por que os homofóbicos sangram?

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Não sou de exatas, nem de humanas ou biológicas, como Boss e Man acham. Eu sou é de desistência!

Rabiscando desenhos de naves espaciais no canto do meu caderno de trigonometria, fico contando os segundos para que aquela aula acabe. Não sou bom em desenhar, muito menos em ser paciente, mas agora estou testando essas duas habilidades ao mesmo tempo. E pelo visto, estou indo péssimo em ambas.

Já haviam se passado quase uma eternidade, e para você ter uma ideia, chegou no ponto de eu quase acreditar que o tempo tinha mesmo parado, como naqueles filmes de ficção científica horríveis. Mas bastou uma discreta olhada no relógio do meu celular para descartar essa opção. Parece que quando você está na escola, as horas correm de um jeito diferente. Veja só:

Quando acordamos com o despertador e fechamos os olhos por cinco segundos e abrimos de novo, se passaram meia hora. Ou ao maratonar três temporadas seguidas de Grey's Anatomy nem vemos que se foram mais de quatro horas (ou mais, se você for como eu e precisar se levantar de dez em dez minutos para buscar um lanche na cozinha).

Mas essa regra não funciona no colégio. Cada minuto dura uma hora, e cada hora dura vinte séculos. Uma vez, eu e Man criamos uma teoria que dentro de cada escola, no subsolo, existe um tipo de máquina que faz o tempo ir bem mais lento do que o normal. O que, se parar para pensar, até que chega a fazer um pouco de sentido. E nós dois ficamos três semanas procurando por essa tal máquina, e acabamos decepcionados quando não achamos nada interessante lá (exceto um ninho de aranhas, que era bizarro).

O sinal tocou, avisando que a penúltima aula havia acabado, e começando oficialmente a contagem regressiva para as nossas férias. Outra coisa que preciso mencionar é: por que a maioria dos sinais das escolas parecem uma sirene de caminhão de bombeiro ou de uma penitenciária?!

O sinal é meio tipo: pêeeeeeee.

O professor de educação física entrou na sala, carregando uma pasta com a chamada e outros papéis que eu nunca soube exatamente o que eram. E enquanto pensava sobre o que eles poderiam ser, senti algo atingir minha cabeça com força. Uma borracha. Meu sangue ferveu. E de repente me vi de pé, com os punhos cerrados, encarando Mil, que sorria cínico.

- será que dá para me deixarem em paz?- falei, desejando jogar ele e seus amigos idiotas pela primeira janela que eu visse pela frente.

- corre que o gay tá puto!- eles gritaram, outra vez caindo na gargalhada. A sala toda olhava para nós, e o professor estava parado sem interferir, esperando um dos dois lados passarem demais dos limites para poder intervir.

- e é melhor correrem mesmo! Babacas!- gritei com uma raiva que não sabia de onde tinha vindo, mas que de alguma maneira, me deu forças.

As risadas pararam, e pude escutar os outros alunos cochichando entre si, olhando para Mil e seu grupo, esperando que retrucassem, me xingassem ou fizessem qualquer coisa. Mas nada disso aconteceu. O que era ótimo, já que eu não saberia lidar com toda a humilhação diante de mais de vinte alunos e um adulto.

Voltei a me sentar, enquanto o professor começava a fazer a chamada, mas eu estava surpreso demais para conseguir prestar atenção no que acontecia ao meu redor. Eu estava feliz, por ter conseguido revidar e os chamar de babacas pela primeira vez. Entretanto também estava bravo pelo professor não ter interferido quando eles jogaram uma borracha e me insultaram.

Parece que não era só Mil e seus colegas os únicos homofóbicos por aqui.

Após todos responderem à chamada, descemos para o ginásio. Se é que isso é o correto para descrever como foi. Acho que a frase certa seria: e então saímos correndo feito retardados até o ginásio. Independente se você estiver no fundamental ou ensino médio, quando o assunto é educação física, a parte racional do nosso cérebro desaparece.


Em toda aula em que vamos para o ginásio, a sala se separa em três grupos, mais ou menos. O primeiro grupo é das meninas que ficam sentadas na arquibancada, fofocando com as amigas e atentas ao celular. O segundo é formado pelos antissociais que também dividem o espaço da arquibancada. E, bem, tem o terceiro grupo, que por sinal é o que eu estou: os meninos que ficam jogando futebol (e as vezes basquete).

Mesmo que eu não seja o garoto mais amado da turma, ainda assim participo, talvez só para que o time oposto não fique em desvantagem em número de jogadores. Essa é o único momento do dia que sou tratado, no mínimo, como normal pelos outros caras.

Fizemos a separação dos times e pegamos os coletes (que eram só dois pedaços de tecido azul costurado com elásticos nas laterais, nada muito elaborado). Apenas os membros do time de futebol oficial do colégio usavam uniformes de verdade e também tinha acesso aos vestiários, e não, eu não fazia parte disso tudo.

As meninas - as do primeiro grupo - desviaram a atenção de seus celulares e focaram em olhar os garotos jogarem, provavelmente sussurrando entre as colegas sobre qual deles era o mais gato, ou se perguntando se eles tinham ou não namorada.

O jogo finalmente começou, com o time azul com a posse da bola.

Ah, esqueci de mencionar que Mil tinha sido escalado para o time oposto, os que usavam colete laranja neon, que deixa ele ridículo vestindo aquilo (mas nunca que eu ia dizer isso em voz alta). Porém não consegui refletir em possíveis piadas para fazer com ele por muito tempo, já que agora eu estava com a posse da bola.

Corri o mais depressa que pude, sem precisar olhar para os lados para ter certeza que os outros garotos estavam atrás de mim. Na minha frente, a poucos metros, o gol era meu alvo.

- olha só, o viadinho está indo bem!- uma voz gritou logo à minha esquerda. Tentei ignorar.

- também né, quando se trata de bolas, ele é o especialista!- outra voz berrou, fazendo outra vez aquela corrente de adrenalina pulsar no meu sangue. Eu queria sumir.

Mas ainda continuei correndo, mas não para o gol. Eu tinha outro alvo agora.

Me virei, e com toda a força que achei possível ter, chutei a bola de futebol na direção dos amigo de Mil, atingindo um deles diretamente na cara. Gooool!

Gays: 1, Babacas: 0.

Ele caiu no chão, sendo acudido depressa por seus colegas, que logo perceberam que meu chute tinha sido suficiente para fazer o nariz dele sangrar. Não era nada grave fisicamente, mas o ego dele tinha sofrido um grande ferimento.

Mil me encarou com um olhar severo enquanto seu amigo era levado para um dos bancos para limpar o sangue, ele com certeza ia me moer de socos depois daquilo. Mas não fiquei preocupado. Com toda aquela energia e adrenalina correndo pelo meu corpo, eu me sentia indestrutível.

Voltamos ao jogo, dessa vez com o time laranja sem um de seus jogadores, mas isso não pareceu ser um problema para nenhum dos lados. Se eles se diziam ser tão bons assim, não iam se preocupar em nos vencer mesmo estando em desvantagem. E logo percebi que chutar a bola de futebol na cara deles era mil vezes mais divertido do que qualquer outra coisa no mundo.

A partida recomeçou, e eu me sentia muito mais animado do que das outras vezes.

Mas essa empolgação durou pouco. Pois logo Mil correu até mim, fingindo estar atrás da bola (que estava com um dos garotos do nosso time) e sem pensar duas vezes, ele me derrubou.

Em uma tentativa desesperada de amortecer a queda, me apoiei em meus braços, o que não deu nada certo. E tudo que veio a seguir foi a risada de Mil, minha derradeira humilhação e uma dor insuportável no braço.

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