Eu poderia não ter ido até aquela janela. Poderia ter simplesmente ignorado o bilhete e esquecido que aquilo havia acontecido. Diria aos meus amigos que jamais encontraria quem estava enviando os aviões e tudo provavelmente seguiria seu rumo.Mas não foi isso que fiz.
Fui até a janela da sala, sem muita expectativa de encontrar alguém. Deveria ser só uma brincadeira ou uma pegadinha sem graça, e que sem dúvidas essa pessoa deveria estar adorando me fazer de trouxa. Porém realmente havia alguém ali, do outro lado, me esperando com um sorriso que nunca mais eu iria conseguir esquecer.
Um garoto estava debruçado sobre a janela do prédio vizinho (que era separado do meu por uma distância não muito maior do que poucos metros). Ele sorria gentil para mim, apesar de minha cara estar assustadoramente espantada. Nunca tinha o visto antes, e mesmo que tivesse, seria bem difícil não lembrar. Não consigo descrevê-lo exatamente, todas as palavras parecem não ser suficientes para dizer o quê meu coração sentiu quando nossos olhares se encontraram.
Já ouvi falar de amor à primeira vista e acho isso a coisa mais imbecil do mundo. Acreditar que podemos nos apaixonar apenas ao olhar para uma pessoa ainda é algo que não entendo. Mas, então, qual outra explicação posso dar para esse estranho formigamento nas mãos e a sensação de que meu coração pode explodir a qualquer momento?
- então é você que anda jogando aviões de papel pela janela do meu quarto?- ele perguntou, num tom irônico, sem deixar de sorrir.
- só se for você que estava respondendo cada um deles esse tempo todo!- acusei, mesmo sabendo que com certeza era ele. Ninguém precisava ser um agente do FBI para saber disso.
- e quem mais poderia ser?- ele riu.
- não sei, poderia ser qualquer um!- dei de ombros, tentando pensar numa resposta um pouco mais interessante - poderiam ser alienígenas!
- alienígenas? Isso não faz sentido!- provocou, parecendo ficar bem curioso - pelo que eu sei, aliens abduzem vacas, e não aviões de papel!
- e se fosse uma nova raça de aliens? Que vagam o planeta abduzindo aviões de papel para descobrir os segredos da humanidade?- criei uma teoria na minha imaginação, uma que achei ser até que bem legalzinha.
- então nesse caso eu provavelmente seria um alienígena disfarçado de humano, planejando te sequestrar e te torturar até aceitar trabalhar para mim como espião - ele cruzou os braços, entrando na minha teoria improvisada.
- certo, vamos fingir que é assim - também dei risada, gostando dessa nova brincadeira - posso saber seu nome, senhor extraterrestre?
- ah sim, claro! Até esqueci de me apresentar! Me chamo Tine Teepakorn - disse meio tímido, e fiquei feliz por agora ter um nome para associar ao garoto que escolheu brincar de alienígena comigo - mas se vamos mesmo continuar com esse jogo, temos que ter novos nomes!
- combinado então, e qual nome você vai querer ter? - perguntei, começando a ficar irritado com essa porcaria de gesso no meu braço. Sério, essa coisa tinha que incomodar tanto?!
- Saturno!- Tine respondeu, com um sorriso que fazia parecer que tinha acabado de fazer a maior descoberta do século, ficando bem mais animado do que eu achei que ficaria.
- bem, então eu serei Marte - falei depressa.
- e como essa brincadeira funciona?- Tine quis saber, puxando as mangas da blusa que usava, deixando-as na altura dos cotovelos.
Eu ainda não havia parado para pensar nisso, na verdade. Minha criatividade tem vontade própria às vezes, vem e vai quando quer, o que dependendo da situação é bem ruim. Posso ficar o dia inteiro tentando ter uma idéia (seja ela para uma música, trabalho escolar ou qualquer coisa) mas não aparece absolutamente nada. Mas basta eu deitar na cama para ir dormir e, Bum! As ideias surgem.
- pra ser sincero, eu não faço a mínima ideia - dei uma risada sem-graça.
- para sua sorte, eu tenho uma sugestão. Não é lá muito boa, já vou logo avisando!- Tine parou, pensou mais um pouco e falou - vamos fingir que eu sou um alienígena que acabou de chegar na Terra e não sabe absolutamente nada sobre os humanos, e sua função é me mostrar toda a cidade.
- espera um pouquinho, me deixe adivinhar, você não mora por aqui, não é?- deduzi, e esse palpite fazia total sentido. Nunca o vi antes, e seu jeito alegre não parece ser de quem vive nessa cidade.
- olha só, até que você é bem espertinho!- ele estreitou os olhos e arqueou as sobrancelhas, me analisando - mas sim, acertou. Agora adivinha de onde eu vim...
- dá uma dica - pedi.
- ok, fica na Europa - Tine sorriu.
- não vale! Tem um monte de países na Europa!
- tudo bem, então... as pessoas de lá são muito educadas e gentis - ele deu outra dica.
- França?- chutei, mesmo sabendo que com certeza era a resposta errada. Meu talento como detetive tinha evaporado completamente.
- errado, mas vou te dar outra chance - Tine riu, curvando a cabeça um pouco mais para a direita, pensativo - os The Rolling Stones se formaram lá.
- Inglaterra!- gritei, sabendo que dessa vez eu tinha acertado. Como sendo um grande fã de rock, era impossível errar essa dica - espera, você veio da Inglaterra?!
- tecnicamente sim, eu vim, mas essa é uma longa história - Tine comentou, conseguindo me fazer ficar ainda mais intrigado.
Ouvi um barulho razoavelmente alto vindo do quarto dele, parecendo o som de alguém falando alto ao telefone, e notei que era uma voz feminina. Tine olhou para trás, e consegui vê-lo ir até a porta, a abrir e dizer alguma coisa para seja lá quem estivesse junto com ele naquele apartamento.
- tenho que ir com minha mãe até o mercado, ela detesta que eu fique sozinho em casa - Tine falou, voltando até a janela, com uma expressão meio desapontada. Achei estranho que ele não pudesse ficar sozinho na própria casa, afinal, quantos anos ele tinha? Dezessete, talvez, Tine não parecia ser mais velho do que eu, mas também tinha a aparência de ter mais de uns quinze anos.
- tudo bem, sem problemas - respondi sem me preocupar em parecer um pouco chateado. Mas antes que ele pudesse ir embora, eu o chamei - ei Saturno!
- o que foi, Marte?- ele sorriu.
- te vejo amanhã?
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Te Vejo Amanhã?
RomanceAs férias de julho eram carregadas de expectativa e planos, e desde o começo do ano letivo, Sarawat contava cada segundo para poder se ver livre dos professores, das aulas chatas e, principalmente, bem longe das piadas maldosas dos colegas de classe...