Capítulo Três

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Millicent

Onde ele está? Ele disse que viria hoje.

Por mais que eu tenha um pouco de receio a respeito desse homem, é inevitável que sinta essa estranha sensação. Desejo vê-lo, tanto que fui capaz de mentir para meu próprio pai, dizendo que minha terapia terminaria vinte minutos mais tarde, tempo suficiente para que ele apareça.

Assim que o médico dispensa todos, pego minha bolsa e sigo em direção aos banheiros. Percebo alguém me chamando e, quando olho para trás, encontro Andrew acenando para mim, vindo em minha direção.

Forço um sorriso, enquanto ele se aproxima.

Andrew está na terapia em grupo há seis meses, desde que se recuperou fisicamente de um acidente de carro em que os outros amigos morreram. Ele parece ser legal e tem sido simpático comigo desde o começo.

— Ei, Millie — ele diz parando a minha frente.

— Oi — respondo ainda mantendo o sorriso.

— Você foi ótima hoje. Fico feliz que esteja melhorando.

— Obrigada. — Olho para baixo, para meus sapatos, esperando que ele conduza a conversa.

Andrew limpa a garganta, chamando minha atenção e eu olho para ele. Sua aparência é bonita, a pele escura contrastando com os olhos castanhos, a roupa moderna desfiada. Oh, sim, ele é bonito.

— Pensei em convidá-la para beber algo.

— Eu não bebo — digo num impulso.

Andrew sorri largamente.

— Eu também não. Apenas pensei que fosse uma boa ideia sairmos para conversar.

Droga! Isso está se estendendo mais do que eu gostaria. Irei me atrasar para encontrá-lo.

— É claro. Podemos marcar. — Coloco a mão em seu ombro e sorrio mais uma vez, antes de olhar para meu relógio de pulso e franzir a testa dramaticamente.

— Oh, desculpe, eu preciso ir.

— Posso acompanhá-la? — E aqui está Andrew tentando ser prestativo novamente. Isso pode ser irritante.

— Estou indo ao banheiro agora — falo, apontando para a porta à frente. Acelero os passos e mal olho para trás, temendo que ele diga algo mais.

Já dentro do banheiro, jogo fora todo aquele ar preso em meus pulmões. Caminho até estar de frente para o espelho e me apoio à pia, examinando, pela milésima vez, minha aparência.

Retiro o lenço cor-de-rosa que minha mãe me deu e passo a mão por minha cabeça. Meus cabelos estão voltando a crescer e provocam cócegas na palma.

Sinto falta dos meus cabelos. Todos os dias, quando vejo minha imagem refletida no espelho, tenho desejo de chorar, desejo que se acaba rapidamente quando recordo que estou viva. Estou ciente de que, acima de minha fútil vaidade, está minha saúde.

É óbvio que minha primeira reação ao ver-me no espelho, depois do que aconteceu, foi chorar descontroladamente, incomodada pela cicatriz horrorosa que estampava minha cabeça. Mas a consciência de que estava viva, de que meu coração batia e de que tinha minha voz de volta foi suficiente para acalentar minha dor.

Encontro um batom nude em minha bolsa e passo nos lábios, animada com a perspectiva de ver Savi. Volto a amarrar o lenço, fazendo um laço com a parte sobressalente. Sorrio para mim mesma, sentindo- me corajosa.

Deixo o banheiro com minhas pernas moles, o coração martelando no peito.

Tenho pensado nele muitas vezes. Há algo que não me permite tirá-lo da cabeça. Talvez sejam suas palavras, ou seu olhar sincero... ou seu beijo.

Dissoluto - Para Sempre (livro 2 ) - Série The Underwood'sOnde histórias criam vida. Descubra agora