Capítulo 15 (pov Flynn)

2K 269 303
                                    

Pov Flynn

Quando chego em casa depois do trabalho vou direto para meu quarto, tranco a porta e me concentro nas telas que eu precisava fazer para o curso de pintura antes que meus pais chegassem e eu tivesse que esconder tudo, fingir que não estava fazendo nada e descer para jantar.

Minha mãe é advogada de uma empresa importante e meu pai um cardiologista de sucesso, eles fazem planos e guardam dinheiro para pagar minha faculdade de medicina praticamente desde quando eu nasci, mas na verdade o que eu amo fazer é pintar, desenhar, bordar e qualquer outra coisa que esteja envolvida com artes manuais.

Eles cortaram minha mesada quando descobriram que eu estava fazendo o curso de artes plásticas ao invés do curso pré-vestibular para medicina, foi aí que eu comecei a trabalhar na lanchonete, para conseguir uma grana e continuar pagando minhas aulas.

O fato deles acharem arte uma bobagem e que eu não posso sobreviver disso e consequentemente não me apoiarem em nada me deixa super triste. Eu sempre vejo o tio Ray ajudando a Julie em tudo que ela faz e os pais do Willie incentivando-o a seguir seus sonhos, já eu não posso contar com a presença dos meus pais nas feiras e exposições de artes que eu participo e preciso fazer tudo escondido.

Enquanto estava terminando uma das pinturas vejo meu celular apitar com uma notificação e eu vou ver o que era, talvez fosse Julie falando algo importante.

Quando desbloqueio o aparelho vejo que era uma mensagem de Reggie no meu Instagram, acho meio estranho, mas abro o aplicativo. Ele estava elogiando meu feed e minhas artes de um jeito super fofo então eu respondo animada. A partir daí começamos a conversar, ele me conta que também desenha e me manda algumas fotos de seus trabalhos, na verdade as fotos eram dele com os seus trabalhos, ele sempre estava rindo ou fazendo alguma gracinha com os quadros e nas fotos dos desenhos digitais ele escrevia piadinhas nas legendas.

Passamos muito tempo conversando e eu nem sequer noto o tempo passar, só me dou conta que estávamos conversando por horas quando minha mãe começa a bater na porta me chamando para o jantar.

Escondo todos os materiais de arte debaixo da cama e me certifico que esteja tudo limpo, em seguida desço para a sala de jantar onde meu pai já estava sentado à mesa e minha mãe tirando um refratário com alguma comida congelada do forno.

Meu pai tinha plantões malucos, então era surpreendente que ele esteja em casa para o jantar e não abrindo o peito de algum paciente em uma sala de cirurgia no hospital particular onde trabalha.

- Boa noite Flynn. - Ele me cumprimenta em seu tom de voz habitual.

- Boa noite pai. - Eu respondo educadamente e me sento no mesmo lugar de sempre.

Nos preparamos para comer e iniciamos a refeição em silêncio, uns cinco minutos se passam até que minha mãe começa a falar.

- Como vão os estudos? Os vestibulares estão quase chegando. - Ela diz olhando para seu prato e seu tom de voz era calmo e firme, ela realmente parecia esperançosa que eu fosse "criar juízo" e que não jogasse meu futuro no lixo, como eles gostam de falar.

- Vão bem, minhas notas continuam muito boas, estou conciliando bem o colégio com o trabalho e o curso de artes plásticas. - Eu respondo com um tom de voz neutro e corto um pedaço da minha lasanha de quatro queijos.

Meu pai fica visivelmente irritado, pois larga os talheres no prato e cruza suas mãos em frente ao queixo, esse era um gesto típico de quando está zangado.

- Flynn, nós só pedimos uma coisa para você. Entendo completamente que você está na adolescência e que essa é a fase da rebeldia, mas também é a fase em que você precisa tomar um rumo e pensar em seu futuro. Filha, nós só queremos seu bem e o melhor para você é a faculdade de medicina, você sabe muito bem disso.

- Pai... - Eu começo a falar, mas ele me interrompe.

- Você não tem a menor ideia, não é? Não tem ideia do que é passar fome. – Agora era perceptível que ele estava muito irritado. – Você não sabe o que é isso porque nós não deixamos nada faltar a você.

- Nathaniel... - Minha mãe o interrompe.

- Não Diana! Ela precisa ver que a vida não é esse conto de fadas que ela pensa! - Meu pai eleva um pouco seu tom de voz. - Filha, nós sabemos o que estamos falando, nós vivemos coisas horríveis, você acha que foi fácil para seus avós serem imigrantes africanos? Você pensa que eles se mudaram para cá e tudo ficou bem? Não Flynn! Nós crescemos na periferia, em condições degradantes, em lugares perigosos, ninguém gostaria de passar por aquilo. Nós batalhamos! Lutamos muito para provarmos que os negros também podem estar em uma universidade, que não é o nosso destino sermos apenas criminosos, que podemos ocupar lugares importantes, nós passamos por tantas coisas... Até hoje eu passo por situações desagradáveis, não é fácil receber olhares atravessados e a todo momento ter que provar ser competente para pacientes que não acreditam que sou digno para operar seus corações, só porque sou negro!. - Ele passa a mão pelos cabelos. - Olha para mim, tenho uma carreira consolidada, vários prêmios e livros publicados, consigo te dar uma vida confortável, todo o luxo que quiser e mesmo assim, mesmo tendo vencido na vida ainda passo por esse tipo de situação. Imagina você, sendo negra e vivendo da sua arte, imagina como as pessoas vão te tratar, você acha que vão ser gentis com você e aplaudi-la de pé igual fazem com Da Vinci e Van Gogh? Eu sinto muito, mas essa infelizmente não é nossa realidade. Eu só não quero que você se frustre, nem que morra de fome. - Eu noto que ele tinha lágrimas em seus olhos. - Você realmente tem talento filha, eu reconheço que tudo o que faz você é lindo, mas isso precisa ser apenas um hobby, é necessário que você faça algo que possa te sustentar, porque o mundo é hostil e injusto com a nossa gente. – Ele respira fundo, eu já não conseguia mais segurar as lágrimas.

- Licença. – Digo em um sussurro e me levanto, subo as escadas rapidamente, mas consigo ouvir minha mãe falando algo como "querido, deixa ela pensar um pouco".

Eu tranco a porta novamente e me jogo na cama. Meus pais sempre falaram sobre suas infâncias complicadas, minha mãe nasceu e foi criadas nos subúrbios do Brooklyn e meu pai morou em New Orleans desde que veio de Camarões para os Estados Unidos com meus avós. Ambos estudaram muito e conseguiram bolsas para a faculdade, onde se conheceram e se apaixonaram. Desde sempre eles trabalham muito para que possamos ter uma vida confortável e eu os agradeço imensamente por isso.

Me sinto mal por parecer que sou ingrata e não me importo com toda a luta deles, mas é meu sonho, é aquilo que eu gosto de fazer, sinto que nasci para isso e só queria que eles me apoiassem e não me obrigassem a fazer um curso que não tenho a menor afinidade, não quero trabalhar operando corações sem gostar mesmo de fazer aquilo, mesmo que salvar vidas seja algo nobre, acredito que por aí devem existir pessoas muito mais empolgadas em fazer isso do que eu.

Meu celular vibra e eu o pego, era Reggie mandando mais fotos, dessa vez do desenho que ele estava fazendo agora e perguntando minha opinião sobre. Eu lhe envio um áudio aprovando a composição da paleta de cores, mas aponto alguns pontos que ao meu ver poderiam ser melhorados. Acabo me distraindo com o desenho e esquecendo completamente da minha voz de choro, mas ele obviamente percebeu porque a próxima mensagem que recebo me perguntava se estava tudo bem, eu resumo tudo falando sobre problemas familiares e mudo de assunto.

Passamos muito mais tempo conversando, ele tenta ao máximo me animar fazendo piadinhas e mandando memes engraçados, acho muito gentil de sua parte e planejo agradecer pessoalmente no dia seguinte.

Já era de madrugada e ainda trocávamos mensagens sobre a ideia genial que ele teve para os cartazes de divulgação do show de sábado, ele tinha sugerido uma parceria e eu acho que poderia ser interessante trabalharmos juntos. Acabo adormecendo enquanto escutava um áudio em que ele falava empolgado sobre possíveis referências em que poderíamos nos inspirar e sobre como estávamos sendo uma boa dupla.

No Regrets | Juke (JATP)Onde histórias criam vida. Descubra agora