Eu estudava em um colégio próximo a minha casa. O bairro não era um dos melhores mas eu nunca imaginei que algo como aquilo pudesse acontecer. Tudo começou quando entrou um aluno novo.
Eu nunca apoiei o bullying que ele sofreu mas devo admitir que ele não era uma pessoa comum. O garoto tinha acnes cobrindo seu rosto inteiro, o que fazia com que sua pele estivesse sempre em um tom de vermelho. Além disso, para completar o pacote, ele suava muito mais que o normal, fazendo com que uma camada brilhosa cobrisse seu corpo gordo e disseminasse um odor desagradável.
Os apelidos eram dos mais variados, como você pode imaginar de alunos do colegial. Eu nunca concordei mas também nunca fiz nada para o defender, eu apenas o tratava cordialmente assim como gostaria de ser tratado. O garoto vivia sozinho, sem amigos, sempre sentado em um canto no fundo da sala para atrapalhar o mínimo possível com seu cheiro característico.
Confesso que por vezes eu sentia um pouco de nojo, principalmente quando meus olhos o encontravam na hora do almoço. A quantidade de suor era realmente muito alta, o que deixava suas roupas com grandes rodelas molhadas e fazia com que uma poça se formasse onde quer que ele apoiasse os braços.
Mesmo no frio ele sempre estava com roupas de verão e suando, o que era muito estranho. Pensei várias vezes em conversar com ele para perguntar se ele tinha algum problema, mas eu tinha medo dele acabar confundindo a minha pena com amizade e colasse em mim de uma forma que eu não gostaria.
Os dias foram passando como sempre, até que fui surpreendido um dia com um pedaço de papel dobrado na minha mesa. Desdobrei e li o recado que fora escrito em uma letra relaxada e torta. "Podemos ser amigos?".
Procurei com os olhos quem poderia ter escrito aquele recado, com medo de ser justamente o garoto estranho. E lá estava ele, me olhando diretamente, como se estivesse esperando ansiosamente que eu lesse aquele bilhete.
Tentei pensar em alguma forma de me safar dessa mas acabei ficando com muita pena do menino avermelhado. Eu nunca fui do clube dos populares e já sofria com isso, imagina ser uma pessoa odiada e excluída?
Fui até ele e conversamos um pouco. Acabei descobrindo que ele era uma pessoa muito simpática, além de termos os mesmos gostos para videogames. Ele insistiu para que eu sentasse do seu lado mas tive que negar, o tempo que passei próximo a ele foi suficiente para me deixar enjoado com o fedor.
Aquilo me martelou durante algumas noites. Como um garoto como aquele, com um grande potencial e que claramente estava pedindo ajuda, não foi notado por alguma alma responsável da escola? Eles deveriam pelo menos conversar com os pais para convencê-los a levá-lo em um tratamento ou algo do gênero.
Nos dias que se passaram me dispus a conversar com o garoto nem que fosse por alguns minutos. Obviamente durante esse tempo nenhum dos meus amigos ficava perto, mas também eles não me excluíram por estar andando com o menino fedido. Até que um dia ele me encontrou na cantina e decidiu que poderia sentar do meu lado.
Eu estava junto com outros dois amigos e o garoto suado se sentou na única cadeira disponível na mesa. Ele cumprimentou a todos e começou a comer. Nos entreolhamos discretamente e um colega fez um gesto com a cabeça como se quisesse que eu desse um jeito na situação.
Não fui capaz de expulsar o garoto da mesa então ao invés disso puxei um assunto aleatório sobre aulas de um professor específico. Ele respondia alto e ria descontroladamente. Meus sentidos pareciam estar completamente atentos ao menino.
Meu olhos concentrados viram um perdigoto escapar e cair no prato ao meu lado. Meu nariz impregnou com o cheiro do suor, quase como se eu o estivesse encostando em uma das grandes poças daquela roupa. Minha boca parecia sentir o gosto do líquido que escorria de sua pele, como se eu estivesse saboreando óleo puro.
Parei completamente de prestar atenção. Fui surpreendido com o aluno desagradável estalando os dedos para que eu voltasse a percebê-lo. Ele tinha me feito alguma pergunta e eu não conseguia sequer responder. Pedi licença e levantei da mesa. Corri até o banheiro e vomitei toda comida que eu tinha ingerido até o momento.
Quando saí da cabine o mau cheiroso estava na porta. Ele tinha ido atrás de mim para ver o que aconteceu. Pela cena que presenciou e as feições em meu rosto ele pôde concluir o óbvio, então se retirou em silêncio e não me procurou mais nos dias que se seguiram.
Fiquei me sentindo culpado por tudo aquilo, afinal o garoto tinha completa certeza que éramos amigos. Acho que talvez tivesse passado em sua cabeça que não era nada além de pena, mas até então eu era o único que o deu atenção. Achei que ele estivesse me odiando em silêncio mas eu estava enganado.
Em um dia completamente normal e típico, até parado demais para o meu gosto, um homem surtado entrou armado e gritando aos quatro ventos. Aparentemente ele foi traído por alguma professora que trabalhava ali e agora queria vingança, descontando em alunos que não tinham nada a ver com a história.
Como o destino gosta de pregar peça, era justamente a professora que estava me dando aula no momento. Fomos todos colocados em um canto da parede de costas pra ele. O maluco e a professora discutiam ferozmente enquanto eu me concentrava em não chamar atenção para não ser morto.
Eu fiquei bem do lado da porta. Cogitei em abrir e sair correndo, mas tive medo do assassino em potencial ter uma boa mira. Enquanto eu examinava a porta para decidir se ela faria barulho ou não, vi através do vidro que o garoto espinhento estava parado do lado de fora me olhando.
Eu me lembro dele ter pedido para ir ao banheiro e não havia voltado até então. Tentei fazer sinal com a cabeça para que ele corresse e buscasse ajuda mas ele não entendeu. Ele foi se mexer apenas quando o maníaco resolveu nos tirar todos pra fora e juntar a escola inteira no pátio.
Ele deu alguns tiros de aviso, o que foi o suficiente para que as pessoas do colégio o obedecessem e seguissem pelo corredor como ovelhas para o abatedouro. Foi nesse corredor que senti meu braço ser puxado bruscamente.
O menino estranho tinha se escondido em uma pilastra e ficou esperando o momento certo para me salvar. Olhei desesperadamente para a marcha e vi que ninguém tinha notado meu súbito sumiço, afinal estavam todos prestando atenção no atirador que fazia um discurso moralista, provavelmente distorcido para que ele parecesse certo na história.
Corremos até o banheiro e pensei em tentar escapar pela pequena janela, mas descobri que ela era apertada demais para mim e absolutamente minúscula para o pobre garoto fedido. Quando eu já estava sem esperanças de fugir dali o menino andou na minha direção e me agarrou com força.
Ele puxou minha camiseta com tudo, rasgando-a, e começou a esfregar seu corpo oleoso em mim fazendo com que eu ficasse besuntado daquele líquido asqueroso que ele produzia. Precisei me concentrar muito para não gritar e acabar nos denunciando. Quando ele me soltou, eu estava encharcado com seu suor. Me olhei no espelho tremendo de nojo e olhei para o menino com raiva.
Ele estava fitando a janela e foi então que eu entendi o plano. Aquele óleo me deixou escorregadio e consegui deslizar pela janela, ainda com dificuldade porém com sucesso. Me choquei contra o chão, levantei rápido e corri até o estabelecimento mais próximo para pedir ajuda.
Algumas horas depois a polícia chegou em várias viaturas. Eles abriram a escola e neutralizaram o homem traído. Descobriram depois que o assassino havia matado a professora, junto com alguns alunos que aparentemente tentaram fugir.
Um dos mortos era o garoto estranho. Aparentemente o assassino foi até o banheiro depois e o encontrou lá. Atirou contra o pobre coitado imaginando que ele estava ali tentando fugir.
Passei um bocado de tempo traumatizado com tudo aquilo. O garoto tinha sido meu salvador e meu último sentimento para com ele foi raiva. Eu sequer o agradeci depois que consegui escapar.
Comecei a ter pesadelos em que o garoto estava em pé sobre a minha cama e meu quarto estava alagado com aquele óleo que escorria dele. Quando eu estava quase me afogando ele me abraçava e me tirava dali, me empurrando por frestas apertadas que por vezes me arranhavam.
Quando finalmente me senti pronto para voltar para a escola eu parei em frente a porta em desespero. Eu estava suando muito mais que o normal.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Contos de um dia de chuva
Misteri / Thriller[PT-BR] Contos curtos de terror e suspense. Postarei com alguma frequência mas principalmente quando chover, que é quando minhas ideias afloram mais. Durante esse mês de outubro terá um conto por dia com os temas sugeridos pelo Inktober - não sou u...