Gênero, sexualidade e identidades

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UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

Poucos debates no mundo contemporâneo passaram por tantas alterações quanto o da sexualidade. Ao longo do século XX e início do século XXI transformaram-se padrões e comportamentos ditos como habituais dentro da sociedade. A sexualidade foi desvinculada do ato reprodutivo, sendo vinculada a comportamentos e vinculações sociais. Definições prévias como monogamia e heterossexualidade deixaram de ser exclusividades sociais.

A heterossexualidade ainda é uma identidade sexual majoritária, mas a socióloga estadunidense Judith Lorber classifica até dez tipos de identidades sexuais: mulher heterossexual, homem heterossexual, homem gay, mulher lésbica, homem bissexual, mulher bissexual, homem travesti, mulher travesti, homem transexual e mulher transexual. As variadas identidades sexuais e possibilidades de práticas sexuais são aceitas e entendidas através da socialização, fator que gera alteração histórica e cultural.

A SOCIOLOGIA E O DEBATE SOBRE DIVERSIDADE

Devido às enormes implicações acerca do tema, a Sociologia realiza algumas variações como, por exemplo, entre os termos “sexo” e “gênero”. A palavra “sexo” que pode significar tanto o ato sexual em si, quanto às diferenças biológicas entre homem e mulher, não consegue abarcar todas as variações de significados existentes na sociedade contemporânea. A Sociologia aborda o termo “gênero” para explicitar as variações existentes sobre o comportamento social esperado e incentivado entre homens e mulheres dentro de uma
sociedade.

Ao tratar das variações existentes dentro das identidades sexuais, a Sociologia prefere utilizar a terminologia “orientação sexual” ao invés de “opção sexual”, segundo o inglês Anthony Giddens, o termo “opção” pode dar a sensação de escolha, quando é algo atrelado a uma complexa relação biológica e social. A construção histórica da sexualidade varia em cada sociedade, modelos ditos como divergentes tal como a homossexualidade, chegam a ser estimuladas em algumas regiões do planeta, enquanto é totalmente condenável em outras.

No mundo ocidental passou por variadas modificações nas últimas décadas, deixando de ser vista como uma patologia ou uma anomalia, mas ainda representa intensa dificuldade de aceitação.
Um dos maiores filósofos contemporâneos, o francês Michel Foucault vai abordar com maestria a questão da sexualidade em sua vasta obra. No livro História da Sexualidade vai falar como a homossexualidade parecia não existir nos relatos do século XVIII, sendo aliada a práticas de sodomia. O termo homossexualidade só teria sido criado no ano de 1860 e durante esse período o discurso de culpabilização religiosa era muito poderoso, sendo substituído posteriormente por um discurso médico e patológico.

Nesse sentido, Foucault vai afirmar que existem processos e mecanismos de controle cujo poder está fora do Estado. Nessa chamada microfísica do poder o pensador afirma que essas formas de atuação sobre os corpos, sexualidade e desejos agem como normatização e vigilância, estabelecendo uma dominação sobre a formação das identidades dos indivíduos ao longo da história.

Fortemente influenciada pelo pensamento de Foucault, Judith Butler, filósofa nascida nos Estados Unidos, traça uma linha teórica para mostrar que, tanto a diferenciação entre o sexo biológico dado no nascimento e o gênero que é construído socialmente, quanto a sexualidade são formados culturalmente.

Esses padrões de gênero e identidades são construídos a partir do que Butler entender por performatividade, isto é, a repetição e a reincidência permanente de atos, gestos, símbolos e significados que constroem uma identidade masculina ou feminina. Então, para Butler, as posturas individuais relativas ao gênero e identidade sexual são construídas cultural e historicamente. É através do constante estímulo a manter posturas dentro do binarismo “masculino x feminino” que são construídas identidades, com a introjeção, absorção e naturalização de formas e práticas socialmente reconhecidos como
partes de ser homem ou ser mulher.

A partir desse raciocínio, Butler consolida-se como uma voz influente dentro da chamada teoria queer, pois, ao afirmar que o gênero e a sexualidade são padrões construídos culturalmente, é possível pensar a partir de uma lógica não-binária, abrindo caminhos para a reflexão e uma construção teórica e prática centrada em identidades como bissexuais, lésbicas, gays, travestis e transgêneros.

A partir desse raciocínio, Butler consolida-se como uma voz influente dentro da chamada teoria queer, pois, ao afirmar que o gênero e a sexualidade são padrões construídos culturalmente, é possível pensar a partir de uma lógica não-binária, abrind...

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MOVIMENTOS SOCIAIS E O CENÁRIO NO BRASIL

Apesar de registros que remetam ao início do século XX, é nos anos 1960 que nota-se a emergência no mundo de movimentos que pautam sua atuação política na defesa de direitos de homossexuais e minorias sexuais. Os movimentos de maio de 1968 abriram caminho em escala global para a contestação de padrões sociais estabelecidos e promoveram uma transformação nos costumes com o movimento hippie e feminista.

Entretanto foi em junho de 1969 que o movimento LGBT teve um ponto decisivo em sua trajetória. Em 28 de junho daquele ano, na cidade de Nova Iorque (EUA), um bar chamado Stonewall Inn era um conhecido espaço frequentado pela comunidade LGBT em função da tolerância do local. Após uma ação de violenta repressão policial, aconteceu uma intensa reação por parte dos frequentadores do bar e vizinhos, o que ficou conhecido como a Revolta de Stonewall.

Ao longo da segunda metade do século XX o movimento LGBT sofreu com o avanço do HIV que estigmatizou a AIDS com hábitos e práticas relacionados aos grupos sexuais não majoritários; a homossexualidade esteve atrelada à doença inclusive por organiza...

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Ao longo da segunda metade do século XX o movimento LGBT sofreu com o avanço do HIV que estigmatizou a AIDS com hábitos e práticas relacionados aos grupos sexuais não majoritários; a homossexualidade esteve atrelada à doença inclusive por organizações de saúde.

No Brasil, a homossexualidade foi retirada da lista de patologia em 1985 – a Organização Mundial da Saúde retirou em 1990 – e esse cenário é relevante pois o país passava por um processo de redemocratização com o abertura política. Antes disso, o movimento LGBT (como outros) sofria repressão por parte do regime militar.

Em um momento mais recente, há conquistas decisivas como as Paradas do Orgulho LGBT nas grandes cidades do país que promovem grande visibilidade para as pautas do movimento. Além disso, em 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável de casais homoafetivos, o que possibilita a igualdade jurídica de acesso de diversos direitos estabelecidos. Por fim, o STF determinou em junho de 2019 que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada um crime.

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