Nunca mais peço conselhos para meus amigos.
Já faz pouco mais de meia hora que estou sendo obrigado a ouvir Man e Boss me dando uma aula sobre confiança e autoestima, após eu somente pedir ideias de lugares legais na cidade para poder levar Tine para conhecer. Eu só queria uma mísera dica, e eles transformaram isso em um coaching motivacional horrível.
Observo os dois pela webcam do notebook, sem fazer muita questão de prestar atenção na conversa super interessante e divertida. Sim, isso foi uma piada, caso tenha dúvidas. Jazz está deitado no meu colo, dormindo e espalhando pêlos e um verdadeiro exército de pulgas por toda minha roupa. Uma xícara está apoiada ao lado do computador, usando um post-it como porta copos, cheia pela metade de café forte misturado com umas oito colheres de açúcar (e um pouco de energético de guaraná diet sem gelo). Esse é meu elixir secreto para conseguir sobreviver o dia todo acordado.
Mas mesmo que eu esteja com vontade de mandar Man e Boss pararem de dar uma de psiquiatra, até que foi bem legal ver a cara deles ao contar que meu plano havia dado certo e, por incrível que pareça, consegui descobrir quem estava enviando aqueles aviões de papel pela minha janela. E agora com meus melhores amigos sabendo da existência de Tine, não sei se fico aliviado ou morrendo de medo.
Digamos que, por mais que você ame e confie em seus amigos, tem certas coisas que eles não sabem fazer muito bem. Por exemplo, Boss não consegue ouvir uma novidade (seja lá qual for) sem ficar me enchendo de perguntas. E Man faz de tudo para saber todos os detalhes dessa pessoa, procurando no Facebook, Instagram e se possível até no FBI, o que ele com certeza já fez nesse meio tempo.
Será que é pedir muito ter amigos normais?!
— certo, aqui diz que ele voltou recentemente de viagem da Inglaterra, morando em Londres por uns três anos e meio — Man deu uma boa olhada no histórico de publicações de Tine no Twitter.
— será que ele é um serial killer?— Boss perguntou cruzando os braços, trocando olhares curiosos com Man — ele poderia ter voltado para cá se a polícia de Londres estivesse desconfiando dele, ou talvez para afastar as suspeitas.
— acho que não, mas com certeza temos que ficar atentos com essa cara!— Man respondeu firme, e tive que me conter para não revirar os olhos ou dizer que provavelmente é mais fácil eles dois serem presos por invasão de privacidade.
— pelo amor de Deus! Eu já disse que ele é legal, e se ele fosse mesmo perigoso eu saberia!— peguei a xícara e terminei de beber o conteúdo, fazendo uma careta de nojo ao notar que o café já havia ficado frio, se transformando num tipo de lodo marrom grudento com cheiro de guaraná.
— antes você dizia a mesma coisa com Mil! E olha só onde isso foi parar!— Boss retrucou.
— admito que errei daquela vez, mas não pretendo errar novamente!— me defendi, começando a ficar irritado, como sempre costumava ficar quando eles insistiam em tocar naquele assunto — Tine é uma boa pessoa, tenho certeza absoluta!
— eu acredito em você, Wat, de verdade — Man se intrometeu, parecendo estar mais sério do que antes — mas se aquilo acontecer de novo, não vamos poder te defender.
— não preciso que ninguém me defenda — falei rapidamente, finalizando a chamada de vídeo sem nem esperar para ouvir o que eles tinham a dizer. Provavelmente iam dar mais uma aula sobre como sou péssimo em cuidar de mim mesmo.
Respirei fundo, sentindo meu corpo tremer e o coração ficar acelerado aos poucos. Odeio quando isso acontece. Odeio quando eles falam sobre o Mil. E odeio mais ainda quando não confiam em mim. Posso não ser a melhor pessoa em tomar as decisões, mas sempre acreditei e confiei neles, então, por que não podem fazer a mesma coisa por mim?
Man e Boss podem ser superprotetores às vezes, e em certa parte entendo que estejam com medo de que outra coisa ruim aconteça comigo, mas não consigo deixar de ficar irritado. Eu não sou mais uma criança. Sei me virar sozinho na maior parte do tempo, e faço isso muito bem.
Me levanto da cadeira, pegando Jazz no colo, o que acaba o acordando. Ele morde minha mão, bravo por ter sido despertado de seu cochilo felino, mas logo volta a dormir quase que instantaneamente assim que o coloco sobre uma das almofadas do sofá. Esse gato tem um nível de preguiça incrível. E como há muita coisa para fazer, vou até a janela, me debruço sobre a borda e vejo a janela do quarto de Tine. Está fechada. Talvez tenha saído, ou deva estar ocupado, ou simplesmente dormindo porque, infelizmente, ainda é nove e vinte da manhã.
A insônia me deixou acordado por toda madrugada, rabisquei meus pensamentos por folhas de caderno e post-its, agora colados por todas as paredes do meu quarto, e alguns até no teto. Minha cabeça está confusa. As possibilidades de tudo dar errado simplesmente surgem na minha imaginação, o medo de tudo ir por água abaixo me mantém preso num loop infinito de medo.
— Wat?— a voz de Tine me fez retornar ao mundo real. Ele me encarava com o mesmo sorriso, o cabelo bagunçado e uma expressão meio sonolenta indicavam que havia acabado de levantar.
— bom dia, Bela Adormecida!— dei risada, ficando feliz imediatamente, esquecendo a conversa com meus amigos e todos os problemas num passe de mágica.
— e qual foi o milagre que te fez acordar cedo hoje, hein?— ele bocejou, coçando os olhos com uma das mãos.
— na verdade ainda nem fui dormir — respondi orgulhoso, como se eu não tivesse deixado claro que sou, na verdade, um completo irresponsável.
— certo, vamos fingir que você não virou a noite acordado feito um morcego, agora, mudando um pouco de assunto...— Tine fez uma pausa, me observando com bastante expectativa, me fazendo ficar um pouquinho tenso — algum plano para hoje?
— se você considera que ficar as próximas duas horas assistindo série não seja um plano, não, vou ficar sem fazer nada o dia todo — sorri sarcástico, nem ligando muito para a porcaria do gesso, que voltou a incomodar. Acho que estou começando a me acostumar com isso.
— então, nesse caso, o que acha de sair desse apartamento e passear comigo?— ele cruzou os braços, curvando a cabeça levemente para a direita e franzindo os lábios, como se soubesse que eu estava planejando em o convidar antes.
— e por que eu deveria confiar numa pessoa que mal conheço?— decidi me fazer de difícil.
— a não ser que queira ficar mofando sozinho nesse seu quarto pelos próximos dias, sugiro que venha comigo!— ele respondeu, confiante — mas se não quiser vir, tudo bem.
— ok, te vejo na esquina em dez minutos!— resolvi aceitar. Nem morto que recusaria esse convite.
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Te Vejo Amanhã?
RomanceAs férias de julho eram carregadas de expectativa e planos, e desde o começo do ano letivo, Sarawat contava cada segundo para poder se ver livre dos professores, das aulas chatas e, principalmente, bem longe das piadas maldosas dos colegas de classe...