O incidente do tomate

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Meu primeiro encontro com Louis foi na verdade meu primeiro encontro com alguém, e eu nem sabia que seria um encontro. Era um dia normal, eu estava no ônibus e esperava ele subir, como sempre. Ele subiu e aquela imagem encheu meus olhos, minha mente, minha alma, tudo de mim. Nunca o vi tão bonito quanto naquele dia. Digo, normalmente ele não estava muito arrumado, pelo visto não ligava muito para essas besteiras, mas naquela terça ele estava diferente. 

Sentou ao meu lado como de costume mas sem fazer nenhuma piada, sem falar nenhuma besteira. Apenas sentou e riu. Eu o encarei e esperei que falasse algo, ele não disse. Eu também não soube o que dizer, então continuei calado. Depois de um tempo ele levantou e foi em direção a porta, ache estranho, ele nunca descia ali. "Lou, para onde vai hoje?", eu falei um pouco alto. "Veja você mesmo!", ele exclamou enquanto descia, "É bom correr ou o ônibus vai sair", completou. Corri e desci do ônibus, era a primeira vez que ficamos juntos fora de um ônibus.

- O que está fazendo? Você nunca desce por aqui... 

- Eu tenho um encontro.

- Um encontro?! E você me trouxe aqui por que? Droga, Lou...

- Tenho um encontro com você, Harry. 

Senti minhas bochechas pegando fogo, minhas pernas bambas e até minhas borboletas no estômago sentiram borboletas ao ouvir aquilo. O que eu quero dizer é que jamais imagnei que Louis fosse me convidar para sair, ainda mais assim. Claro, já havia algumas semanas que nos encontrávamos e conversávamos nossos abençoados mais-ou-menos-quinze-minutos. "Quero ter uma conversa decente com você", ele disse depois de alguns segundos de um silêncio massacrante. "Droga, eu estou um lixo hoje! Será que estou fedendo? Será que estou muito feio?", foi o que eu pensei, mas o que eu disse foi: "Claro, vamos."

- Bom... Nunca chegamos a falar sobre comida, o que é estranho, mas enfim, como nunca me falou do que gosta, vou te lavar a uma pizzaria. Digo, você gosta de coisas antigas e eu posso afirmar que existe pizza a um bom tempo, então... - Ele deu uma risada e depois continuou sorrindo. O sorriso era lindo, os lábios... Os olhos pequenos...

- Quem não gosta de pizza nesse mundo? Sinceramente, Louis, você é o gênio mais burro que eu conheço! 

- Já ouvi muito isso. - Continuou sorrindo.

Ele me levou nessa tal pizzaria, mas nem chegamos a comer lá. Foi lá que aconteceu o que gosto de chamar de "incidente do tomate". Nós sentamos e olhamos o cardápio só para passar o tempo enquanto conversávamos sobre tudo o que acabamos nunca falando nas outras vezes que nos vimos, no ônibus. Ele falou sobre a família, relacionamentos, amigos, e eu também. Mesmo não sendo tão parecidos ele fazia com que eu me sentisse confortável com quem eu sou. Me fazia sentir que não preciso mudar nada. Ele ainda me faz sentir isso. Eu pedi uma coca e o ouvi falando baixinho: "Coca não é coisa velha." Eu ri e respondi: "Nem tudo que eu gosto é velho. Por exemplo, eu gosto de você." - Ele corou. 

Mas voltando ao incidente: pedimos a pizza de mussarela porque eu gosto. Ok, tudo bem, mas a borda tinha molho de tomate. Louis derrubou em cima da calça, que por um infeliz acaso era branca. O que parecia? Exato. Pedimos para colocar a pizza em uma caixa e saímos correndo e rindo. Eu tirei meu casaco e dei para que ele colocasse em volta da cintura. "Coisa de garota", ele disse com raiva. "Você tem outra ideia, gênio?", eu digo com mais raiva ainda. Nos olhamos sérios e caímos na risada. Sério, como alguém pode ser assim? Mais desastrado do que eu, e olha que nem é alto, apesar de que nessa época ele era... 

- Eu tive uma ideia! - Ele gritou e apontou um dedo para cima.

- Lá vem...

- Vamos para a minha casa. 

- Sua casa? Não... - Fiquei nervoso e não soube disfarçar, tanto que ele percebeu.

- Espera... Não! Não na minha casa mesmo, eu quero dizer... O prédio. A gente pode ficar na cobertura. Podemos sentar lá e comer a pizza, conversar, e depois disso o senhor está liberado. 

Eu pensei por alguns segundos e concluí que não tinha nada a perder, muito pelo contrário. Ainda estava cedo, acabara de escurecer, as primeiras estrelas apareciam. Eu não demoraria muito e chegaria em casa cedo. Aceitei. Caminhamos por alguns quarteirões até chegar ao prédio no qual ele morava, não era tão longe. Subimos logo para a cobertura e sentamos no chão mesmo, comemos alguns pedaços de pizza enquanto ele falava sobre o trabalho dele em uma cafeteria, ele odiava mas isso o ajudava a pagar o apartamento. 

Logo depois que enjoamos da pizza eu olhei o relógio e percebi que estava ficando um pouco tarde, levantei e fiquei encarando Louis, mas ele deitou no chão."Lou, acho que deveria ir embora", eu disse colocando as mãos no bolso por estar sem jeito. "Oh... Tudo bem, mas me dê um abraço!", ele disse calmo, "Mas não vou levantar", completou. O que exatamente ele queria que eu fizesse? Respirei fundo e sentei ao seu lado, olhei para ele enquanto ele olhava o céu. Olhei tamém por alguns segundos. Respirei fundo mais uma vez e deitei ao seu lado. Ele virou para me olhar.

- Nunca pensei que conheceria alguém tão especial quanto você em um ônibus, Harry. - Ele disse baixinho, quase sussurrando, sua voz falhando de vez em quando. 

- Eu também não, Lou. - Desviei o olhar. 

- Olha aqui... - Ele puxou meu rosto para ele. 

- Sim? 

- Acha que beijos são antigos o bastante para você gostar? - Ele disse sorrindo.

- Bom, há muito tempo atrás os bei- Ele me beijou. Lento, profundo.

Era como estar em casa após um longo período fora. Era como finalmente alcançar o paraíso.. Meu pedaço de céu um pouco mais perto do céu, no alto de um prédio barato no meio de uma cidade barulhenta que naquele momento parece ter parado completamente para contemplar o nascimento de uma coisa muito maior do que todos os problemas, maior do que todas as dores e todos os riscos. O nascimento de um sentimento imortal.

Nota: Adoro esses momentos deles, mas andei pensando em pular logo para o final da história... ): 

The Lost BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora