Noite Estrelada

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Para você que me causa tantos suspiros na humilde tentativa de devolver-te alguns...

Rafaella

Maria Manoella havia sido enfática.

— Não saia hoje. Há previsão de tempestade e a rodovia é tipo de lugar que já me contaram histórias assustadoras — Mas eu pacientemente decidi ignorar. Era o que precisava ser feito, do contrário acabaria perdendo a oportunidade de passar o aniversário da minha melhor amiga em sua companhia e isso, em minha opinião, era bem mais condenável do que pegar uma chuva na estrada.

Eu havia prometido. E como mulher de palavra a cumpriria com louvor estando amanhã de manhã junto a ela e sua família em Santos.

Assim, com a chave do meu Audi branco girando entre meus dedos tomei a alça da mala depois de sair do hotel na capital carioca para rumar até São Paulo.

De início, nenhum dos temores de Manoela pareciam sequer próximos de se justificarem.

No fim foi só um excesso de precaução descabido.

Afirmei para mim mesma ligando o som do carro para que uma música suave me fizesse companhia enquanto o sol se punha no horizonte.

O encontro do laranja com rosa e azul explodia em pinceladas intensas e cheias de personalidade. Cada gota de céu por onde parecia ter deslizado o pincel de deuses superiores tornava o ápice do dia e a gênese da noite um encontro que facilmente poderia ter sido expressado por Vicente Van Gogh.

E desde ali, se eu fosse mais sensível ao subjetivo, poderia ter constatado que o escuro que se aproximava traria para mim muito mais desafios para além do real.

A chuva anunciada por Manu não demorou a colidir com o teto do meu carro. Isso ocorreu no momento seguinte em que o resquício do sol é engolido pela lua dando lugar finalmente a um segredo que pouco a pouco começaria a se revelar na estrada por onde meu Audi percorria.

Não deve ser sério.

Me tranquilizei adentrando uma das partes mais bonitas da rodovia Rio Santos. Apesar de uma curva perigosa, do alto daquele lugar eu podia perceber de soslaio as ondas quebrando na praia me sussurrando com suavidade que havia uma beleza brava que nem sempre seria explicável ou que adiviria do normal.

Era o meu segundo aviso. E, se eu tivesse interpretado como um, saberia o que acontecesse quando se ignora até o terceiro.

Seguindo até quase tragar a última curva eu não me permiti exatamente me deliciar da minha última música ou sensação, sendo errante em entender que nem todo o chamamento será agressivo.

Não, não. As vezes ele é doce. É doce como o sopro de um anjo acalentando a bochecha mesmo quando a chuva ganhando corpo lá fora deveria ter tornado tudo frio.

Foi como ser beijada até depois do natural. Minha pele formigou entre a maçã e a mandíbula e toquei a pele por segundos. Os exatos que custaram a minha total atenção na estrada.

O choque da sensação com o concreto foi o primeiro que me atingiu, como um decair até mais alto do que meu carro até abaixo daquele pequeno precipício.

Me senti enganada, rolando por dentro do meu Audi enquanto o veículo parecia ser atraído pelo mar que ficava ainda mais agressivo com o adendo da chuva que agora se tornava tempestade.

Era o encontro de dois alfas. Duas sólidas estruturas se agredindo sem ceder espaço uma para outra. Dois elementos que além das inúmeras diferenças tinham a inexplicável capacidade de serem igualmente avassaladores.

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