-las quando passeávamos ao pé da costa.
O Pai achava que era uma terrivel perda de tempo, mas acabava por tolerar, porque esperava que me fizesse perder o interesse de ir para o mar. Mas nada podia fazer isso, a Mãe vinha de uma raça de marinheiros e o mar tinha nascido comigo. Mas eu gostava tanto de ouvir o John a recitar. Foi quase há sessenta anos, mas eu conseguia repetir metros de poesia que aprendi com ele. Quase sessenta anos!"
O Capitão Jim fez silêncio durante uns momentos, olhando para o lume recordando o passado. Então, com um suspiro, retomou a história. "Lembro-me de uma noite de Primavera em que o encontrei nas dunas. Ele parecia entusiasmado, como o senhor doutor Blythe, quando trouxe a senhora Blythe esta noite. Eu lembrei-me dele assim que o vi. E ele disse-me que tinha uma namorada na terra, e que ela vinha ter com ele. E eu não fiquei muito satisfeito, egoista como era; eu pensei que ele já não ia ser meu amigo quando ela viesse. Mas tive decência suficiente para não dar nas vistas.
Ele contou-me tudo sobre ela. O nome dela era Persis Leigh, e ela teria vindo com ele se não fosse o tio dela, que estava doente, e como ele tinha tomado conta dela quando os pais dela morreram, ela não o ia deixar sozinho.
E agora ele tinha morrido, e ela vinha para casar com o John Selwyn. Não era uma viagem fácil para uma mulher naquele tempo. Ainda não havia barcos a vapor, devem lembrar-se.
'E para quando a espera?' Perguntei eu.
'Ela vem no Royal William, no dia 20 de Junho,' disse ele, 'por isso deve cá estar em meados de Julho. Tenho que falar com o carpinteiro Johnson para me construir uma casa para ela. A carta dela veio hoje. Eu soube antes de a abrir que eram boas notícias para mim. Eu vi-a umas noites antes.' Eu não o percebi, e depois ele explicou-me, apesar de eu não ter ficado a perceber melhor. Ele disse-me que tinha um dom, ou uma maldição. Foram estas as palavras dele, um dom ou uma maldição. Ele não sabia. Ele disse que uma bisavó dele a tinha, e queimaram-na por causa disso. Ele disse que os transes, acho que foi o nome que lhes deu, vinham de vez em quando. Estas coisas existem mesmo, doutor?"
"Há pessoas que tem transes, certamente," respondeu Gilbert. "Mas o assunto está mais no âmbito da pesquisa psíquica do que da médica.
Como eram os transes deste John Selwyn?"
VOCÊ ESTÁ LENDO
Anne e a Casa de Sonhos | Série Anne de Green Gables V (1917)
Ficção AdolescenteObra da canadense L. M. Montgomery.