1901- cover Birdy

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Pensei em teletransporte.

Algo que seria muito útil nesse instante em que ele corta a esquina apressadamente.

Dou passos silenciosos na esperança de que ele não preste atenção em mim, assim como uma presa não move um músculo sequer para passar despercebida pelo seu predador.

Olho para os lados, tentando ignorar sua aproximação e observo um passarinho lutando contra a falta de penas e levantando um vôo desengonçado até cair no chão novamente. Sua mãe bica sua cabeça, como repreensão. O passarinho se ajeita novamente, com movimentos atrapalhados que me lembraram de Ken. Só faltou os óclinhos. Não posso deixar de sorrir.

E o passarinho de uma penugem intermediaria entre o marrom e o preto toma coragem novamente. Mais uma tentativa frustrada. Sua mãe o bica novamente, mas agora mais forte, pude ouvir o estalo do bico dela no frágil crânio do pequeno. Ela o pega pelo bico e levanta vôo, dançando no ar maravilhosamente enquanto as patinhas dele perambulam pelo ar. E o leva ate um galho baixo, colocando-o no galho e se afasta dele. Parece querer fazer algo. Me preocupo se ela vai jogá-lo de lá quando sou interrompida.

- Está surda?!

Olho para frente, surpresa. Droga, ele me viu.

- O que está fazendo aqui? - pergunto ao ruivo.

- Não queria que você sentasse do meu lado no ônibus e preferi ir a pé. - ele diz num tom grosseiro.

Primeiro senti raiva por ele ser sempre tão rude. Mas quase rio com sua infantilidade ao fugir de mim.

"Será que o afeto tanto?" - quase digo.

- Oh! Que gentil! - dou um sorriso claramente falso para enfatizar meu sarcasmo.

Seu olhar vacila com minhas palavras e aproveito para ver se o passarinho ainda estava vivo e o vejo se equilibrando no galho, sem a mãe por perto. " Ela o abandonou aqui?!"

- Não estou aqui para ser gentil. - ele finalmente fala.

Pego meu celular do bolso de trás da calça e conecto o fone de ouvido.

- Me conte uma novidade. - coloco um dos fones em minha orelha.

- Sei de um lugar secreto na faculdade que da para ver a melhor vista da cidade. - ele diz a novidade como se fosse um segredo de Estado.

- Sério?! - sussurro de uma forma exagerada, prestes a sorrir. Aproveito o breve segundo em que viro a cabeça e vejo o passarinho. A mãe dele voltou e agora abre o bico para alimentá-lo. Sinto uma onde de alivio.

- Porque eu mentiria, novata!? - ele cruza os braços, estressado, no mesmo momento que a mãe do passarinho o empurrado para frente quase o derrubando do galho.

O pequenino luta para continuar no galho e eu me preparo para pega-lo no ar caso ele caia.

Volto minha atenção até o ruivo, apesar de estar morrendo de preocupação por causa do passarinho.

- Não sei... só acho que cachorro que late não morde. - eu o provoco, sinceramente não consigo e nem tento evitar.

Ele muda o peso do corpo para a outra perna, pensei que ele ficaria furioso, mas á primeira vista não consegui saber realmente sua reação.

- Engraçado você dizer isto - ele leva a ponta do dedo indicador até o canino - meus dentes são bem afiados.

E realmente são. Muito brancos e pontiagudos, seus caninos estendiam-se e brilhavam refletindo sob a luz, assim como uma faca.

Isso me amedrontou um pouco, nunca imaginei que alguém pudesse ter dentes assim. Todos alinhados e em perfeito estado.

Apesar do estranho receio, eu sorri.

- Claro, muito amedrontador.

Então ele arrumou a postura, alinhando-se.

- Está insinuando que estou mentindo para posar de "Bonzão"? Acha que não sei onde é o acesso? - sua voz sai num grunhido.

- Oh, não me morda por favor. - levanto as mãos e sorriu tentando manter um ambiente "saudável".

Desejo nesse instante ser o passarinho que a mãe esta praticamente arremessando para fora do galho, do que estar aqui encarando o ruivo.

Observo que ele cerrou o punho e apertou os olhos. Sua boca era uma linha reta, apertada. Ele pressionava o maxilar e eu podia vê-lo aparecer pela tensão exercida nele.

Ele deu dois passos para frente e segurou meu punho. Fazendo-me rodar até a direção dele. Suas pernas são muito mais longas que as minhas, me puxando bruscamente a cada passo. Penso em algo, mas logo meu pensamento se despeça pelo barulho que um caminhão ou ônibus faz. E me vejo sendo arrastada pela calçada.

Olho para trás, procurando pelo passarinho. Talvez ele me socorra... Mas ele não esta mais lá.

- O que você pensa que esta fa...?!

Ele continua me puxando, sem olhar para mim. Ele me interrompe e sinto um arrepio na espinha quando escuto:

- Vou mostrar minhas garras.

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