Capítulo 2 - O Palácio / Parte 2/2

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    Ao adentrar no palácio, Friedrich logo notou os pilares ricamente detalhados que adornavam e davam um ar de nobreza ao lugar. Desconfortável pelo luxo exagerado, o homem de armadura tentou voltar sua atenção para o possível motivo do rei ter lhe chamado ali. Meditando sobre sua futura conversa com o rei, Friedrich mal notou quando o guia à sua frente parou, indicando o portão principal da sala do trono.

    — Chegamos, meu senhor.

    O luxo do resto do palácio parecia insignificante perante o portão majestoso que se destacava diante Friedrich. Adornado em ouro maciço e com uma fênix intrincada em vermelho vinho no seu centro, o portão certamente conferia a quem entrasse por ele, uma prévia do que o monarca do outro lado era capaz de fazer para garantir o aspecto grandioso do seu reino.

    O barulho dos portões se abrindo ecoaram por todo o salão. O homem de armadura com uma fênix semelhante a intrincada no portão, logo viu de longe uma figura sentada sobre um trono esculpido em ouro puro, o que o fez inconscientemente abrir um sorriso em sua face, ao reconhecer seu velho amigo.

    — Kondoim! — disse o rei levantando-se de seu trono e indo de encontro à Friedrich. — Meu amigo! A quanto tempo não nos vemos? — continuou falando o rei, dando um abraço em Friedrich que o retribui.

    — Você sabe que não atendo mais por esse nome e continua me chamando assim, Arduen.

    — Vamos lá, Kondoim, não seja tão careta — falou o rei com um largo sorriso no rosto.

    Friedrich suspirou e retribuiu o sorriso do rei. Com sua cara habitualmente risonha e seu cabelo castanho avermelhado, Arduen era conhecido por ser um rei pacífico e que evitava ao máximo se envolver em conflitos desnecessários, seu alto conhecimento referente ao ciclo da moeda, garantiu a Karendol um tempo de alta prosperidade. Friedrich admirava a visão pacifista do amigo, mas temia que seus inimigos o achassem fraco e se aproveitassem dessa “fraqueza”, para lançar um ataque definitivo a Karian, mas isso não era hora de pensar nesses assuntos, por isso Friedrich obrigou seus pensamentos a voltarem à realidade. 

    — Estava com saudades, meu velho amigo.

    — Ambos estávamos, Kondoim, fiquei sabendo que agora atende por Friedrich, um nome bem exótico esse que adotou não acha?

    — Fiz o melhor que pude, Arduen — falou Friedrich revirando os olhos com um sorriso no rosto em sinal de ironia.

    — Vamos, venha, temos muito o que conversar.

    Seguindo o rei até uma sala à direita do trono, Friedrich notou servos passando com bandejas repletas de uvas e outras especiarias.

    — Me pergunto para onde vai toda essa comida?

    — Bem notado, Kondoim. O tesoureiro real está tratando de alguns assuntos com os representantes de um reino ao sul daqui, e queremos passar a melhor impressão possível para nossos convidados.

    O rei terminou sua fala esboçando uma face de orgulho em seu rosto. Chegando na sala para qual o rei o guiava, Friedrich logo notou diversos quadros e esculturas espalhadas pelo local.

    — Magnífico, não? — disse o rei, orgulhoso.

    — Você fez uma bela reforma aqui, Arduen.

    Muitas outras vezes Friedrich visitou aquela sala, com quadros nas paredes laterais que estampavam batalhas gloriosas e estátuas em mármore de todos os reis da linhagem Kanel, que se estendiam até um altar no qual o primeiro rei de Karendol, Atamud o grande, permanecia imponente e eternizado por toda a história, como o rei que guiou a humanidade as novas terras e fundou o grandioso reino Karendol.

    Contemplando toda a glória que aquela sala passava, Friedrich logo se viu perdido novamente em seus pensamentos, relembrando de tempos há muitos anos passados.

    — Preciso lhe contar algo, Kondoim — disse o rei despertando seu amigo dos seus habituais devaneios.

    Friedrich notou que o semblante do rei estava sério, enquanto olhava para a estátua de Atamud o grande. O homem a quem Arduen chamava de Kondoim, aguardou a confissão do rei por um tempo, até que quando ía perguntar do que se tratava, ele finalmente começou a falar.

    — Forças sombrias assolam o reino, Kondoim.

    — Como assim forças sombrias, Arduen?

    — Provavelmente você não está a par do que vem acontecendo ultimamente, mas, diversas pessoas pelo reino estão explodindo em chamas.

    — Explodindo em chamas? — indagou Friedrich arregalando os olhos.

    — Eu sei que parece loucura, Kondoim, mas simplesmente as pessoas têm seus corpos queimados em questão de minutos, acabando por morrerem pelas intensas queimaduras que sofrem. Testemunhas dizem que algumas pessoas que são assoladas pelas chamas, começam a gritar até que chega a um ponto que o corpo explode, de dentro para fora. Mês passado, foram registrados quatro casos: dois aqui em Karian, um em Shapel e outro em uma vila ao extremo sudeste, próximo às florestas elevadas. Só nesse mês, já foram registrados doze casos espalhados por todo o reino. Os convidados do sul no qual meu tesoureiro está tratando de negócios, não vieram somente por isso, mas algo semelhante vem acontecendo em suas terras também, e por isso vieram nos pedir ajuda.

O semblante do rei era de pura preocupação, enquanto descarregava sua confissão. Friedrich iria começar a falar, mas o rei o interrompeu.

    — Os alquimistas aventureiros responsáveis pelos casos estão os abafando o máximo que podem, mas se isso continuar a aumentar, pode tomar proporções gigantescas. Revoltas por parte do povo pedindo por explicação podem começar a surgir, explicação essa que não tenho para eles, Kondoim — disse o rei, com um semblante visivelmente transtornado.

    Vendo toda a situação, Friedrich tentou acalmar seu amigo.

    — Acalme-se, Arduen, por favor.

    Interrompendo novamente Friedrich e colocando suas duas mãos nos ombros dele, o rei continuou a falar.

    — Isso não é o pior, meu amigo, até meu filho, meu pequeno Kael também foi vítima dessas chamas — falou o rei enquanto seus olhos começavam a lacrimejar.

    Friedrich absorvia tudo que seu amigo dizia e tentava não mais o interromper, deixando apenas ele continuar com o seu relato. Fungando com o nariz e elevando uma mão ao rosto para enxugar algumas lágrimas que caiam, o rei prosseguiu.

    — Mas ele está bem, de alguma forma milagrosa Kael conseguiu resistir ao fogo, ficando apenas com leves queimaduras pelo corpo que logo sumiram, mas o mais intrigante é que não ficou nenhuma cicatriz, nenhuma sequela, é como se as chamas nunca tivessem queimado seu corpo.    

    — Se me permite, vossa majestade.

    Vendo que interrompeu seu amigo por diversas vezes, o rei percebeu que passou dos limites e acenou com a cabeça, permitindo que Friedrich finalmente desse seu parecer.

    — Antes de dar minha opinião sobre o assunto, gostaria de conversar com o garoto.

    O rei não questionou o pedido do amigo, apenas disse por fim com os olhos lacrimejantes:

    — Se é assim que deseja, assim será, apenas peço que ajude meu filho.

    O rei e Friedrich se dirigiram a um dos pátios dentro do palácio no qual era contornado por pilares de mármore. No centro de tal pátio, se encontrava o príncipe aparentemente treinando com seu instrutor. Percebendo que o rei iria interromper o treinamento do garoto, Friedrich o impediu.

    — Faz um tempo que não vejo uma boa luta de espadas, mesmo que sejam de madeira — disse Friedrich abrindo um pequeno sorriso no canto do rosto. — Acredito que podemos esperar um pouco, até o garoto terminar com seu treinamento.

    O rei assentiu para o amigo e os dois ficaram observando o desenrolar do confronto um pouco a frente deles.

...

    — Você não está respirando direito, garoto, assim nunca vai conseguir me acertar.

    — Não me subestime, Karoc — falou Kael exibindo um sorriso malicioso em seu rosto.

    Com passos complexos e mais parecidos com uma dança, Karoc desviou das investidas do príncipe com facilidade e terminou dando um golpe de leve em sua cabeça.

    — Perdeu de novo, garoto.

    — Perdemos, Karoc.

    Vendo a expressão confiante na face do príncipe, Karoc olhou para sua própria barriga e percebeu a ponta da espada de madeira de Kael a poucos centímetros de atingi-lo. Esbanjando um largo sorriso, Karoc se afastou do príncipe jogando sua espada no chão.

    — Finalmente conseguiu me acertar, garoto, nem acredito que estou vivo para presenciar isso.

    Percebendo a ironia na voz do seu treinador, Kael falou:

    — Vai viver o suficiente até eu derrotá-lo, seu velho rabugento.

    Os dois sorriram um para o outro e se cumprimentaram, até que de longe Karoc percebeu o rei os observando e tratou de se ajoelhar no mesmo instante.

    — Perdão, vossa majestade, não percebi vossa presença.

    Kael se virou e percebeu seu pai se aproximando do meio do pátio.

    — Levante-se, capitão Karoc, não tinha pretensão de vir até aqui.

    Karoc se levantou e nada mais falou, permanecendo com uma expressão neutra ao lado de Kael.

    — Vendo meus treinos, pai? Achei que o senhor não gostasse de espadas — falou Kael provocando seu pai que o olhou com desaprovação.

    — Você sabe que eu não concordo com esses seus treinos com o capitão de guarnição do reino, Kael, você devia estudar o ciclo da moeda para um dia governar no meu lugar.

    O jovem príncipe Kael, que também tinha cabelos castanhos avermelhados curtos assim como o seu pai, apanhou a espada de madeira do chão que estava sendo usada em seu treino e apertou firme em suas mãos enquanto disse:

    — Um rei não pode somente se preocupar com o ciclo da moeda, pai — olhando diretamente para os olhos do rei, Kael prosseguiu. — Ele também precisa se preocupar com a segurança de seu povo.

    Karoc que se manteve neutro até o momento, abriu um pequeno sorriso no canto do rosto diante o raciocínio do garoto. O rei fitou seu filho por um instante, até que por fim falou:

    — Devo apenas guiá-lo no caminho que acho mais adequado para o reino, mas suas escolhas, são suas escolhas, Kael. Que Primardia o abençoe, meu filho.

    Vendo toda a situação que se passava em sua frente, Friedrich soltou uma falsa tossida para chamar a atenção do rei. O rei deu um sobressalto lembrando o motivo que o levou até ali.

    — Kael, esse homem ao meu lado gostaria de conversar contigo, ele é…

Olhando para o amigo, o rei esboçou uma face nostálgica.

    — Ele é um bom amigo desse seu velho pai.

    O príncipe olhou de cima para baixo o homem de ombros largos e cabelo levemente grisalho à sua frente. Fazendo a tradicional reverência para nobres superiores de Karendol, Kael elevou o dedo indicador e seu adjacente à extremidade de seu ombro direito, curvando-se levemente no processo.

    — Será um grande prazer, lorde…?

    Friedrich olhou para o garoto e sorriu.

    — Eu não sou lorde, garoto.

    Kael olhou confuso para a armadura de Friedrich com a fênix intricada no centro.

    — Algum capitão de guarnição como o Karoc então? — indagou o príncipe confuso.

    O rei acabou intervindo no diálogo antes que a confusão se prolongasse.

    — Meu filho, ele não é lorde, nem soldado, muito menos algum nobre.

    Kael coçou a cabeça e retrucou o que seu pai lhe falou.

    — Certo, então o que ele é?

    O rei sentiu dificuldade em formular uma explicação, então antes que começasse a falar, Friedrich tomou a iniciativa.

    — Um plebeu, vossa alteza, sou um simples plebeu que tem a honra de ser amigo desse seu velho pai.

    Kael suspirou e falou ignorando Friedrich e olhando para seu pai:

    — E o que um plebeu quer conversar comigo?

    — Acho que ele mesmo pode te contar — falou o rei, nada satisfeito com a atitude esnobe de seu filho. — Capitão Karoc?

    — Sim, majestade!

    — Venha comigo e deixe os dois conversarem, tenho um ou dois assuntos a tratar contigo também.

    Acompanhando o rei para fora do pátio, Karoc deu uma rápida piscadela com um olho para Kael em sinal de despedida. Vendo que seu pai já tinha saído do pátio, o príncipe olhou novamente para Friedrich com um olhar indiferente.

    — Vamos, plebeu, desembucha e vá embora.

    Friedrich se assustou ao ver o tom do garoto quando seu pai não estava presente.

    — Seus modos não são nada cordiais, vossa alteza.

    Kael exibiu um sorriso zombeteiro.

    — E o que um plebeu entende sobre cordialidade.

    — Vejo que não vai ser fácil ter a atenção da qual necessito, para fazer as perguntas que precisam ser feitas. 

    Andando em volta do pátio rodeando Kael e sendo perseguido pelo olhar do mesmo, Friedrich apanhou a espada de madeira do chão usada no treinamento do garoto.

    — Se não tenho o seu respeito para uma conversa, devo conquistá-lo, vossa alteza —  falou Freidrich com um leve sorriso no canto do rosto, apontando a espada para o jovem.

    Kael devolveu o sorriso e entrou em guarda com a espada que já tinha em mãos.

    — Faça o seu melhor, "velhote".

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