Capítulo Dez

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Savi

Mal termino de almoçar, vou para o banheiro rapidamente para escovar os dentes. Daqui a pouco encontrarei Millicent e, por algum motivo estranho, estou nervoso.
Visto uma calça jeans, uma regata branca e minha velha e conhecida jaqueta de couro. Ligo para Ethan e aviso que encontrarei Millie, o que o deixa feliz e angustiado ao mesmo tempo.
Desço até a garagem do condomínio e subo na Melody, minha companheira há anos. Coloco o capacete e dou partida. Em seguida, estou acelerando nas ruas de Seattle.
***
Chego alguns minutos antes, logo minha garota sairá e poderemos nos ver um pouco. Coloco a mão no bolso da jaqueta conferindo se o chaveiro de Lorenzo está aqui, e está. Espero que isso ajude a despertar algo dentro dela.
Enquanto penso no que podemos fazer, sinto mãos pequenas tocando minhas costas. Um toque suave, que arrepia a minha espinha. Viro-me, encontrando olhos azul-celeste e um sorriso iluminado. Millicent não está com lenço na cabeça, veio mostrando os poucos fios dourados sobre o couro cabeludo. Sorrio diante de tanta naturalidade, essa garota é linda de qualquer jeito.
— Millie! — puxo-a contra mim e seguro sua cabeça entre as mãos. — Eu estava morrendo de saudade, meu amor — confesso e ela sorri.
— Algo dentro de mim gritava para estar com você, Savi. É tudo tão... estranho. Não é? — pergunta preocupada.
— Eu já te disse, se suas lembranças não voltarem, criaremos novas memórias.
Millicent dá um passo para trás e sorri novamente. Não consigo me segurar e, quando me dou conta, estou beijando-a apaixonadamente.
— Vamos sair daqui — ela diz enquanto nos afastamos. — Temos apenas quinze minutos, Savi.
Merda! É pouco tempo.
Pego sua mão e a puxo, fazendo com que me siga pela rua lateral do hospital, onde há um parque com árvores, pequenas trilhas e uma fonte de água cristalina.
— Tenho algo para você — digo e ela franze a testa. — Lorenzo pediu para que eu te entregasse isso. — Tiro o chaveiro do bolso e coloco em sua mão.
— O rapaz do bar? Aquele que você disse que era meu amigo? — pergunta.
— Ele é seu amigo e também sente a sua falta. Para falar a verdade, você era a única que aguentava as maluquices dele. — Sorrimos.
— O chaveiro é lindo — diz enquanto olha atentamente para o pequeno objeto.
— Você deu esse chaveiro para Lorenzo quando ele conseguiu comprar o carro que tanto queria — conto e ela me encara.
— Eu não me lembro. — Seus olhos ficam marejados.
— Tudo bem, amor. Não se cobre por isso. — Abraço-a por alguns segundos.
— Posso ficar com isso? — pergunta mostrando o chaveiro.
— Claro! Ele pediu para trazer e deixar com você.
Millicent sorri e guarda o chaveiro em sua bolsa transversal.
— Bem, acho que é melhor eu voltar para o hospital, logo meu pai chega e não quero que ele nos flagre.
Concordo e pego em sua mão novamente.
— Vamos!
Caminhamos pela lateral do edifício, exatamente onde deixei Melody estacionada.
— Não precisa me levar até a porta, é melhor eu ir sozinha — diz e beija meus lábios rapidamente. — Até mais, Savi.
Millicent se vira e caminha rapidamente para a frente do hospital. Fico escondido, observando de longe. Vejo seu pai chegando momentos depois e ela entra no carro. Assim que vão embora, subo na Melody e faço o mesmo.
***
Assim que abro a porta do apartamento, uma visão totalmente fora do comum entra em minha vista. Em outra ocasião e se fosse outra pessoa, eu certamente teria me atirado sobre ele e socado sua cara até quebrar seu nariz. Mas esses cabelos louros e roupas pretas são inconfundíveis mesmo pelas costas.
— Espero que haja uma boa explicação para estar dentro da minha geladeira — digo, jogando as chaves da moto e o capacete sobre uma mesa.
Evan se vira para mim rapidamente, com uma tigela de salada de macarrão nas mãos.
— Tecnicamente, estou fora. Você sabe, meu tamanho é desproporcional — responde, dando de ombros, enquanto caminha até a bancada.
Fico em frente a ele, fitando-o atentamente, esperando pela reação inesperada, como sempre.
— Você parece bem, Savi.
Sorrio de leve.
— Não posso dizer o mesmo de você — alfineto. E é verdade. Evan parece diferente dessa vez. — Como conseguiu entrar aqui sem a chave?
— Ethan.
É claro. Meu irmão daria a chave do meu apartamento até para um ladrão, se este fosse educado com ele.
Sento-me no sofá, e meu amigo faz o mesmo, ainda com a tigela nas mãos. Ele não olha para mim, concentrando em sua comida. E se eu não o conhecesse tão bem, diria que está me evitando.
— Você precisa saber que ignorar o dono do apartamento em que você está hospedado não é algo muito educado — falo, encarando o rosto dele.
Evan para de repente e lentamente deixa a comida na mesa ao lado, virando-se para mim com uma expressão diferente.
— Eu estava brincando, cara... — começo, realmente preocupado que ele tenha levado a brincadeira a sério.
— As coisas não estão bem, Savi — diz, a voz baixa.
— Que merda você fez, Evan? — pergunto, tentando imaginar em que confusão ele se meteu dessa vez.
— Eu atirei em um cara — sussurra, levando a mão à cabeça. Ele se inclina no sofá, como se estivesse tentando evitar olhar para mim.
— Mas que porra...? — xingo, ficando em pé. — Você o matou? É por isso que está aqui?
Evan se levanta, ficando de cara comigo. Temos quase a mesma altura, mas a expressão nada amigável dele o faz parecer maior, seus ombros tremendo com a respiração pesada.
— Não o matei — começa ele, olhando nos meus olhos. — Eu queria, mas não matei. Era o namorado de Lucy, minha irmã. Ele a agrediu na frente do bebê. Fui atrás dele, cacei aquele maldito em cada canto da cidade. — Evan limpa o suor que escorre da testa e respira fundo, antes de continuar. — Ele a fazia beber, cara.
— Evan...
— Nós discutimos, eu o ameacei. O filho da puta é o pai do bebê, Savi — grita, socando o ar. — Mas ele não teve a mínima consideração... Não me controlei e atirei nele.
— Você fugiu? — pergunto.
— Que outra opção eu tinha? — retruca, caminhando pelo apartamento. — Eu me livrei da arma e fui até minha irmã. Eu a levei para outro lugar, onde ela pudesse ficar em segurança junto do bebê. E então vim para cá.
— Porra! — Jogo-me no sofá, perplexo. — Isso é uma merda das grandes, cara.
— Eu sei disso, Savi. Por isso estou aqui. Preciso me esconder até aliviar as coisas.
— Quer se esconder aqui no meu apartamento?
Ele me olha desconfiado.
— Tem uma ideia melhor? — pergunta, erguendo as sobrancelhas.
— Vai dormir na sala — falo, levantando e indo para a geladeira. — E nada de comer tudo que vir pela frente.
— Obrigado, cara — agradece de cabeça baixa.
***
Durante a noite, ouço alguns passos pela casa e acabo decidindo ir até a sala. Para minha surpresa, encontro Evan sentado no chão, em frente à sacada, olhando para o escuro. A luz está apagada, e ele não me vê, até que eu esteja ao seu lado.
— Não consigo dormir — diz, ainda sem me olhar.
— Eu percebi — respondo, sentando-me ao seu lado.
Ficamos encarando as poucas luzes acesas do outro lado da rua, os dois em silêncio.
Acho que talvez essa seja a primeira vez que vejo Evan dessa forma. Nem mesmo nas outras situações difíceis pelas quais passamos ele esteve tão destruído; tem sido terrível vê-lo assim. Meu amigo, sempre brincalhão e animado, mais parece um morto vivo.
— Eu estive pensando — Evan fala em voz baixa, seu olhar fixo no escuro. — Não posso ficar aqui. Preciso enfrentar as consequências do que fiz.
— Ir para a prisão não me parece uma opção muito agradável —comento.
Ele respira fundo, abaixando a cabeça.
— Não seria a primeira vez.
— Mas seria diferente — argumento, lembrando-me da ocasião em que Evan me ligou da prisão.
— E o que sugere que eu faça? — pergunta, agora olhando para meu rosto.
— Acho que sua única preocupação nesse momento deve ser com sua irmã. Precisa de ajuda com ela? — ofereço.
— Não. Ela está segura. Tenho um pouco de dinheiro guardado, vai dar para ajudar com o bebê. Ele é lindo, cara — comenta, sorrindo.
Acabo rindo, tentando imaginar Evan com um bebê. Ah, não, a ideia não parece boa.
Fico de pé e vou até o sofá, jogando-me entre as almofadas. Procuro o controle e ligo a TV.
— Tem cerveja na geladeira — digo, apontando para trás.
Evan se levanta lentamente e, com uma expressão estranha, para em minha frente.
— Não vai dormir?
Sorrio, trocando de canal, procurando por algo interessante.
— Você não vai me deixar dormir de qualquer forma — falo dando de ombros.
E a verdade é que também não conseguiria dormir sabendo que ele está se sentindo mal. Ora, amigos servem para isso.

Dissoluto - Para Sempre (livro 2 ) - Série The Underwood'sOnde histórias criam vida. Descubra agora