Capítulo 4 - Cidade em Chamas / Parte 2/2

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    Toda noite era a mesma coisa, os sonhos que Kael tinha eram sempre os mesmos, uma luz ao longe enquanto ele estava rodeado de escuridão, e quanto mais ele tentava alcançar a luz, mas parecia que ela se distanciava dele. Mas o que acordou o jovem príncipe não foi o sonho que assolava todas as suas noites, mas sim um forte estrondo que o fez levantar-se abruptamente da sua cama.

    O jovem príncipe estava com o corpo coberto de suor apesar da noite está fria como gelo, esse fenômeno estranho que acontecia com o seu corpo estava cada vez mais recorrente nos últimos dias, mas o príncipe ignorou o suor escorrendo por sua pele e se dirigiu a janela para identificar a origem do barulho. Kael arregalou os olhos ao chegar na janela e ver casas em chamas por toda a cidade, por isso rapidamente ele vestiu sua habitual roupa para o dia a dia e caminhou para fora de seu quarto, na tentativa de tentar entender o que estava acontecendo na cidade.

    Ao sair para fora, Kael notou que os guardas que deveriam estar na porta de seu quarto, não se encontravam lá naquele momento, o que causou mais dúvidas ainda ao príncipe.

    Com um passo rápido, Kael vagou pelos extensos corredores do palácio, e ao chegar no pátio central notou o fluxo intenso de guardas que passavam por ali, sem entender nada diante a agitação no palácio o príncipe tentou abordar alguns guardas, mas as respostas eram sempre as mesmas, os guardas lhe pediam perdão ou lhe pediam licença fazendo uma rápida reverência, parecia que todos estavam ocupados com o que quer que estivesse acontecendo e não tinham tempo para lhe dar explicações. A falta de atenção que os soldados não estavam dando ao seu príncipe, o incomodou bastante, pois sempre foi rodeado de pessoas que lhe bajulavam e davam atenção a qualquer coisa que ele fizesse, mas isso não era o caso naquela noite. Pronto para abordar outro guarda, só que dessa vez mais agressivamente, na esperança de arrancar alguma informação do que estava acontecendo. Kael se preparou para escolher seu alvo, mas foi impedido de executar sua abordagem devido uma mão sobre seu ombro.

    — Ei, pequeno, seu pai está chamando por você, ande logo e me siga.

    Ao se virar, Kael reconheceu a figura que falava com ele. Com um avental típico de cozinheira e um rosto rechonchudo, com leves traços de cabelos grisalhos aparecendo no cabelo, Elidia era a cozinheira chefe do palácio, e tratava o príncipe com informalidade na maioria das vezes, mesmo esse não gostando da atitude, mas não poderia reclamar já que a mulher cuidava dele desde pequeno.

    — Elidia! O que está acontecendo aqui? — disse Kael elevando a voz para ser ouvido pela mulher no meio do barulho que os guardas trajando armadura faziam.

    — Venha comigo e pergunte isso a seu pai, pequeno, eu sei o tanto o quanto você sabe, por isso se quiser saber mais vá atender seu velho.

    Antes de responder a Elidia, Kael percebeu que ela já estava o puxando para levá-lo até onde seu pai estava, o que fez o príncipe apertar o passo para acompanhar a cozinheira e não tropeçar.

...

    O conselho convocado pelo rei estava fervoroso, os homens mais poderosos de Karian estavam reunidos naquele salão com uma mesa redonda gigante ao centro. A mesa estava constituída por três dos doze lordes das cidades de Karendol, que viajaram de suas cidades até a capital do reino para tratar de assuntos variados com o rei. Ao lado do lorde de Shapel, estava o alquimista chefe de Karian, que olhava atentamente o general da guarda da cidade falar.
    — Foram relatadas diversas explosões pela cidade, mas a sua origem é um tanto duvidosa.

    O lorde da cidade de Panil levantou-se da sua cadeira abruptamente e elevou a voz para o general.

    — Vamos logo, homem! A capital do reino está em chamas e qualquer informação será válida.

    Reprimindo uma carranca, o general continuou a falar:

    — Algumas testemunhas juraram por Primardia que as pessoas eram a causa da explosão, as chamas surgiam de sua carne e consumiam seu corpo fazendo-as gritar de dor, enquanto seu ser entrava em colapso e por fim era consumido em uma explosão.

    Olhares perplexos surgiram naqueles que ouviram o que o general disse, e por causa disso uma fervorosa discussão se iniciou em seguida.

    — Como isso é possível?!

    — Mentiras e mais mentiras!

    — Acalmem-se senhores, porfavor! —  falou o general tentando dar alguma ordem ao conselho, mas suas tentativas eram todas vãs.

    — Silêncio!

    Uma voz ecoou acima da de todos os outros homens, o que fez todo o conselho se calar e reverenciar o rei diante deles. O rei entrou na sala acompanhado de seu convidado do reino do sul, o homem velho de cabelos brancos chamado Rarog sentou-se despreocupadamente ao lado do rei na grande mesa redonda.

    — General, me atualize sobre a situação.

    O general desfez a reverência que mantinha e respondeu seu rei:

    — A cidade está em chamas devido a diversas explosões, majestade, e a causa de tais, segundo alguns relatos, são pessoas tendo suas carnes queimadas e explodindo em fogo.

    O rei passou a mão pelo rosto em uma vã tentativa de aplacar o cansaço que veio sentindo naqueles últimos tempos.

    — Mais casos de pessoas explodindo em fogo? Por Primardia, o que fizemos ao sol ou a lua para merecer tal punição?

    O lorde de Tanil, conhecido por sua liderança fria e objetiva que fez a grande cidade de Tanil prosperar por anos, levantou sua mão direita indicando que queria falar. Por sua vez, o rei acenou permitindo que o lorde falasse.

    — Meu rei, escute o que seu general está falando, pessoas explodindo em chamas? —  O lorde deu uma risada curta. — Sejamos sensatos, meu rei, isso não se trata de corpos em chamas, mas sim de um ataque rebelde de alguma organização desconhecida, vamos tratar esse assunto dentro da realidade, e não com mera fantasia de coisas impossíveis acontecendo.

    A maioria na mesa redonda acenou concordando com a fala do lorde de Tanil.

    — Mera fantasia você diz, meu lorde?

    Todos olharam para a figura misteriosa que surgiu na sala.

    — E quem é você para se dirigir tão abertamente a um lorde de uma cidade?

    Friedrich avançou pela sala até a mesa redonda, olhando diretamente cada um sentado diante da mesa.

    — Eu sou Kondoim, antigo general do exército Karendoriano na guerra contra Endoria, e reivindico meu direito a falar pelo meu reino, que dei meu sangue para proteger.

    Todos olharam surpresos para o antigo herói na guerra contra Endoria. O velho que chegou acompanhado do rei tomou a fala.

    — Eu sabia que era você, meu filho não parava de falar sobre suas proezas.

    Friedrich olhou diretamente para o homem que lhe dirigiu a fala.

    — Seu filho foi um dos meus melhores capitães, morreu com honra defendendo nossos reinos.

    Levando o punho fechado ao coração, os dois homens fizeram uma antiga saudação de guerra.

    — Temo que devo deixar esse conselho, Arduen, minha sobrinha Adalia está pelo palácio sabe lá Primardia o que ela está fazendo, e estou preocupado com o que pode acontecer com ela em meio a todo esse caos — disse Rarog se despedindo do rei.

    — Eu compreendo, meu amigo, sua experiência iria ser muito útil para nossa reunião, mas eu entendo vossa situação.

    Depois que Rarog saiu da sala, os questionamentos à Friedrich começaram.
    — E o que prova que você é quem diz ser? — questionou o lorde de Tanil, mas quem respondeu foram os lordes de Shapel e Panil.

    — Veja a armadura da fênix...

    — Com essa mesma armadura, histórias foram criadas em volta desse homem.

    — Histórias sobre suas lendárias vitórias na guerra.

    Os lordes das cidades alternavam enquanto falavam sobre os feitos do antigo herói diante deles.

    — Ele é quem diz ser, meu lorde, e além disso é meu amigo e tem meu consentimento absoluto para falar — afirmou o rei acenando para Friedrich no processo, que por sua vez acenou de volta em concordância.

    Respirando fundo e continuando em pé diante a mesa para se fazer visível a todos ali presentes, Friedrich começou a falar:

    — Eu lhes garanto, meus senhores, o que está acontecendo e o que vai acontecer com nosso reino, não é mera fantasia, e se não agirmos rápido cortando esse mal pela raiz, ele devastará todo o reino.

    A vez de tomar a fala foi do alquimista chefe, que levantou sua mão indicando ao rei que queria falar.

    — Se há algum mal sobre a cidade, devemos enviar os guardas a cada ponto dela, para que assim possamos destruir o mal definitivamente.

    O alquimista chefe era um homem bem acima do peso, mas sua altura elevada compensava isso, e seu rosto era arredondado se encaixando perfeitamente com seu olhar afiado e sorriso naturalmente sarcástico.

    — Meu senhor, antes de tomarmos qualquer decisão, devemos ouvir mais um relato de alguém que viu de perto essas pessoas explodindo em chamas. 

    Friedrich terminou sua fala apresentando o garoto ao seu lado, que se manteve calado durante todo o tempo até aquele momento.

    — Este é Doran, um órfão que vive nas ruas e antigo habitante do orfanato Reinal, por favor eu lhes peço que escutem o que ele tem a falar.

    Todos os presentes no conselho olharam desinteressadamente para Doran, a não ser o alquimista que olhou de forma intensa para o jovem. Doran engoliu em seco por ter a atenção de alguns dos homens mais poderosos do reino sobre si, e seu nervosismo só aumentou por notar que o alquimista lhe olhava incessantemente. Parecia que o coração do garoto iria sair pela goela, mas ele prometeu para si mesmo que faria de tudo para garantir que nenhum mal se aplacasse sobre sua mãe. Lembrando em partes o que disse a Friedrich durante o caminho até o palácio, Doran organizou mentalmente o que iria dizer.

    — Eu fui deixado no orfanato Reinal aos oito anos de idade pela minha mãe, e fiquei lá até ele ser queimado há 2 anos atrás.

    Doran percebeu que todos estavam prestando atenção no seu relato, mesmo aqueles que se mostraram desinteressados no início, por causa disso seu nervosismo só aumentou, mas mesmo assim ele continuou a falar.

    — Durante esses 2 anos eu vivi pela rua, me mantendo da melhor forma que consegu...

    — Ninguém quer saber sobre sua vida na rua, garoto, vá direto ao ponto, se é que esse ponto vai ser realmente relevante para a crise que estamos passando — disse o lorde de Tanil interrompendo Doran e lançando um olhar desafiador para Friedrich no processo.

    Engolindo em seco, o jovem seguiu com seu relato.

    — Mesmo vivendo esses 2 anos pela rua, eu nunca me esquecerei da noite em que o orfanato Reinal foi reduzido a cinzas pelo incêndio que o destruiu, e não, não foi um acidente de cozinha que provocou o incêndio como todos vocês acreditam — disse Doran terminando sua fala olhando diretamente nos olhos do rei, na intenção de alertá-lo sobre sua ignorância nesse caso. — O incêndio foi causado quando a madame Ladil, que era quem cuidava dos órfãos no orfanato, explodiu em chamas exatamente igual como está acontecendo com as pessoas da cidade.

    O jovem levou um susto quando o alquimista que lhe olhava intensamente, levantou-se de sua cadeira e começou a gritar com ele.

    — Órfão imundo, ousa proferir mentiras de ante vossa majestade — falou o alquimista batendo com seu punho fechado na mesa, o que provocou um forte estrondo por toda a sala. — Você será castigado com cem chicotadas e será sentenciado a morte, plebeu imundo.

    Todos se assustaram com a repentina alteração de personalidade do alquimista chefe. Friedrich percebeu que Doran recuou da mesa diante a explosão de insultos vinda do alquimista, por isso tomou a frente do garoto para defendê-lo.

    — Esse a quem você chama de plebeu imundo é meu escudeiro, e cortarei a cabeça de qualquer um que ouse ofendê-lo! — disse Friedrich elevando seu tom de voz no mesmo nível que a do alquimista.

    Enquanto Friedrich defendia Doran, o garoto não pode deixar de pensar o quão estranho era aquela situação, o jovem nunca conheceu seu pai, nem sabia como era a sensação de ter um, mas deduziu que se tivesse um pai, ele faria aquilo que Friedrich estava fazendo por ele.

    — Já chega!

    Tanto Friedrich quanto o alquimista acalmaram-se perante a voz do rei, Arduen por sua vez fechou seus olhos e respirou fundo antes de falar.

    — Chefe alquimista Modag, você não deve desconsiderar o relato do jovem só por ele ser um plebeu.

    — Desculpe-me, vossa majestade, mas não consigo aceitar tais palavras vindas desse plebeu — disse Modag tentando esconder sua cara de nojo ao falar de Doran. — Vossa majestade sabe que eu próprio chequei os acontecimentos que causaram o incêndio no orfanato Reinal, como também sabe que constatei que foi um acidente de cozinha no meu relatório, por isso tais palavras que esse plebeu proferiu me ofenderam profundamente, pois segundo ele eu estaria mentindo.

    — Modag, eu me lembro do que você escreveu no relatório referente a destruição do orfanato reinal, mas você pode ter se enganado sobre a causa do incêndio, somos humanos e por isso somos naturalmente imperfeitos.

    Quando Modag se preparava para responder o rei, o barulho de uma explosão que veio de fora da sala assustou todos os presentes na mesa. Todos se levantaram e correram para as duas portas que davam acesso à sala para ver o que causou a explosão do outro lado, mas antes de chegarem, outra explosão destruiu as portas transformando-as em cinzas e estilhaços que se espalharam pela sala toda.

...

    Ao se aproximar junto com Elidia ao seu lado da sala onde seu pai normalmente fazia as reuniões, Kael notou Kardec à frente das portas de entrada da sala.

    — Boa noite, Karoc, por Primardia você sabe o que está acontecendo nessa cidade?

    — Boa noite, garoto, não sei de muita coisa, mas explosões por toda a cidade estão a transformando em um verdadeiro mar de chamas — disse o capitão com o rosto neutro e impassível como sempre, exatamente como era de se esperar dele quando se tratava de assuntos militares, mas era evidente a preocupação em sua voz. — O rei está na sala com alguns de seus conselheiros para determinarem o que está provocando as explosões pela cidade — finalizou apontando para a sala atrás dele.

    Kael percebeu a gravidade do problema que a cidade estava enfrentando à medida que Karoc resumia a situação para ele. Ao olhar de lado, o jovem príncipe percebeu o espanto no rosto de Elidia ao ouvir o que estava acontecendo na cidade, e notoriamente ela não sabia esconder tão bem sua preocupação quanto Karoc.

    — Elidia você pode ir, obrigado por me trazer até aqui.

    A cozinheira saiu a passos largos, murmurando maldições a quem estivesse destruindo a cidade.

    — Elidia me disse que meu pai estava me chamando, posso entrar na sala?
 
    — Seu pai te chamou, mas me pediu para te proteger até que ele acabe com a reunião e possa vir falar contigo.

    — É mais fácil eu te proteger do que você à mim — falou o príncipe tentando amenizar a tensão que a situação da cidade estava passando.

    A tentativa de Kael de trazer um pouco de paz no meio da crise, logo foi erradicada quando uma esfera de fogo atingiu Karoc arremessando-o para longe. O barulho da explosão quando a esfera de fogo atingiu a armadura de Karoc, ecoou por todo o corredor.

    — Karoc! — O príncipe correu para socorrer o capitão que cuspia sangue devido ao forte impacto que sofreu.

    Outro barulho de explosão ecoou novamente pelo corredor, quando outra esfera de fogo explodiu as portas da sala de reunião onde o rei estava.

...

    Entre os estilhaços das portas destruídas surgiu uma mulher. Todos estavam atordoados com o que aconteceu, e Doran mais ainda por conhecer aquela mulher que cruzava as portas.

    — Madame... madame Ladil... — sussurrou o garoto enquanto exibia espanto em seu rosto.

    — O que você disse, garoto? — falou Friedrich enquanto olhava para a mulher que caminhava em direção a todos os presentes na sala.

    — Ela é a antiga cuidadora do orfanato Reinal, mas isso deveria ser impossível, era para ela estar morta.

    — Então ela é a mulher que você disse que explodiu em chamas e causou o incêndio no orfanato?

    Antes que Doran pudesse responder a pergunta que Friedrich lhe fez, a misteriosa mulher começou a falar.

    — Quantas figuras poderosas em um só lugar — disse a mulher com um tom desdenhoso. — Imagine se dois de vocês morressem, seria certamente desastroso para o reino.

    A mulher terminou sua fala invocando duas chamas amarelas que pulsavam em cada uma de suas mãos, tais chamas que brilhavam intensamente aos poucos se moldaram em esferas sobre as mãos da mulher. Com um movimento, as duas esferas de fogo foram lançadas diretamente no lorde de Shapel e no general de guarda da cidade. O general foi lançado para longe, batendo na parede e ficando desacordado enquanto tinha seu corpo queimado pelas chamas. Já o lorde de Shapel que estava ao lado de Friedrich e Doran, foi atingido diretamente pela segunda esfera, mas diferente do general ele não foi arremessado, mas sim queimado intensamente. O lorde começou a gritar de dor por ter sua pele queimada e seu grito era de puro desespero, o que lembrou a Doran o grito do homem mais cedo de frente ao bordel.

    Foi tudo muito rápido e inesperado, o que fez a ação de todos a seguir serem descoordenadas e emocionais. O lorde de Panil e o lorde de Tanil sacaram suas espadas e avançaram sobre a mulher, já o alquimista, correu para perto do rei para de alguma forma protegê-lo da infame ameaça. Friedrich e Doran tentaram salvar o lorde de Shapel que estava perto deles, mas o fogo devastou o corpo do mesmo, e sua pele continuava a queimar constantemente, o que tornaria impossível a sobrevivência do lorde mesmo por um milagre. Tanto o lorde de Panil quanto o lorde de Tanil foram pegos na garganta pela mulher, que os levantou enquanto eles se debatiam sufocando-se.

    — Duas poderosas lideranças morrerem certamente será desastroso para o reino, mas o que você me diria de quatro? — Falou a mulher novamente de forma desdenhosa para o rei. — Quatro absolutamente seria uma catástrofe não acha, meu bom rei?

    Um fluxo incandescente correu pelos braços da mulher, indo até suas mãos onde estava a garganta dos lordes. Gritos de desespero e dor encheram a sala, quando a cabeça dos dois lordes irromperam em chamas, mas logo as súplicas de desespero pararam quando os dois caíram no chão totalmente carbonizados. Doran que tentava inútilmente salvar o lorde de Shapel, que já não mais gritava por ter tido suas cordas vocais queimadas, caiu sentado no chão em desespero ao ver mais dois lordes queimados diante si. Todo o massacre se desenrolou mais rápido do que realmente parecia, e os sobreviventes restantes sabiam que se não fizessem nada, seriam os próximos a morrer.

    — Meu rei, por favor eu lhe imploro, fuja daqui! — gritou Modag com os olhos lacrimosos para o rei, que se mantinha paralisado diante a situação.

    — Desgra... desgraçada! Como ousa matar quatro de meus leais servos! — Em uma mudança súbita de expressão, o rei começou a exibir puro ódio em sua face.
   
    Enquanto tentava avançar para cima da mulher que ria perturbadoramente chutando um dos dois lordes já mortos no chão, o rei era impedido por Modag que o segurava firmemente.

    — Por favor, meu rei, escute minha súplica e fuja daqui! — disse o alquimista enquanto seu rosto desmanchava-se em lágrimas.

    — Desculpe-me, irmão, mas acho que você também não vai ter a liberdade de escolher seu próprio corpo — sussurrou a mulher para si mesma, enquanto tirava de seu bolso um pequeno frasco de vidro contendo uma chama azul dentro.

    Tirando a rolha do frasco, o fogo azul foi lançado em Modag que teve seu corpo lançado longe devido ao impacto. Enquanto Doran amaldiçoava o sol e a lua por toda a situação que estava vivendo, Friedrich estava em um de seus habituais devaneios mentais, pois não tomar o elixir que acalmava seus pensamentos, estava cobrando seu preço.

    — Friedrich!

    A voz de Doran ecoou na mente perdida de Friedrich, que de alguma forma conseguiu voltar à realidade.

    — Temos que salvar o rei e dar o fora daqui, garoto — disse Friedrich para o jovem assustado ao seu lado, que por sua vez acenou em concordância, mas sem muita confiança que iriam conseguir.

    Enquanto isso, o rei correu para socorrer Modag, que se encontrava desacordado no chão.

    — Acorde, Modag, por favor não morra também! — gritou o rei em uma quase súplica.

    Abrindo os olhos subitamente, o chefe alquimista se levantou com a ajuda do rei.

    — Você estava certo, Modag, temos que sair daqu…

    O rei parou de falar quando percebeu uma adaga cravada em seu coração.

    — Modag... por que? — falou o rei cuspindo sangue.

    — Não me leve a mal, humano, mas eu nem te conheço — disse o alquimista rindo de forma indiferente para o rei.

    Depois de Kael fazer o máximo que podia para ajudar Karoc, os dois entraram na sala pisando nos destroços das portas destruídas e vendo o massacre diante deles.

    — Pai!
    Ao ver o rei com uma adaga cravada no coração, o príncipe correu para salvar seu pai, mas a mulher que matou os lordes projetou uma esfera de fogo lançando-a em Kael. Ao receber a esfera de fogo, o príncipe é arremessado para longe, mas apesar de suas roupas terem sido parcialmente queimadas, ele voltou a correr para onde seu pai estava.

    — Como essa criança fez isso? — questionou a mulher exibindo uma face confusa.

    — Pai! O senhor está bem? — O rosto de Kael desmanchava-se em lágrimas enquanto segurava seu pai ensanguentado em seus braços.

    — Ka... el... — A voz do rei estava falha enquanto tentava falar com seu filho.

    Modag que estava perto do rei observava toda a cena na sua frente.

    — Como você resistiu as chamas de minha irmã, garoto? — perguntou Modag chutando a barriga de Kael, enquanto este tentava amparar seu pai.

    Modag se preparou para alvejar outro chute em Kael que se arrastava no chão em direção a seu pai, mas antes disso acontecer Friedrich avançou com todas as suas forças para cima de Modag derrubando-o no chão, e Doran por sua vez tentou ajudar Kael a levantar-se.

    — Saia daqui, plebeu, não toque com essas mãos imundas em mim! — gritou o príncipe, rejeitando com um empurrão a ajuda oferecida por Doran.

    — Temos que sair daqui, seu idiota, se não todos vamos morrer! — gritou Doran de volta em um berro que ecoou por toda a sala.

    Kael não ligava sobre o que estava acontecendo a sua volta, ele apenas queria chegar a seu pai e ajudá-lo de alguma forma. Depois de ter garantido que Modag estava bem surrado para acordar, Friedrich voltou para ajudar o rei.

    — Arduen! Aguente firme! — disse Friedrich mexendo aleatoriamente suas mãos procurando inutilmente uma forma de ajudar seu amigo.

    — Kon... doim... — O rei puxou com sua mão a armadura de Friedrich para perto dele. — Cuide... cuide do meu Kael, prometa-me.

    — Eu prometo, meu amigo, eu prometo.

    Pela primeira vez em anos, Friedrich chorou de verdade, e esse choro o estraçalhou de dentro para fora.

    Olhando para Kael, o rei murmurou suas últimas palavras.

    — Eu te amo... meu pequeno Kael...
    — Papai!

O grito de Kael fez as cortinas das janelas da sala e a mesa de madeira no centro irromperem em chamas.

    Doran se assustou quando viu o que o príncipe fez, e Friedrich por sua vez foi até onde os dois garotos estavam.

    — Vocês dois, venham comigo! — ordenou Friedrich em um grito estridente.

    Doran se colocou ao lado de Friedrich, mas Kael renegou sua ordem.

    — Vá embora! Vá embora e me deixe morrer com o meu pai! — disse o príncipe chorando e soluçando enquanto via seu pai morto no chão diante dele.

    — Eu vou cumprir a promessa que fiz ao seu pai, mesmo que para isso você me odeie pelo resto de sua vida — falou Friedrich levantando Kael e colocando-o em seu ombro contra a vontade do garoto. — Venha, Doran, vamos sair daqui!

    Tanto Doran quanto Friedrich carregando Kael, correram para fora da sala em um passo rápido, deixando a mulher misteriosa e o alquimista chefe Modag para trás. Karoc que via toda cena se desenrolando à sua frente, lamentou em murmúrios sua impotência diante aquela situação, e aceitou a ajuda de Doran quando esse a ofereceu para saírem dali. Depois dos quatro terem saído da sala, a mulher se moveu até onde Modag estava desacordado no chão.

    — Acorda, Randek, eu sei que você está fingindo — disse a mulher dando um chute fraco no homem deitado no chão.

    — Bruta como sempre, irmãzinha — falou Randek abrindo os olhos e levantando-se.
— Aquele velhote teve sorte de as minhas chamas não terem despertado ainda, mas na próxima ele me paga. Falando nisso, por que você não foi atrás deles, Sheilak?

    — Veja ao seu redor, esse garoto fez tudo isso — afirmou Sheilak apontando para as cortinas e a mesa em chamas. — Antes de te reviver, eu tentei reviver o nosso primeiro irmão, mas seu hospedeiro era para ser o capitão Karoc e não aquele garoto, algo que desconheço deu errado quando Donek tentou dominar o corpo de Karoc, e por algum motivo a força de Donek está naquele garoto, mesmo sua alma não conseguindo possuir seu corpo, resumindo, antes de confrontarmos o garoto, temos que ter um jeito de trazer nosso irmão de volta.

    — Eu nunca gostei do primeiro irmão mesmo — falou Randek de forma desdenhosa.

    — Você sabe que Donek é nosso líder — disse Sheilak demonstrando insatisfação diante a atitude do seu irmão.

    — Deixando o primeiro irmão de lado, porque você me colocou nesse corpo, irmãzinha? Esse cara é um balofo!   

    — Agradeça por ter um corpo, falando nisso está na hora de nossos irmãos terem seus corpos também — disse a mulher chamada Sheilak, enquanto andava até as cortinas em chamas da janela.

    Com um gesto de mão rápido as chamas das cortinas foram extintas, após isso Sheilak abriu a janela que mostrava a grandiosa cidade de Karian em chamas. Tirando de seu bolso mais três frascos de vidro contendo chamas azuis, Sheilak abriu a rolha de cada um e jogou na escuridão da noite.

    — Vão, meus irmãos, vão e encontrem seus hospedeiros para que possamos nos vingar desses humanos que derrotaram nosso pai.

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