Alguns dias depois...
Millicent
Mais de uma semana se passou e, durante esse tempo, não houve um dia sequer em que Savi e eu não conversamos. Nós falamos de tudo; ele me contou sobre a rotina no bar e eu lhe contei sobre as sessões de terapia em grupo.
Não contei sobre os sonhos que tenho tido, apenas isso guardei para mim; sonhos românticos e outros eróticos. Somente em lembrar, minha pele queima e meu rosto fica vermelho. Várias vezes questionei se eram apenas sonhos ou se, de fato, vivi tudo aquilo; seu corpo tatuado, suado e atlético; os cabelos quase nos ombros e a barba roçando minha pele sensível; suas palavras doces e apimentadas ao mesmo tempo, tudo na medida certa.
Oh, sim!
Não importa se são apenas sonhos ou lembranças escondidas em meu subconsciente. Como o próprio Savi disse dias atrás, agora construiremos novas memórias e com certeza é assim que quero me lembrar dele.
— Algum problema, Millicent? — a senhora Smith, nossa terapeuta de grupo, pergunta.
— Nenhum, senhora Smith — respondo ajeitando-me na cadeira.
Com certeza eu estava com cara de quem estava dormindo acordada. Mas pensar em Savi me deixa anestesiada. Não preciso dormir para sonhar com ele.
A última terapia da semana termina. Como hoje é sexta, saímos um pouco mais cedo que nos demais dias. Quando me levanto para deixar a sala, senhora Smith se coloca a minha frente.
— Você anda muito distraída, Millicent. Está tudo bem realmente? — Os olhos emoldurados por algumas rugas devido à idade fitam-me atentamente.
— Juro que sim — respondo sem nem piscar.
— Devo me preocupar com o motivo que lhe deixa tão... fora do ar?
— Não, senhora.
Senhora Smith aperta um pouco os olhos e balança a cabeça concordando. Não sei dizer se acreditou ou não em mim. Preciso disfarçar a paixão que sinto por Savi. Ninguém pode saber por enquanto, para nosso próprio bem.
Ainda preciso conhecê-lo melhor, por mais que já não haja dúvida de que nós dois já tivemos algo juntos. Mas agora tudo é diferente, estamos escrevendo uma nova história.
Saio rapidamente do hospital e caminho em direção ao parque que há ao lado. Assim que chego, vejo Savi sentado na borda da pequena fonte de água que há no centro do parque. Ele não me vê, então aproveito para admirar seu jeito de olhar para o céu e mexer os dedos das mãos freneticamente.
Seus cabelos estão presos num coque mal feito e alguns fios rebeldes insistem em cair sobre seu belo rosto. Ele veste uma camisa xadrez moderna, calça jeans escura e, para finalizar, usa botas de motoqueiro, o que torna o visual uma mistura de elegância e ousadia.
Adoro esse homem.
Antes de ir ao seu encontro, dou uma olhada no vestido que uso e confiro avidamente a maquiagem leve que fiz, no espelho que há atrás de minha escova de cabelo. Sim, eu a carrego mesmo não tendo mais cabelos. É uma mania estranha que adquiri de uns dias para cá. Talvez seja esperança de um dia ter meus longos cabelos novamente.
Respiro fundo e caminho em direção ao homem que está virando minha cabeça. Quando ainda faltam alguns passos, Savi olha em minha direção e abre o sorriso mais lindo que já vi na vida.
— Você está linda — diz e me beija apaixonadamente. Nossas línguas se encontram, fazendo uma dança sensual e demorada. Savi não havia me beijado assim antes, pelo menos não depois que eu perdi a memória.
— Está tudo bem? — pergunto ao me afastar.
— Agora sim — responde e me puxa para um abraço apertado.
— É melhor irmos antes que alguém nos veja — digo e ele concorda.
— Você veio de vestido. Isso me faz lembrar de quando andou de moto comigo e usava um vestido parecido com esse. — Sorri maliciosamente.
— Estou usando um short por baixo — respondo e cruzo os braços. Savi levanta as sobrancelhas e depois sorri.
— Você é esperta, Millicent. — Ajuda-me a colocar o capacete e faz o mesmo. — Agora vamos e segure-se firme em mim. — Pisca e sobe na moto.
Eu faço o mesmo e sigo sua orientação. Seguro sua cintura com força e encosto minha cabeça em suas costas largas. Logo Savi coloca a moto em movimento e estamos na estrada. Hoje eu irei ao bar no qual trabalhei e onde conheci Savi. Verei as pessoas que trabalham lá e que, pelo que tudo indica, são meus amigos.
Inventar uma desculpa para minha família não foi fácil, principalmente para o meu pai. Ele vive querendo me proteger de tudo e de todos, sobretudo de Savi, o segundo homem que, de acordo com papai, desgraçou a minha vida.
Menti dizendo que iria para a casa de Beatrice, uma amiga que fiz na terapia e que, assim como eu, foi abusada quando criança. A única diferença é que o abusador dela foi o próprio tio.
Dias atrás Beatrice almoçou e ficou o dia inteiro comigo lá em casa, e meus pais gostaram dela. Então não foi difícil convencê-los de que, após a terapia de hoje, eu iria para sua casa e jantaria lá. Eu disse que após o jantar ligaria para papai ir me buscar.
Enquanto sinto o vento frio tocar a minha pele, percebo o quanto estou sendo maluca e irresponsável. A Millicent de antigamente jamais faria isso, subir em cima de uma moto com um homem exótico e praticamente desconhecido. E não digo apenas pelo meu trauma, mas porque homens como Savi nunca me chamaram a atenção, muito pelo contrário; o maldito que acabou com a minha infância também tinha tatuagens e só em me lembrar delas sinto vontade de vomitar.
Aperto a cintura de Savi com mais força e ele diminui o ritmo; provavelmente pensou que fiz isso pela velocidade com que está pilotando a moto. Acho melhor que pense assim, pois não quero que saiba que ainda sinto medo de Jason. É como se ele estivesse em cada canto me espionando, isso é assustador.
Fecho os olhos e tento direcionar meus pensamentos para outra coisa. Não demora muito para as imagens do último sonho que tive com Savi invadirem minha cabeça.
Será que ele é tão quente quanto nos meus sonhos? Ou seriam lembranças?
***
Quando menos espero, estamos em frente ao bar. A viagem não demorou muito, pouco mais de uma hora pelo que vi em meu relógio de pulso.
Savi pega meu capacete e me observa, enquanto meus olhos fixam nos letreiros acima do bar.
The Underwood's.
Eu gosto desse nome, na verdade, desse sobrenome. É forte e marcante, assim como o homem que continua a me observar.
— O que foi? — pergunto ao encontrar seus lindos olhos azuis.
— Nada. Eu só não quero que se assuste... Avise se algo for demais para você — responde e beija minha testa.
— Estou um pouco ansiosa — admito.
— Todos também estão ansiosos para te ver, Millie — diz e segura minha mão com firmeza. — Pronta? — pergunta.
— Sim — respondo e em seguida caminhamos até a entrada do bar.
Assim que entramos, um homem jovem, com piercing no nariz e na orelha esquerda, caminha até nós. Um sorriso bonito estampa seu belo rosto, ele parece feliz ao nos ver aqui.
— Millie! — exclama e me abraça apertado em seguida.
— Oi... — cumprimento envergonhada.
— Millie, esse é o Lorenzo, o amigo que pediu para lhe dar o chaveiro — Savi explica.
Desço o olhar até minha bolsa transversal e sorrio ao ver o chaveiro ali. Seguro o objeto na mão, o que faz Lorenzo sorrir.
— Isso aqui é seu, Lorenzo. Mesmo que eu não me lembre, Savi contou que eu te dei de presente, então não é justo que eu fique com ele — digo enquanto tiro o chaveiro do zíper de minha bolsa, mas Lorenzo me detém.
— Só quero que me devolva quando se lembrar de mim — diz e coloca o chaveiro no zíper novamente.
— E se eu não lembrar? — pergunto, sentindo um nó na garganta.
—Então ele será seu, em prova de nossa nova amizade.
Sorrimos um para outro. Gostei dele, parece gentil e sincero.
Antes de voltar para seus afazeres, Lorenzo me dá mais um abraço e avisa a Savi que Ethan e Eva estão no escritório.
Enquanto caminhamos pelo bar, conheço Teresa e Enrico. Eles já me conhecem, claro, e isso me deixou um pouco desconfortável. É estranho conhecer pessoas que, tecnicamente, você já conhece.
Savi abre uma porta escura e dá passagem para que eu entre primeiro. Dentro estão Ethan — o único que não esqueci — e uma ruiva toda tatuada.
Uau!
Gostei do estilo dela.
Será que eu ficaria bem com tatuagens e vestindo roupas de couro? Seguro o riso. É impossível me imaginar dessa forma. Mas confesso que é tentadora a ideia de mudar radicalmente.
— Millie! Bom te ver! — Ethan se aproxima e me abraça carinhosamente.
Ele é o irmão que não tive. Conquistou minha confiança aos poucos, toda vez que ia visitar meu pai devido aos trabalhos da faculdade. Mas não foi difícil gostar dele; mesmo com o seu jeito sério, roupas extremamente alinhadas e cabelo a base de gel, seu jeito inteligente e ponderado inspirou confiança.
Assim que soube de minha história, prontamente me ofereceu emprego e um lugar para morar, uma oportunidade de ter — ou tentar ter — uma vida normal. No começo meus pais resistiram, mas, através de gestos e alguns bilhetes, consegui mostrar que essa seria a minha chance de começar uma nova vida.
— Você está ótima! — diz ao se afastar.
— Obrigada, Ethan.
— Millicent, bom te ver — a ruiva diz e me abraça rapidamente.
— Bem, o Ethan você lembra quem é. Essa é a Eva, uma grande amiga e agora também sócia do bar. — Sorrimos uma para a outra.
— Esqueceram de mim! Uma voz de tom forte invade o ambiente. Todos olham na direção da porta, onde está um homem alto, louro e com a barba por fazer.
— Olho para Savi confusa, então ele sorri enquanto Ethan bufa e Eva solta uma gargalhada.
— Não te ensinaram a bater antes de entrar? — Ethan pergunta irritado.
— Deixa de ser chato, Ethan! O filho do Axl Rose é de casa — Eva diz e tenho a impressão de que Ethan não gostou.
— Millie, esse é o Evan, um velho amigo — Savi apresenta e o tal Evan beija minha mão.
— O melhor amigo dele — Evan diz.
— Isso é o que você pensa — Eva desafia.
— Vocês são irmãos? — Aponto para Eva e Evan.
— Deus me livre! — Eva exclama.
— Ah, chuchu, sei que você me adora — Evan diz convencido.
— É que vocês têm os nomes parecidos — digo.
— Pode ter certeza de que é só o nome mesmo — Eva diz e Evan faz biquinho pedindo beijo.
Olho para Ethan e ele permanece sério. Será que gosta da Eva? Ou apenas não vai com a cara de Evan?
— Vamos, vou te mostrar o resto do bar, Millie. — Savi pega minha mão e me conduz para fora da pequena sala.
— Savi, preciso falar com você, é bem rápido.
Evan nos segue e Savi franze a testa, parando de caminhar. Ambos dão alguns passos e vão para um canto conversar com mais privacidade. Eles cochicham, mexem os braços fazendo alguns gestos. Em menos de um minuto, terminam de conversar e Evan vai embora.
— Está tudo bem? — pergunto assim que Savi chega até mim e volta a me puxar pela mão.
— Sim, está. É que Evan está passando uma má fase, mas vou ajudá-lo a sair dessa — diz seriamente.
Neste momento meu coração aquece. Savi, um homem grande, com um estilo bruto e selvagem, é uma boa pessoa e se importa com aqueles que o cercam. Um ponto a mais para amá-lo.
Após alguns passos, chegamos a um depósito não muito grande. Nele há várias prateleiras cheias de caixas de bebidas, cigarros e alimentos.
— Houve um tempo em que eu era perturbado e todos achavam que eu não tinha como sair dessa, nem eu acreditava em mim — diz enquanto caminhamos pelo espaço. — Em um desses momentos, eu vim aqui e quebrei várias garrafas de bebidas para extravasar a dor. Então, quando menos esperava, você surgiu ao meu lado e me encarou com seus olhos cheios de esperança. Mesmo sem me conhecer, você acreditava em mim.
Enquanto Savi conta um pouco de nossa história, tento criar imagens em minha cabeça, pois quero muito me lembrar de tudo isso.
De repente, alguns flashes invadem minha cabeça e isso me deixa um pouco zonza, mas não falo nada a ele.
— Eu tentei afastar você, sendo estúpido e ignorante, sendo o que eu sempre fui. Então você trouxe uma vassoura e me entregou antes de ir embora. Isso me deixou sem reação, com um misto de raiva e surpresa dentro de mim. Eu te achei ousada e tive vontade de jogar aquela vassoura a alguns metros de distância.
— E o que você fez? — pergunto curiosa.
— Eu levantei, peguei a vassoura e limpei toda a bagunça que fiz. Pode parecer estranho, mas isso me acalmou e a raiva passou. Depois, quando te vi, senti um misto de curiosidade e gratidão. Acho que foi quando eu comecei a me apaixonar por você, Millicent. — Savi se aproxima e passa a mão em meu rosto suavemente. Seus lábios encostam nos meus e me beijam apaixonadamente. É fato que tivemos uma linda história e eu farei de tudo para me lembrar desses momentos.
— Quero conhecer sua casa — sussurro.
Sem pensar duas vezes, Savi me puxa e logo estamos montando em sua moto. É isso aí. Daqui a pouco, conhecerei a casa de Savi. Estou ansiosa por isso.***
Nota das autoras: Desejamos um 2021 com muita saúde, prosperidade e sucesso, Dissolutas! 💜
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Dissoluto - Para Sempre (livro 2 ) - Série The Underwood's
RomanceESSE LIVRO ESTÁ COMPLETO! Boa leitura! *** Savi está destruído. Após a tragédia que aconteceu no The Underwood's, sua doce garota também foi marcada... Mais uma vez. Mas dessa vez, parece ser algo irreversível, pois Millicent não se lembra de nada q...