Procura-se

Pássaro de vidro

Nos mais altos montes
É onde escondem os pássaros
E nos fios de postes
É onde ficam os melhores pássaros
Que nem se escondem
Ficam lá olhando sem medo
E o perigo sob seus pés
Vai correndo
Mas só sei disso
Por que
Conheci um.
E uns me acham louca
Passarinho fala sem ter boca?
E sou menina demais pra dizer isso
Sim, falam
E sonham demais
É por isso que eles ficam ali
Largaram tudo para trás
Os montes por horizontes sem vida
Só por se aventurar
Nem querem saber o caminho de volta
Foi isso que me disseram
E assim conheci
Meu pássaro de vidro.
Se não acredita em poesia, peço que se retire
A quarta-feira tem suas provas
E num calor sem igual
Lá no chão ele me olhava
Assustado, voou pela horizontal
É medo de dor
Ou medo de animal?
O moço do meu lado nem ligou
Mas não sou tão desligada
Imagino que a humanidade
Ainda tem uma alma bem guardada
E esperei o seu retorno por anos
Com as mãos voltadas para trás
Todas as manhãs, uma mão de alpiste
À tarde, o resto de girassol
Que roubava da minha tia
E sempre triste
Sem retorno
Mas meus pensamentos insistiam
Era de água
Ou de vidro?
Será que vai
Ser meu amigo?
E as semanas voaram feito folha seca no outono
Mas minha paciência tolerava
Até que um dia
Algo atrás incomodava
E foi num piscar de olhos que vi
Penas nascendo
Será que era um sonho
Ou o pássaro aparecendo?
E no reflexo do rio
Vi e senti
Asas dentro de mim
Era como fantasia de carnaval
E no final, desapareci
Era só pensar no pássaro
E o controle tinha posse em si
Me levava para os postes mais altos e me mostraram tudo
Tudo mesmo
Toda dor de cabeça ao pão da vizinha na mesa
Toda tristeza diminuía e toda saudade do pássaro sumia
Por que lá do meu lado ele sempre se escondia
Atrás de minhas asas
Me disse o que falo hoje
E te conto a noitinha
Sem pressa, alertou
Transforme suas asas em poesia
E na virada da esquina apareci
Sem asas, sem sonhos
Aonde te vi?
E hoje escrevo não por alguém ou por meu ser
Mas pelo pássaro de vidro que acabara de nascer.