conversas de vinil

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Sinceramente não gosto de sair muito de casa. Exceto se o assunto envolver ir na lanchonete, dar uma passada na casa dos meus amigos ou comprar algo na loja de instrumentos daqui do bairro. Mas o quesito de sair com um quase total desconhecido nunca passou pela minha cabeça.

Gosto de dizer que sou mestre em conseguir criar qualquer desculpa para desmarcar compromissos, seja lá qual for. As desculpas variam entre as mais simples como: estou estudando, para até as mais bem elaboradas e duvidosas: o cachorro do meu primo de terceiro grau morreu. Inventar pretextos para poder ficar sossegado em casa sempre foi bem fácil, mas quando Tine me convidou para sair hoje cedo, meu repertório de desculpas evaporou totalmente.

Agora estou lutando para terminar de amarrar os cadarços do tênis (algo em que nunca fui muito bom em fazer, o que pode parecer meio idiota, mas é verdade). Me vejo no espelho do banheiro, e meu reflexo parece me julgar enquanto o observo fixamente, sem ao menos conseguir sorrir. Minha autoestima tem dias ruins e dias razoáveis, mas nunca dias bons o suficiente para deixar com que meu eu do espelho se sinta bonito.

Saio do apartamento depois de verificar se todas as janelas estão fechadas e que Jazz está dormindo tranquilo em seu canto no sofá. Pego o elevador e rezo para que nenhum outro morador do prédio apareça, o elevador não é muito grande, e se três pessoas ocuparem o espaço ao mesmo tempo vão acabar se esbarrando sem querer. Funciona como uma verdadeira lata de sardinha! E é exatamente por isso que na maioria das vezes prefiro pegar as escadarias (exceto se estiver carregando as sacolas do mercado com as compras do mês).

A luz do Sol tocou minha pele, senti o vento passar por mim e agitar meus cabelos, as poucas nuvens cobriam o céu azul pálido. Era um dia agradável, um pela qual eu aproveitaria cada segundo se pudesse. Caminhei reto pela calçada, indo até o nosso "ponto de encontro". Estava nervoso, com as mãos úmidas de um suor frio, as pernas falhavam a cada passo que dava e meu coração aceleração conforme eu ficava mais perto da esquina.

Ele estava lá.

Tine estava de costas para mim, apoiado em um poste de luz, o amarelo de sua blusa o destacando em meio a paisagem. Me aproximei depressa, sendo tomado por uma animação inexplicável.

— hey, Saturno!— o chamei, sorrindo.

Ele se virou, me encarando. Com certeza era Tine alí, mas não do jeito que eu esperava estar. Seu rosto estava coberto do nariz para baixo por uma máscara hospitalar descartável, o que já era bem estranho. A pele dele era pálida, como se nunca houvesse visto o Sol na vida. Minha cabeça estava lotada de perguntas, e sem dúvidas minha expressão devia estar bem chocada, porém Tine pareceu não se incomodar.

— dois minutos atrasado, Marte — ele falou rindo, olhando as horas rapidamente no celular, e o guardando no bolso da calça.

— mas e se talvez o seu relógio esteja com esses dois minutos adiantado?— retruquei arqueando uma das sobrancelhas, sem conseguir deixar de o observar.

— ou você está querendo por a culpa no coitado do relógio, que nem tem nada à ver!— Tine insistiu, cruzando os braços, me olhando de um jeito bem acusador.

— droga, descobriram meu plano!— ergui os braços como se estivesse me rendendo, soltando uma risada fraca. Começamos a andar, apesar de eu não saber exatamente para onde estávamos indo, o segui mesmo assim.

— você não vai me perguntar para onde estamos indo?— ele comentou, irônico.

— não sei, quer que eu pergunte?— respondi.

— você é sempre assim?— Tine olhava fixamente para mim de soslaio, e mesmo estando de máscara, tive mil por cento de certeza de que ele estava sorrindo — responde às perguntas dos outros com outras perguntas?

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