detetives de papel

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Fazia quase dez minutos que eu estava encarando o pedaço de papel dobrado em minhas mãos, e cujo havia encontrado no chão próximo da janela assim que acordei (precisei abri-la durante a madrugada para não acabar morrendo de calor naquele quarto abafado). Tinha acontecido outra vez. Alguém havia me respondido.

Desdobrei o aviãozinho com cuidado, vendo a mesma tinta rosa desenhada sobre o papel pautado e um pouco rasgado na borda. Uma curta frase era visível.

Oi! Qual o seu nome?

A letra era caprichosa, o que me fez ter vergonha da minha própria caligrafia, que se parecia mais uma mistura de tailandês, runas nórdicas e Kanji japonês. Mas no meio da minha divagação sobre o quão horrível era a minha letra, notei que outra pista tinha surgido sem ao menos perceber. O papel que havia sido enviado era parecido com uma folha de caderno escolar.

A parte rasgada na lateral provavelmente deveria ser a rebarba que tinha sido arrancada, e o estilo da folha era semelhante com o padrão feito nos cadernos que o ensino médio costumava receber todos os anos. Ou seja, agora eu sabia que esse alguém era um estudante e que talvez tivesse a mesma idade que tenho.

E eu acho que estou assistindo seriados de investigação policial demais!

Será que eu deveria responder? Bem, o que poderia dar de errado? Não era como se um bando de criminosos fossem me sequestrar e me levar para a Polônia, ou ser abduzido por alienígenas disfarçados de humanos! Ainda meio receoso de dar a informação sobre meu nome para um total desconhecido, peguei uma folha em branco e escrevi com a letra mais bonitinha que consegui.

Me chamo Sarawat.

Dobrei o papel até formar um novo aviãozinho, fui até a janela e o joguei. Sem muita esperança de que aquilo fosse acontecer uma terceira vez. Era impossível, não era?

Guardei o papel em meio a bagunça das prateleiras abarrotadas de livros e fui procurar por um café da manhã decente. Nunca fui muito bom no quesito cozinhar, mas quando se acaba morando sozinho, você descobre que existe mais de mil e uma refeições que se pode criar com macarrão instantâneo, ovo de galinha e sobras de comida chinesa de delivery. É sério, são muitas!

Peguei uma caneca do armário (que tinha o desenho de um violão) que meu irmão mais novo havia me dado de presente de aniversário no ano passado, enchi com leite gelado e um pouco do café preparado no dia anterior e bebi. Estava sem açúcar e incrivelmente ruim, mas era o que tinha para hoje. Procurei por um pacote de biscoito na despensa e me sentei no sofá.

Acontece que, surpreendentemente, a vida real não é nada do que os outros falam que é pra você. Não era para mim estar vivendo nesse apartamento aos dezessete anos, mas era mil vezes melhor do que passar mais um minuto na casa dos meus pais. Parei de pensar no meu futuro a quase um ano e meio atrás, e a faculdade era como um sonho distante.

Terminei de comer todo o pacote de biscoito e decidi que já era a hora de atualizar minha lista de séries na Netflix. Peguei o notebook e me concentrei na árdua missão ter que de escolher entre The Umbrella Academy e BoJack Horseman para maratonar nos próximos dias.

Estava quase desistindo e adicionando ambos na lista de assistir mais tarde quando sinto meu celular vibrar no bolso da calça.

Era uma chamada de vídeo dos meus amigos.

- bom dia!- Man acenou pela câmera, e pelo que pude ver ele também havia acabado de acordar.

- já destruíram a casa?- perguntei, sorrindo.

- ainda não, mas tivemos e interditar o quarto ontem por causa do incidente com a aranha - ele respondeu, mostrando a porta do quarto fechada e provavelmente trancada.

- a culpa foi sua! Pra começo de conversa!- Boss chegou de repente, carregando duas sacolas plásticas de supermercado que pareciam estar bem pesadas - se você tivesse me escutado quando falei que a aranha era enorme, nada disso teria acontecido!

- e como espera que eu fosse te ouvir? Até o Wat sabe que você exagera em tudo!- era um bom argumento, tinha que admitir.

- é só eu ficar um dia longe que vocês dois fazem um caos no mundo, não é?!- dei risada, apoiando o braço engessado sobre uma das almofadas, sentindo ele incomodar um pouco. Acho que nunca vou me acostumar com esse treco.

- deixa de enrolação! Eu sei que está morrendo de saudades de nós!- Boss voltou a aparecer, após levar as sacolas até a cozinha.

- falando nisso, como vai sua investigação?- Man perguntou, trocando olhares cúmplices com Boss, enquanto compartilhavam risadas baixinhas. Revirei os olhos.

- está indo muito bem! Já tenho algumas pistas importantes e tenho certeza que logo vou descobrir quem está...- comecei a falar, mas fui interrompido antes de que pudesse terminar.

Pois nesse exato momento, bem na minha frente, outro aviãozinho havia acabado de entrar voando pela janela da sala, aterrissando sobre o tapete felpudo. Aconteceu outra vez. E agora posso dizer sem mais dúvidas que isso não era uma simples coincidência.

Me levantei depressa, sentindo aquela típica tontura que temos quando ficamos de pé rápido demais. Peguei o aviãozinho e o mostrei para meus amigos pela câmera do celular. E como era de se esperar, eles ficaram surpresos e bastante curiosos. Um silêncio esquisito se estendeu entre nós, daquele tipo de silêncio que se forma nos seriados de detetive quando uma outra vítima aparece e se descobre que o principal suspeito era, na verdade, inocente.

Com um pouco de dificuldade, desdobrei o papel e a mesma caligrafia e tinta rosa estavam lá, do mesmo jeito de antes. Mas dessa vez a frase escrita era um pouquinho maior.

- tenho que desligar...- murmurei, e no mesmo instante encerrei a chamada de vídeo sem ao menos esperar pela resposta dos meus amigos.

Fiquei relendo a frase duas ou três vezes, sem acreditar naquilo. Minhas mãos estavam tremendo, e larguei o celular em algum canto em meio das almofadas. No papel pautado, estava escrito:

Olhe pela janela do seu quarto.

Te Vejo Amanhã?Onde histórias criam vida. Descubra agora