Sempre fui bom em descobrir coisas.
Quando eu era pequeno, gostava de procurar pela casa os esconderijos onde meus pais guardavam os ovos de Páscoa de mim e do meu irmão. No Natal, conseguia descobrir mais ou menos qual era o meu presente, bastava só avaliar o peso, formato e o barulho que o pacote fazia ao ser chacoalhado. Claro, fazendo tudo isso com bastante cuidado para não acabar rasgando o embrulho.
O Natal era a minha época favorita do ano. Ceia, presentes e toda a família reunida em casa, os meus primos e eu ficávamos brincando no quintal, enquanto os adultos conversavam sobre, bem, coisas de adultos. Mas quanto mais eu ia crescendo e minhas suposições e medos começaram a se tornar cada vez mais reais, toda a magia dessa época foi desaparecendo aos poucos.
Agora, sentado na minha cama, com uma das mãos segurando o aviãozinho de papel, meu instinto de investigação voltava. Quem será que tinha enviado aquilo? E novamente me senti como sendo o verdadeiro Sherlock Holmes ao tentar desvendar aquele mistério.
A noite chegou depressa, o brilho prateado das estrelas era bem visível, já que quase não havia nenhuma nuvem no céu, deixando um anoitecer agradável.
Preparei uma lasanha de microondas, e comi na sala, assistindo a um filme de alienígenas que nem me lembro o nome direito, mas que tinha efeitos especiais ruins e o típico clichê onde os humanos vencem a batalha e expulsam os aliens no final. Será que, só uma vez, os extraterrestres poderiam vencer? O mundo já está uma bela porcaria, então não ia fazer muita diferença.
Quando o filme enfim terminou e a humanidade estava fora de perigo de uma guerra interplanetária (e a minha deliciosa lasanha de microondas já tinha sido devorada) era hora de fazer a video call prometida com Man e Boss. Peguei meu notebook e fechei a porta do quarto, o colocando em cima do travesseiro e preparando tudo.
Dizem que chamadas de vídeo são infalíveis caso você queira passar vergonha na frente dos colegas ou dos professores, caso seja um Ead, e sempre concordei com isso. Pelo menos até experimentar e ver que pode ser divertido se fizer a call com pessoas com o mesmo nível de idiotice que você.
- boa noite brother!- Man acenou pela webcam, e ao fundo vi o quarto da casa que tinham ido passar as férias, e estava uma bagunça!
- olá! Espera, cadê o Boss?- perguntei, curioso.
- boa pergunta...- ele franziu o cenho, se levantando e olhando em volta, logo percebendo que não tinha mais ninguém alí - Boss, cadê você inferno?! Você que quis fazer a call, e agora some?!
- grita um pouco mais alto que eu fico surdo!- dei risada, mas era verdade, o grito de Man era capaz de deixar qualquer ser vivo completamente surdo.
- desculpa aí, volto logo - Man falou e saiu do quarto rapidamente, e consegui ouvir barulhos estranhos vindo do corredor e do cômodo ao lado, e era impossível não se perguntar o que deveria estar acontecendo lá. Só espero que não seja o que estou pensando que é. Eca!
- olha só quem apareceu!- sorri, vendo Man literalmente arrastar Boss pela gola da camisa para dentro do quarto, enquanto ele se debatia e berrava coisas sem contexto.
- me solta! Nem morto que eu fico nesse lugar cheio de aranha!- Boss tentava se soltar e fugir, porém assim que Man trancou a porta e guardou a chave no bolso da bermuda, ele finalmente percebeu de era impossível escapar (a não ser que pulasse a janela).
- relaxa Wat, é que essa criatura aqui tem medo de aranha, e bastou ele ver só uma aranhazinha minúscula para acabar surtando!- Man teve que explicar, e tentei inutilmente conter a risada.
- minúscula, tem certeza? Ela era do tamanho de um prato!- Boss cruzou os braços, irritado.
- olha, falando desse jeito você deixa tudo ainda mais exagerado, ela não deve ser tão grande assim!- me intrometi, sabendo que ele adorava dramatizar tudo. Para Boss, um corte no joelho já era motivo de achar que ia ter que amputar a perna. É sério, isso aconteceu uma vez.
- é sério? Vocês dois vão mesmo ficar tirando com a minha cara?- ele ficou um pouco mais bravo, e eu fiquei ainda mais sorridente.
- agora mudando um pouco de assunto antes que "um certo alguém" exploda de raiva, como são as coisas por aí?- perguntei, até porque eu realmente queria saber como era o lugar, e por ter medo que Boss ficasse zangado conosco.
- é muito legal! A piscina tem uma água que parece petróleo de tão suja, mas tirando isso é uma maravilha - Man sorriu, arrumando o próprio cabelo com a ponta dos dedos - tenho quase certeza que algum bicho morreu dentro da piscina, é nojento só de imaginar!
- vamos trazer uma garrafa com a água suja para você jogar no Mil e nos amigos dele - Boss disse bastante empolgado, e sinceramente até que achei uma ideia boa.
- e por aí? Como estão as coisas?- Man encarou a webcam, querendo saber todos os detalhes das minhas tediosas e horríveis férias.
Mas, dessa vez, eu tinha algo para contar.
- vocês dois não vão acreditar!- me levantei da cama num pulo, procurando pelo quarto o papel que havia sido enviado para mim naquela mesma manhã. Peguei-o e mostrei para meus amigos, apontando especialmente para o desenho feito em caneta rosa - isso chegou hoje, pela janela.
- pela janela?- os dois me perguntaram quase ao mesmo tempo.
- exatamente, pode parecer até loucura, mas é verdade!- respondi mais empolgado do que o habitual, contando tudo o que havia acontecido com o máximo de detalhes que pude. E quando terminei, eles trocaram olhares perplexos, tentando descobrir se eu havia inventado aquela história toda.
- e de onde você acha que isso veio?- Boss quis saber. Pensei um pouco, e logo cheguei a uma conclusão relativamente boa.
- não deve ter sido de muito longe, já que um avião de papel não ia sobreviver a uma viagem longa e demorou poucos minutos para chegar - falei minha suposição, me sentindo um verdadeiro detetive ou agente do FBI - a minha suspeita é que, seja lá quem foi que enviou isso, deve ser da vizinhança.
- certo, Sherlock Holmes, e como você vai descobrir quem foi? Ou vai me dizer que tem o John Watson para te ajudar?- Man deu risada, sem dúvidas achando que era tudo mentira.
- eu vou descobrir, tenho certeza!- falei, mas no fundo eu não estava lá tão confiante assim.
A video call durou por quase meia hora e esse assunto logo foi esquecido por nós conforme íamos engajando outras coisas na conversa. Boss comentou todo cheio de orgulho sobre a garota que conheceu, e que por coincidência morava na casa vizinha e também estava de viagem, e nos contou sobre seus planos para tentar chamá-la para sair. E duvido muito que isso vá acontecer.
Depois tive a honra de assistir Man correndo atrás da aranha que havia reaparecido no quarto (e Boss tinha razão, era uma tarântula quase do tamanho de um prato!). Porém o melhor de todo esse show foi ver os dois gritando de medo quando a coitada da aranha subiu na perna de Boss, que quase desmaiou. Tenho certeza que a tarântula ficou traumatizada com o berro deles.
Quando a call finalmente terminou já passava das dez horas da noite e o sono começava a chegar. O incômodo no braço fraturado tinha amenizado consideravelmente e tudo que eu desejava era encerrar aquele dia com um merecido descanso.
Porém, antes de ir dormir, havia uma última tarefa que eu tinha que fazer.
Peguei uma folha em branco e uma caneta, escrevi um "Oi" meio torto e dobrei o papel com cuidado até ter um novo aviãozinho. Fui até a janela e afastei as cortinas, respirei fundo, sentindo o vento frio soprar contra meu rosto. E então eu o joguei e rapidamente voltei a fechar a janela, rezando para que minhas suspeitas estivessem corretas.
Eu tinha que descobrir quem tinha me respondido.
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Te Vejo Amanhã?
RomanceAs férias de julho eram carregadas de expectativa e planos, e desde o começo do ano letivo, Sarawat contava cada segundo para poder se ver livre dos professores, das aulas chatas e, principalmente, bem longe das piadas maldosas dos colegas de classe...