Capítulo Oito

292 38 1
                                    

Savi

Deixamos a delegacia em silêncio. Ethan entrou em seu carro e acelerou, nitidamente atordoado. Já eu, permaneci sentado sobre a Melody durante alguns minutos, acho. Precisava processar todas as informações em minha cabeça.
O homem ruivo que vi algumas vezes no hospital e que parecia me encarar é o desgraçado que abusou de Millicent, minha doce menina. Como eu estava desesperado pela situação em que ela estava, nem dei a atenção necessária para o sujeito. Para mim, era alguém que estava na mesma situação que eu, temendo pela vida de alguém. Mas não, ele estava rondando sua presa para ver se havia conseguido se livrar dela.
Sim, algo dentro de mim diz que foi esse verme que atropelou minha garota.
Coloco a moto em movimento e logo estou deslizando pelas ruas de Seatle, sem rumo. A cabeça zonza, ainda custando a acreditar que estive tão perto do homem que destruiu a infância de Millicent.
Acelero e vou para casa tomar banho e comer algo. Daqui a duas horas o The Underwood’s abre e, antes disso, Ethan e eu vamos conversar com os funcionários, passar algumas informações sobre a investigação.
***
— O quê? — Teresa parece confusa e aliviada. — Então quer dizer que não foi Ernandéz que incendiou o bar?
— Isso mesmo, Teresa — respondo.
— Mas isso não diminui o que ele fez com você — Enrico diz irritado.
— Por favor, mantenham a calma — Ethan pede.
— Mas, então, quem incendiou o bar? — Lorenzo pergunta com o cenho franzido.
— Tudo o que precisam saber é que o investigador está no caminho certo e logo o culpado vai responder pelo que fez — Ethan diz e todos permanecem em silêncio. — Bom, é isso, pessoal. Vamos abrir o The Underwood’s!
Teresa caminha em direção à cozinha, e Enrico, ao estoque. Ethan vai para o escritório e, quando estou prestes a segui-lo, Lorenzo surge a minha frente.
— E Millie, como está? — pergunta.
Lorenzo e Millie são muito amigos, ou eram, já que ela não se lembra dele também. Muitas vezes, ele a defendeu de meus julgamentos e isso me faz sentir, de certo modo, grato.
— Ela está bem, as feridas já cicatrizaram, os cabelos estão começando a crescer... — Suspiro frustrado. — Mas ela não se lembra de nada ainda.
— Sinto muito, Savi, de verdade. Millie é uma garota muito especial, uma grande amiga. Espero que suas memórias voltem um dia — diz e coloca a mão sobre meu ombro.
— Obrigada, Lorenzo! — agradeço.
— Toma.
Lorenzo tira do bolso a chave de seu carro. Junto com ela, há um chaveiro no formato de um coração e, dentro dele, está escrito “bom amigo”. Ele retira o pequeno chaveiro e me entrega. Assim que repara em minha expressão confusa, explica:
— Quando comprei o carro dos meus sonhos, Millie me deu esse chaveiro para usar com a chave do carro. Ela moveu os lábios e disse o quanto estava feliz por minha conquista. — Sua voz falha. — Quando for vê-la, leve esse chaveiro junto, para ver se ela se lembra de algo. Toda tentativa é válida.
Concordo balançando a cabeça. Lorenzo sorri e caminha até as mesas, começando a baixar as cadeiras para o chão. Fico parado durante alguns segundos olhando para o objeto; é delicado como Millie. Sorrio e me sinto sortudo por ter encontrado alguém tão especial.
Guardo o chaveiro no bolso da jaqueta e entro no escritório. Ethan está sério e levemente vermelho, parece irritado.
— Aconteceu algo? — pergunto ao me sentar no sofá, ao lado de sua mesa.
— Se não percebeu, sua amiga Evangeline não está aqui — responde e me encara.
— É, eu sei. Ela avisou que teria um compromisso importante e chegaria mais tarde, não avisou? — pergunto confuso.
— Se você chama um encontro de compromisso importante... — diz e volta a atenção para a tela do notebook.
— Como você sabe que ela foi para um encontro?
Ethan se mexe na cadeira, parece incomodado com minha pergunta, mas após alguns segundos me encara.
— Ela fez questão de me ligar avisando que talvez não venha trabalhar hoje. — Seu rosto fica mais vermelho. — Disse que te ligou, mas que você não atendeu, então ligou para o meu celular.
Pego o celular em meu bolso e vejo que não há qualquer ligação, nem de Eva e nem de ninguém. Sorrio e guardo o celular, enquanto meu irmão caçula me olha sem piscar.
— É, ela ligou e eu não ouvi. Deve ter sido na hora em que estava conversando com o Lorenzo — minto.
Não quero deixar meu irmão ainda mais irritado. É claro que Eva mentiu apenas para ligar para ele e esfregar em sua cara que está em um encontro. Mas por que isso? O que está acontecendo entre eles?
— Ela acha que, só por ser uma das sócias do bar, pode faltar ao trabalho para ir a encontros românticos — Ethan diz enquanto digita freneticamente no notebook.
— Você nem sabe se é um encontro romântico! — digo e ele bufa.
— Pela animação da voz dela, com certeza é.
— Eu acho que você está com ciúme.
Ethan para de digitar e me olha como um psicopata. Ele realmente está nervoso com essa situação.
— Ciúme? Do álbum de figurinhas ambulante? Se eu quiser ter um gibi, vou numa banca e compro, Savi — responde e sorri ironicamente.
— Cara, faz quanto tempo que você não transa? — Fico em pé. — Você precisa sair e relaxar.
— Você parece aquele seu amigo idiota falando. Como é o nome dele mesmo? — Faz cara de esquecido.
— Evan. E ele não é idiota — retruco e Ethan ergue as sobrancelhas. — Ele é um pouquinho, tá! Mas é um bom amigo — digo e ele volta a digitar.
— Preciso terminar essas planilhas aqui — diz e não me olha.
— Ok! Vou ao estoque ajudar o Enrico com as caixas de bebidas.
***
 Após ajudar Enrico, vou para o salão e vejo alguns rostos conhecidos, temos os mesmos clientes há anos, mas sempre aparecem clientes novos também.
Nas terças-feiras o movimento sempre é menor, então o expediente decorre tranquilamente. Devido ao fraco movimento, fechamos o bar uma hora mais cedo e liberamos os funcionários para irem para casa.
— Tem certeza de que vai ficar? — pergunto e Ethan confirma.
— Sim, falta pouco para terminar as planilhas, não quero deixar para amanhã.
— Se quiser, posso te esperar.
— Não precisa, Savi. Agora o bar está mais seguro, com sistema de segurança e câmeras novas. Vá para casa descansar, daqui a pouco, também vou — diz.
— Tudo bem, até amanhã — despeço-me e vou embora.
Chego a minha casa minutos depois e penso se devo ou não ligar para Millicent. A cada dia a saudade aumenta e, às vezes, parece que vou enlouquecer.
O rosto do homem que vi no hospital e que, pelo tudo indica, é o estuprador de Millie, não sai da minha cabeça. Estive tão perto dele, tão perto... Poderia ter acabado com ele com as minhas próprias mãos!
Sirvo-me de um pouco de uísque e viro num único gole. Sinto minha garganta queimar, assim como a raiva queima por dentro de mim. Por fim, decido mandar uma mensagem para Millie.
“Estou com saudade, amor. Quando poderemos nos ver?”
Minutos depois a sua resposta chega.
“Amanhã tenho terapia em grupo, sairei 15 minutos mais cedo para nos falarmos.”
Sorrio. Sei que algo dentro dela diz que pode confiar em mim e que sou o seu homem.
“Estarei lá. Te amo!”
Envio e espero a resposta, mas ela não vem.
Suspiro e vou para o banho.
Amanhã verei a minha garota.

Dissoluto - Para Sempre (livro 2 ) - Série The Underwood'sOnde histórias criam vida. Descubra agora