O plano

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Sabe quando você simplesmente cansa de insistir? Sabe quando o mero pensamento da continuidade das coisas como estão quase te queima internamente? Sabe quando tudo o que você mais queria era ser outra pessoa, assim não estaria passando por isso? Pois bem, é como eu me sinto. E eu decidi que não vou mais me sentir assim, eu não posso. Não consigo mais viver preso, não consigo mais viver longe de tudo e todos — e principalmente, não consigo mais viver longe dele.
Passei um bom tempo planejando uma forma de sair do meu quarto no meio da noite, invadir a sala da minha médica e ler meus arquivos. Qual seria a melhor forma de saber como resolver meu problema, ou fingir resolver, senão saber exatamente o que se passa comigo? Até porque eu não faço a mínima ideia. Quero dizer, eu sei que surtei em algum momento e acabei parando aqui, mas em que isso me ajuda?
Uma coisa boa — a única em muito tempo, por sinal — é que aqueles pacientes que vem apresentando melhoras e bom comportamento podem circular livremente pelo hospital, eu me esforcei muito depois dos surtos fingidos que tive para parecer bem. E eu consegui. Mas "andar livremente" não significa que é o tempo todo, e de dia é impossível entrar na sala de quem quer que seja, estão todos olhando. Então eu preciso dar um jeito de sair de noite, que é o horário em que só os seguranças fazem a ronda. Não estão em todos os lugares o tempo todo, nem são muitos.
Lembro que um dia eu e Louis assistimos um daqueles filmes onde o personagem principal é mantido num quarto de hotel enquanto ouve todos os seus amigos sendo brutalmente assassinados e espera sua vez de morrer, eu fiquei tão traumatizado que ele precisou me ensinar como destrancar uma porta usando um clips de papel. Você pode achar que isso só funciona em filmes, mas vai por mim: realmente funciona. Foi assim que eu entrei em casa várias vezes por esquecer a chave e não querer acordá-lo.
Consegui o que precisava para destrancar a minha porta e a porta da sala dela, tudo isso bem cedo. Fingi que tomava meus remédios e deitei antes que apagassem as luzes dos corredores. Esse lugar começou a parecer uma prisão, mais do que nunca, de uns tempos para cá. Dias antes decorei os horários em que os seguranças passavam na frente dos quartos, mas infelizmente não tive como saber como funcionava nas salas dos médicos. Não há tempo para ser desperdiçado, isso era tudo o que eu tinha.
Então esperei o momento certo e destranquei a porta com o maior cuidado do mundo, sem fazer barulho, como tinha aprendido. Andei lentamente, descalço, pelos corredores escuros e frios daquele hospital. De noite aquele lugar conseguia me dar mais arrepios que os filmes de terror que fui obrigado a assistir com Louis todo final de semana no que ele gostava de chamar de "noite do terror com cerveja". Vi uma luz no final do corredor e tentei me esconder atrás de um jarro enorme, ninguém me viu. Adiantei o passo e cheguei na ala médica, um corredor longo, iluminado apenas pela luz da lua que entrava pelas grandes janelas de vidro.
"É aqui, é agora: minha chance de sair daqui sem decepcionar ninguém. Minha chance de encontrar Louis novamente.", pensei comigo mesmo enquanto destrancava a porta da sala. Consegui rápido, realmente tinha esquecido o quanto sou bom nisso. Andei pela sala e logo vi um pequeno arquivo onde estavam guardados em ordem alfabética as fichas dos pacienteis, inclusive a minha. Tudo o que eu me perguntei nesses últimos meses, tudo o que eu morri para saber, tudo está aqui. Procurei pelo meu nome e achei rapidamente, abri e comecei a ler. Meu coração parou.

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