Capítulo XVII - Promessas

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— ... Conseguimos. — O grande demônio havia sido pulverizado. Com o desaparecimento da magia infernal, logo veio a sensação de alívio. A emergência mais grave já havia sido resolvida, mas a missão não tinha acabado.

— Vamos voltar para o acampamento. Temos muitas questões a resolver com aqueles desgraçados. — Klaus se reuniu com o resto de seu esquadrão e seguiu rapidamente para a floresta. Após um minuto de corrida, os soldados se encontraram com os alquimistas, que estavam enterrados em um lamaçal lado a lado, somente com suas cabeças acima da terra, expostas a chuva e a escuridão. Com suas magias completamente seladas, não havia muito que podiam fazer para escapar.

— E aí, curtindo o banho? Já mandamos aquele bicho feio que vocês estavam escondendo de volta pro inferno. — O veterano disse, se ajoelhando ao lado da cabeça de um dos atolados. Todos estavam sentindo calafrios por conta do tempo úmido, que sugava o calor de seus corpos. A princípio, não houve resposta. Estavam amedrontados, congelando e exaustos.

— Agora ficaram quietos não é? Mas logo vocês vão falar. — Klaus concluiu sua fala, e então começou a preparar um portal para a Academia. Poucos minutos mais tarde, um outro time de exorcistas iniciou a extração dos prisioneiros. Seriam longas horas de interrogatório.

Gabrielle observou os alquimistas desaparecendo pela fenda no espaço. Seu coração estava repleto de ódio pelas maldades que eles haviam cometido, e até aquele momento, ela havia se segurado. Era a primeira vez que ela realmente desejou matar alguém, e seus amigos sabiam disso.

— Ei, se acalma. — Ismael tocou seu ombro, surpreendendo a menina. Ambos se encararam em silêncio por um instante. Era como o garoto havia imaginado, os olhos da maga de água que antes estavam brilhando em um tom azul, haviam ficado escuros. Seu corpo sentiu calafrios ao ver aquilo, mas não era o momento de entrar em pânico.

— Você tá perdendo o controle Gabi. Eu sei que esses caras fizeram coisas horríveis, mas não se deixe levar pelo ódio. — A expressão da jovem lentamente se acalmou depois de escutar o conselho. — Se em algum momento tiver que puxar o gatilho, que seja para um bem maior. No momento certo. Tudo bem?

Ele continuou a fitar a colega, aguardando alguma resposta. A exorcista suspirou, fechando seus olhos por alguns segundos antes de os abrir novamente, já com suas cores normais.

— Tudo bem. Me desculpa. Eu... eu não estava agindo como de costume. Não pude me... controlar. — Ao terminar de responder, Gabrielle colocou a mão sob a testa.

— O que foi? — Ismael perguntou, não entendendo a reação estranha.

— Minha cabeça tá doendo. Doendo muito. — Imediatamente o adolescente se lembrou que algo semelhante havia acontecido na primeira vez que ele utilizou os poderes. Uma forte enxaqueca que precedia um desmaio.

— Essa não. Vamos pro médico agora! — Vivian e Ana escutaram o desenrolar da conversa e logo vieram verificar o que estava acontecendo. A garota que passava mal sentiu suas forças desaparecendo e seus sentidos entrarem em desordem. De repente, tudo apagou.

Dessa vez, não houve sonho algum. Somente um confortável silêncio, que durou até que Gabrielle sentiu seu corpo novamente. Seus olhos se abriram ao passo que sua consciência retornava. A primeira coisa que surgiu em seu campo de visão foi o teto de cor branca do quarto onde estava.

Os raios de sol entravam pela abertura da cortina, iluminando o cômodo. Com certeza era um quarto de hospital. Com cuidado, ela levantou seu cobertor e se sentou. Um sorriso apareceu em seu rosto ao ver que ela não era a única que havia passado a noite ali.

— Tinha que ser você, Vivian. — A menina de cabelos anelados estava, sentada numa cadeira ao lado da cama, com a cabeça deitada sobre o edredom. Assim que escutou a voz a chamando pelo nome, ela se ergueu, quase sonâmbula.

— Hmm... Gabi? — A coitada mal pode dormir por conta de sua preocupação com a amiga. Depois de acordar por completo, ela trouxe o café da manhã para o quarto e se sentou ao lado de Gabrielle para colocar as informações em dia.

A garota deu entrada no hospital poucos minutos após desmaiar. Mesmo com os exames, os doutores não conseguiram descobrir o que havia acontecido e amostras de sangue para realizar um check up. Ela havia ficado desacordada por doze horas no total.

Vivian se voluntariou para tomar conta da colega, e passou a madrugada no local. Durante um de seus breves cochilos, ela teve visões estranhas, que foram semelhantes às que Gabrielle viu quando estava ferida, mas com detalhes diferentes. A mulher que apareceu nos sonhos da maga de fogo se parecia muito mais com ela própria do que com sua amiga.

— Em uma situação normal, mesmo com raiva, eu poderia manter a cabeça. É como se eu tivesse sido possuída por algo. O que você acha que pode ter acontecido? — A acamada perguntou a sua colega.

— Eu não sei. Mas isso confirma uma das suspeitas que do Merlin. Temos... algo em comum. Não é possível que nós quatro temos estes sonhos sempre ao mesmo tempo sem motivo. Eu tenho o pressentimento de que há um grande mistério por trás disso tudo, e essas mulheres que nós vimos são a nossa primeira pista. Temos que informar o professor a respeito disso e ver a opinião dele. — Ela respondeu, e a amiga concordou com a sugestão.

— Certo. E quanto a operação? Conseguimos fazer tudo? — Vivian assentiu e continuou a contar os detalhes restantes.

— Todos os alquimistas foram presos e aguardavam para as interrogações. Cumprimos a missão e fomos dispensados. Uma equipe com agentes de outros departamentos da Academia vão fazer as autópsias e cuidar das famílias das vítimas. — As mãos de Gabrielle se fecharam em punhos.

— Eu não estou satisfeita. Eu jurei para os meninos que iria trazer a irmã deles de volta. Como eu vou encarar eles agora? E os pais dela? — Vivian balançou a cabeça com um semblante de tristeza.

— Não é culpa nossa Gabi. Eu também queria que as coisas tivessem dado certo mas infelizmente, não é assim que o mundo funciona. Não dá pra salvar todo mundo. Com ou sem magia. Não vamos cumprir as expectativas das pessoas sempre. — Ao escutar aquilo, a jovem se arrependeu da promessa que havia feito. A esperança que ela havia dado aos pequeninos, sua família e a si mesma, já estava fadada a ser quebrada desde o início.

— Isso não é justo. Eu pelo menos posso visitar eles? Fazer alguma coisa? — Ela perguntou, com um pouco de desespero para achar alguma forma de compensar as vítimas.

— Os médicos devem pedir pra você ficar em casa de atestado para garantir que não há outros problemas com sua saúde. Além disso, você não fala espanhol. Se você quiser ir eu te ajudo a pagar a passagem, mas eu acho melhor deixar que o pessoal do Departamento Social da Academia cuide disso. — Gabrielle voltou a ficar em silêncio. Por mais que ela não quisesse ficar de braços cruzados, não havia muito que ela podia fazer naquele momento.

Mais tarde, a maga da água recebeu alta do hospital. Na volta para casa, já em um assento dentro do monotrilho, ela observou o céu nublado, ruminando sobre os eventos que haviam ocorrido. A indecisão se tornou em inação e eventualmente a jovem decidiu por abandonar a ideia da visita.


O remorso não iria desaparecer tão cedo de sua mente.

Os Celestiais do Apocalipse - Prólogo da DevastaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora