Austria

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Harry e Katherine eram adorados por seus súditos: preces para que tivessem uma vida longa eram feitas diariamente e o povo clamava o patriotismo. Franceses não iriam o perturbar tão cedo.

Pela primeira vez desde aquela noite, Katherine retornava para a Áustria: dessa vez, casada. Voltava de cabeça erguida, afinal, teve de amadurecer da maneira mais dolorosa possível. Ela ainda se recordava de como sua cabeça batia contra a carruagem no caminho, como os cavalos relinchavam e o sentimento iminente de que estava prestes a perder os sentidos.

Ainda se lembrava do sangue grudado em suas vestes, impregnado em suas narinas e sujando sua alma, a impotência que assolava seu corpo. Quando fechava os olhos, ela ainda se lembrava dos gritos, de todas as pessoas que perderam a vida dentro de sua casa. Do choro inconsolável de seu povo. Pensou que nunca fosse capaz de erguer uma espada a ninguém, nunca seria capaz de ferir.

Quando seus sentidos voltaram naquele dia, as árvores farfalhavam e chovia um pouco, talvez nunca fosse capaz de esquecer tudo aquilo.

Também nunca se esqueceu da primeira vez que viu Harry, que realmente não era a criança que ouvira falar desde pequena: com uma beleza estonteante, cavalheiro e gentil. O homem no qual realmente se apaixonou, no qual não conseguia mais viver sem.

O homem que compartilhava a mesma cama todos os dias, que dividia o peso de uma coroa de ouro com um preço imensurável. Ele, que aceitou seus defeitos, beijou suas cicatrizes e a abraçou nas piores noites, talvez Harry nunca fosse saber a dimensão do amor de Katherine.

Harry brincava com os dedos arroxeados de Katherine, a cena da mulher desfigurando Luís não saia de sua cabeça. A sua mudança brusca de comportamento lhe assustou um pouco, mas não era de fato ruim: ele sabia da índole dela, sabia que Katherine protegeria seu povo com unhas e dentes e até com sua vida, se necessário.

Suas unhas pressionavam a palma, e Harry calmamente lhe impedia de se machucar. Podia sentir que a respiração da mulher estava irregular, a saia de seu vestido azul escuro trepidava à medida que sua perna tremia. Seus olhos estavam marejados, mas sem vida alguma, não era o melhor momento de fazer perguntas e o homem sabia disso.

A carruagem parou quase junto à respiração de Katherine, que soltou as mãos de Harry. A porta foi aberta de ambos os lados e ela fez menção de descer, mas parou.

– Eu lhe ajudo, querida. – Harry sussurrou antes de se afastar.

Saltou para fora da carruagem e deu a volta na mesma, parando na frente de Katherine e estendendo os braços. Assistiu a menina esboçar um sorriso e se curvar, apoiando a mão em seus ombros.

– Ainda me lembro da primeira vez que você fez isso. – ela sussurrou quando já estava no chão, se sentindo nostálgica – achei que você iria me jogar no chão.

– Era mais fácil você se jogar contra mim e quebrar meu pescoço, amor. – disse travesso, arrancando uma risada de Katherine.

Caminharam para dentro do castelo acompanhados de alguns servos, que mantinham uma distância razoável.

Pela primeira vez em muito tempo, ela estava em casa.

O lugar onde cresceu, onde aprendeu a ser quem era. As escadarias luxuosas enchiam os olhos de quem entrasse, como acontecera com Harry. O local era imensamente bonito, julgava até mais que a corte inglesa.

– Majestade! – Gerhard exclamou assim que viu Katherine, se aproximando um pouco mais – quanto tempo, majestade!

– Oh, Gerhard! Senti sua falta!

Katherine o olhava com apreço, e isso não passou despercebido. O homem já era de idade, possuía uma espada do lado esquerdo e olhos adoráveis. Ele se aproximou e beijou a mão dela, que sorriu com o gesto.

– Vossa Majestade – saudou Harry – é um prazer. Gerhard Scherer Hoffmann, mensageiro do Rei.

– E a pessoa que acobertava minhas travessuras pelo castelo! – brincou Katherine, sorrindo – Não pode esquecer disso.

– Certamente, Majestade. Me acompanhem, por favor.

A medida que foram subindo as escadas, Katherine tinha certeza de que seu coração poderia sair pela boca a qualquer momento. Um bolo se formava em seu estômago, precisava ver seus pais. Atravessaram os salões, subiram as escadarias e finalmente chegaram.

– Não nos anuncie. – Katherine disse.

Gerhard se afastou da porta, e Katherine olhou seu marido antes de começarem a caminhar. Pousou suas mãos nas delicadas e exuberantes maçanetas e as empurrou, abrindo a porta num solavanco.

Seus olhos não pareciam acreditar no que viam.

Ninguém lhe avisou. Carta alguma foi enviada. Uma mulher que nunca vira na vida exibia a coroa de sua mãe na cabeça, com um vestido que um dia também foi dela. O Rei petrificou, parecia não acreditar no que via.

Harry percebeu os punhos de Katherine se cerrando.

– Quem é você? – a mulher esbravejou, incomodada.

– Eu deveria lhe perguntar. Quem é você, insolente?

– Katherine! – Moritz praticamente gritou, se levantando.

– Estou aqui, papai. – respirou fundo – Quando pretendia me contar?

– Você se foi, Katherine. Nossa vida seguiu, eu precisava seguir.

Ela mal fazia questão de esconder as lágrimas, que já resvaleciam por seu rosto. Mal se lembrava de Harry ali, o sentimento de traição lhe consumia.

– Poderia ter enviado uma carta, um ofício! Qualquer coisa! É injustificável, papai.

– Cuidado com as palavras, Katherine.

Moritz estava com os olhos mais enrugados do que tinha em sua memória. A coroa dourada brilhava em sua cabeça, contrastando com seus cabelos brancos. Ele não parecia feliz em ver sua filha, parecia nervoso, decepcionado. Em sua memória, ele não era frio e hostil, como estava sendo naquele momento.

Apesar de Rei, sempre foi mais pai.

– Eu esperava uma recepção diferente, Majestade. Acredito que seja melhor conversarmos mais tarde, a sós – encarou a mulher espalhafatosa, que lhe lançou um olhar de ódio – se me permite, irei para meus aposentos.

Katherine olhou para Harry e não ficaram para ouvir uma resposta, deram a volta e deixaram os aposentos reais. Gerhard já não estava lá, os guardas estavam apostos com uma feição neutra. Harry fechou as portas e tomou sua mão, saindo dali.

Ele não sabia exatamente para onde estava indo, mas quando encontrou um corredor pouco iluminado, seguiu até lá. Katherine lhe olhava confusa quando ele puxou seu rosto, espalmando a mão em suas bochechas frias.

– Chore, querida. Não há problema em chorar. – sussurrou, tentando lhe fazer algum conforto.

Katherine lhe abraçou e chorou baixo, não querendo atrair atenção de ninguém. Harry passou a mão por suas costas e sussurrava palavras de conforto, sabendo pelo que ela havia passado. Ela se sentia traída, sabia que não seriam dias fáceis.

Mal saíra de uma batalha e já partiria para a próxima.

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⏰ Última atualização: May 28, 2023 ⏰

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The Kingdom [H.S] [PT/BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora