CAPÍTULO 3

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Controle do Dinheiro

O "emprego total" e o "crescimento econômico" constituíram nas ú mas décadas as
principais justificativas para a dilatação da intervenção governo em assuntos econômicos. A economia de livre empresa, dizem, inerentemente instável. Deixada
à sua própria sorte, produziria ciclos de tos e baixos. O governo deve,
portanto,
intervir para manter as coisas í equilíbrio. Esses argumentos foram
particularmente poderosos durante após a Grande Depressão de 1930 e constituíram
elementos de peso pé o surgimento do Neu; Deal neste país e para extensões
comparáveis da i tervenção do governo em outros países. Mais recentemente,
"crescimen
econômico" tornou-se o slogan mais importante das reuniões políticas. governo
deve, é o que se afirma, garantir a expansão da economia a fi de obter recursos
para a guerra-fria e demonstrar às nações não-alinhadi do mundo que uma
democracia pode crescer mais rapidamente do que Estado comunista.
Esses argumentos são totalmente erróneos. Acontece que a Grane Depressão, de
modo semelhante a outros períodos de grande desempreg< foi causada pela
incompetência do governo - e não pela instabilidade in< rente à economia
privada.
Uma organização do governo - o Federal R< serve System - tinha a
responsabilidade pela política monetária. Em 193 e 1931, exerceu tal
reponsabilidade de modo tão inepto que acabou pç converter o que de outra forma
teria sido uma contração moderada num grande catástrofe (ver discussão mais
adiante). Atualmente, de modo seme lhante, as medidas governamentais constituem
o maior impedimento a> crescimento econômico nos Estados Unidos. Tarifas e
outras restrições ai comércio internacional, taxação pesada e uma estrutura de
taxação comple xá e injusta, comissões reguladoras, fixação governamental de
salários < preços e mais um número enorme de outras medidas fornecem aos indiví
duos um incentivo para o uso inconveniente e inadequado dos recursos < distorce
o investimento das novas poupanças. Na verdade, precisamos urgentemente, para a
estabilidade e o crescimento econômico, de uma redução na intervenção do governo
- e não de sua expansão.
Tal redução ainda deixaria um papel importante para o governo nessas áreas.
Convém que usemos o governo para fornecer uma estrutura monetária estável à
economia livre - isto é parte da função de propiciar uma estrutura legal
estável.
É também conveniente que o governo forneça uma estrutura geral econômica e legal
que permita aos indivíduos fazer a economia crescer, se isto estiver de acordo
com seus valores.
As áreas mais importantes da política governamental que são relevantes para a
estabilidade econômica estão constituídas pela política monetária e pela
política fiscal. Este capítulo discutirá a política monetária interna; o
seguinte, a organização monetária internacional, e o capítulo V, a política
fiscal.
Nossa tarefa, neste e no capítulo seguinte, é traçar um curso entre dois pontos
de vista, ambos atraentes, mas inaceitáveis. De um lado, temos a convicção de
que um padrão ouro puramente automático seria possível e desejável e resolveria
todos os problemas de garantir a cooperação econômica entre indivíduos e nações
num ambiente estável. De outro, a convicção de que a necessidade de adaptação a
circunstâncias imprevistae e imprevisíveis requer o estabelecimento de poderes
amplos para um grupo de técnicos, reunidos num banco central "independente" ou
em outra qualquer organização burocrática. Nenhum destes pontos de vista mostrou
ser solução satisfatória no passado, e é bem provável que isso não venha a
acontecer no futuro.
/O liberal teme fundamentalmente a concentração do poder. Seu objeti-vo é o de
preservar o grau máximo de liberdade para cada indivíduo em separado -
compatível com a não-interferência na liberdade de outro indivíduo. Acredita o
liberal que este objetivo exige que o poder seja dispersado. Não vê com bons
olhos entregar ao governo qualquer operação que possa ser executada por meio do
mercado - primeiro porque tal fato substituiria a cooperação voluntária pela
coerção na área em questão e segundo porque dar ao governo um poder maior é
ameaçar a liberdade em outras áreas. /
A necessidade de dispersão do poder coloca um problema especialmente difícil no
campo do dinheiro. Existe uma concordância bastante ampla de que o governo deve
ter alguma responsabilidade em termos de assuntos monetários. Há também amplo
reconhecimento de que o controle sobre o dinheiro pode constituir instrumento importante para controlar e modelar a economia. Sua potência aparece dramatizada
na famosa frase de Lênin de que a melhor maneira de destruir uma sociedade é
destruir seu dinheiro. O fato pode ser demonstrado de forma mais simples pela
extensão com que o controle do dinheiro, desde tempos imemoriais, permitiu aos
soberanos arrancar pesados impostos de seus súditos, muito freqüente-
mente sem a explícita concordância da legislatura - quando existia legi: tura.
Isso aconteceu no passado, quando monarcas reduziam a moeda adotavam expedientes
semelhantes, e acontece agora com nossas técni modernas mais sofisticadas de
fabricar dinheiro ou alterar os lançament O problema consiste em estabelecer
organizações institucionais que peri tam ao governo exercer a responsabilidade
pelo dinheiro - limitando mesmo tempo o poder assim dado ao governo e evitando
que este po< seja usado de modo a levar ao enfraquecimento - em vez de ao fortak
mento - uma sociedade livre.
Problema do padrão
/-'.. /Historicamente, o padrão mais adotado em lugares diferentes e ao Ic go
dos séculos foi o de mercadoria ou produto, isto é, o uso como dinhe: de algum
produto ou artigo, como ouro ou prata, bronze ou estanho, dg; ros ou conhaque,
ou diversas outras mercadorias. Se o dinheiro consistis somente em um artigo
físico desse tipo, não haveria em princípio a neces dade de controle por parte
do governo. O volume de dinheiro na socied de dependeria do custo de produção da
mercadoria em questão - e ni de outras coisas. As mudanças no volume de dinheiro
dependeriam de m danças nas condições técnicas da produção de mercadoria em
questão de mudanças na demanda do dinheiro. Este é o ideal que anima muit dos
que acreditam num padrão ouro automático. /
Os padrões de mercadoria atuais se desviaram muito do padrão sir pies que não
requer intervenção governamental. Historicamente, um p drão de mercadoria - por
exemplo, o padrão ouro ou padrão prata - f acompanhado pelo desenvolvimento da
moeda fiduciária de um tipo ou c outro, a ser convertida em moeda padrão sob
condições preestabelecida Houve uma razão muito boa para este desenvolvimento.
0_jdefeito
fundi mental de uma moeda ligada a produtos, do ponto de vista da sociedac como
um todo, reside no fato de requerer o uso de recursos reais a serei
acrescentados ao estoque de dinheiro. As pessoas têm que trabalhar dui para
arrancar ouro do solo na África do Sul - para voltar a soterrá-lo ei Fort Knox
ou em locais semelhantes. A necessidade de usar recursos rea para operar com
esse tipo de padrão estabelece um forte incentivo para procura de meios que
levem aos mesmos resultados sem a utilização d taís recursos. Se as pessoas
aceitarem como dinheiro pedaços de papel qu trazem impressa a frase "Prometo
pagar -- unidades da mercadoria-pe
, esses pedaços de papel podem realizar a mesma função dos pede Cos físicos de
ouro ou prata e exigem muito menos em termos de recursc para a sua produção.
Este ponto, que discuti em detalhes em outra oce
sião,1 constitui na minha opinião a dificuldade fundamental do padrão de
mercadoria.
'Se um padrão de mercadoria automático pudesse ser estabelecido, o dilema do
liberal teria uma solução excelente: uma estrutura monetária estável, sem os
perigos do exercício irresponsável do poder monetário, y
Se, por exemplo, um verdadeiro e perfeito padrão ouro, em que cem por cento do
dinheiro de um país fosse de ouro, apoiado amplamente pelo povo em geral,
imbuído da mitologia de um padrão ouro e da crença de que é imoral e impróprio o
governo interferir em sua operação, teríamos uma garantia efetiva contra a
manipulação da moeda pelo governo e contra uma ação monetária irresponsável. Com
tal padrão, qualquer poder monetário do governo teria seu objetivo reduzido.
Mas,
como observamos, a história já demonstrou que tal sistema não é possível. Houve
sempre a tendência para o desenvolvimento na direção de um sistema misto,
contendo elementos fiduciários como notas e depósitos bancários ou notas do
governo acrescentadas ao produto monetário. E uma vez que tenham sido
introduzidos elementos fiduciários, é sempre difícil evitar o controle
governamental sobre eles, mesmo tendo sido inicialmente emitidas por indivíduos
em caráter privado. A razão consiste basicamente na dificuldade de S£ evitar a falsificação ou seus equivalentes econômicos. O dinheiro fiduciário constitui um
contrato para o pagamento do dinheiro padrão. Acontece entretanto que existe
longo intervalo entre a confecção de tais contratos e sua realização. Tal fato
aumenta a dificuldade de fazer executar o contrato e, portanto, também a
tentação de emitir contratos fraudulentos. Além disso, uma vez que elementos
fiduciários tenham sido introduzidos, a tentação do governo de também emitir
moeda fiduciária é quase irresistível. Na prática, portanto, os padrões
mercadoria apresentam a tendência de se tornar padrões mistos envolvendo extensa
intervenção por parte do Estado.
É preciso notar que, apesar do clamor de bom número de pessoas a favor do padrão
ouro, quase ninguém hoje em dia deseja literalmente um verdadeiro e pleno padrão
ouro. As pessoas que dizem desejar um padrão ouro estão quase invariavelmente
falando sobre o tipo de padrão atual ou o tipo de padrão mantido na década de
30:
um padrão ouro controlado por um banco central ou outra agência do governo, que
mantém pequena quantidade de ouro como "garantia" - para usar um termo bem
inadequado - da moeda fiduciária. Alguns vão tão longe a ponto de propor o tipo
de padrão mantido na década de 20, no qual existia circulação literal de ouro ou
certificados de ouro como dinheiro corrente - mas também eles apoiam a
coexistência do ouro moeda fiduciária governamental e depósitos emitidos por
bancos que guardem reservas em ouro ou em moeda fiduciária. Mesmo nos chamados
grandes dias do padrão ouro no século XIX, quando se supunha que o Banco da
Inglaterra estivesse controlando o padrãi ouro de modo conveniente, o sistema
monetário estava longe de ser plen< e automático padrão ouro. Mesmo então esse
padrão era fortemente mani pulado. E certamente a situação agora é bem mais
extrema, como resulta do da adoção pela maioria dos países do ponto de vista de
que o governe tem responsabilidade pelo "emprego pleno".
Minha conclusão é a de que um padrão automático de mercadoria não é uma solução
- nem possível nem desejável - do problema de estabelecer uma estrutura
monetária para uma sociedade livre. Não é desejável porque envolve alto custo em
termos de recursos usados para a produção do produto monetário. E não é possível
porque a mitologia e as crenças necessárias para torná-la efetiva não existem
mais.
Esta conclusão está confirmada pela evidência histórica geral a que já me referi
e também pela experiência específica dos Estados Unidos. De 1879, quando os
Estados Unidos retomaram o pagamento em ouro depois da Guerra Civil, até 1913,
os Estados Unidos mantiveram o padrão ouro. Embora estivéssemos na ocasião mais
perto de um padrão ouro automático do que já estivemos desde o fim da Primeira
Guerra Mundial, o padrão era ouro cem por cento. Havia a emissão de papel moeda
pelo governo, e bancos privados emitiam a maior parte dos meios em circulação
efetivos áob a forma de depósitos; os bancos eram estritamente regulados em suas
operações por agências do governo - os bancos nacionais pelo Comptrol-ler of the
Currency, bancos estaduais pelas autoridades bancárias estaduais. O ouro,
pertencente ao Tesouro, a bancos ou a indivíduos, sob a forma de moedas ou
certificados, constituía entre 10 a 20% do estoque de dinheiro, variando a
porcentagem exata de ano para ano. Os restantes 80 ou 90% eram prata, moeda
fiduciária e depósitos bancários não cobertos pelas reservas de ouro.
Em retrospecto, o sistema pode parecer ter funcionado razoavelmente bem. Para os
americanos daquele tempo, não. A agitação com relação à prata em 1880,
culminando com o discurso de Bryan Cross of Gold que determinou a tónica para as
eleições de 1896, foi um dos sinais de insatisfação. De outro lado, a agitação
foi em grande parte responsável pêlos anos de severa depressão do início da
década de 1890. A agitação levou ao temor generalizado de que os Estados Unidos
abandonassem o padrão ouro e que, em consequência, o dólar perdesse valor em
termos de moedas estrangeiras. Tal fato levou a uma fuga do dólar e uma fuga de
capital que forçou a deflação interna.
As sucessivas crises financeiras de 1873. 1884. 1890 e 1893 levaram a uma
exigência generalizada de reforma bancária por parte de comunidade bancária e
empresarial. O Pânico de 1907. envolvendo a recusa unânime dos bancos a
converter depósitos em moeda sob pedido, cristalizou finalmente os sentimentos
de insatisfação com o sistema financeiro numa exigência urgente de ação
governamental. O congresso estabeleceu a
48 nal Monetary Commission e suas recomendações, relatadas em 1910 econcretizadas no Federal Reserve Act, foram votadas em 1913. As reformas
preconizadas pelo Federal Reserve Act tiveram o apoio de todos os se-tores da
comunidade - desde as classes trabalhadoras até os banqueiros
- e dos dois partidos políticos. O presidente da National Monetary Commission
era um republicano, Nelson W. Aldrich; o responsável principal no Senado pelo
Federal Reserve Act era um democrata, Cárter W. Glass.
As mudanças introduzidas pelo Federal Reserve Act na organização monetária
mostraram ser na prática bem mais drásticas do que imaginaram seus autores e
partidários. Na época em que o Act foi votado, o padrão ouro imperava soberano
por todo o mundo - não um padrão ouro inteiramente automático, mas o que mais se
aproximou desse ideal em qualquer época. Considerava-se como certo que a
situação continuaria desse modo
- o que limitaria de forma considerável os poderes do Federal Reserve System.
Mas, assim que o Ací foi votado, estourou a Primeira Guerra Mundial. Houve então
o abandono em grande escala do padrão ouro. No fim da guerra, o Reserve System
não era mais um pequeno complemento ao padrão ouro destinado a garantir a
conversão de uma forma de dinheiro em outras e a regulamentar e supervisionar os
bancos. Tinha-se tomado uma autoridade discricionária poderosa, capaz de
determinar a quantidade de dinheiro nos Estados Unidos e de afetar as condições
financeiras internacionais do mundo inteiro.
Uma autoridade monetária discricionária
O estabelecimento do Federal Reserve System foi a mudança mais notável nas
instituições monetárias dos Estados Unidos desde pelo menos o Civil War National
Banking Act. Pela primeira vez, desde o fim da autorização do Second Bank of the
United States, em 1836, foi estabelecida uma organização oficial separada,
recebendo a responsabilidade explícita pelas condições monetárias e supostamente
os poderes adequados para alcançar a estabilidade monetária ou, pelo menos,
evitar instabilidade muito intensa. É portanto instrutivo comparar a experiência
como um todo antes e depois de seu estabelecimento - digamos, desde o fim da
Guerra Civil até 1914 e de 1914 até hoje, para tomar dois períodos de duração
semelhante.
O segundo período foi claramente o mais instável economicamente, quer a
instabilidade seja medida em termos de flutuações no estoque de dinheiro, nos
preços ou na produção. Em parte, a instabilidade maior reflete o efeito das duas
guerras mundiais durante o segundo período; o fato se constituiria em
instrumento de instabilidade, qualquer que fosse nosso sistema monetário. Mas,
mesmo que os anos de guerra e imediato pós-guerra sejam omitidos, e considerados
somente os anos de paz, digamos, de 1920 até 1939 e de 1947 até os nossos dias,
o resultado é o mesmo. O estoque
de dinheiro, os preços e a produção se mostram decididamente mais instáveis após
o estabelecimento do Reserve System em comparação com o período anterior. O
período mais dramático de instabilidade na produção foi evidentemente o período
entre as duas guerras, o que inclui as retrações severas de 1920-21, 1929-33 e
1937-38. Nenhum outro período de vinte anos na história americana contém três
períodos de retração tão severa.
Essa comparação tosca não prova evidentemente que o Federal Reserve System
falhou em contribuir para a estabilidade monetária. É possível que os problemas
que o System teve de enfrentar fossem mais graves do que os enfrentados pela
estrutura monetária anterior. É possível que tais problemas tivessem produzido
um grau de instabilidade monetária ainda maior sob a organização anterior. Mas a
comparação crua deveria pelo menos mostrar ao leitor a necessidade de um pouco
de prudência antes de considerar óbvio, como em geral se considera, que uma
organização estabelecida há tempo, tão poderosa e tão abrangente como o Federal
Reserve System esteja realizando uma função necessária e desejável e
contribuindo para atingir os objetivos para os quais foi criada.
Eu próprio estou convencido, na base de estudo aprofundado da evidência
histórica, de que a diferença na estabilidade econômica revelada pela comparação
pode ser de fato atribuída à diferença nas instituições monetárias. Tal
evidência persuadiu-me de que pelo menos um terço do aumento dos preços durante
e após a Primeira Guerra Mundial pode ser atribuído ao estabelecimento do  Federal Reserve System, e não teria ocorrido se o sistema bancário anterior
tivesse sido mantido; de que a severidade de cada uma das retrações mais
importantes - a de 1920-21, a de 1929-33 e a de 1937-38 - pode ser diretamente
atribuída a determinadas providências tomadas ou omitidas pelas autoridades do
Reserve e não teria ocorrido se as organizações bancárias e monetárias
anteriores ainda prevalecessem. É provável que tivessem ocorrido crises em
algumas ocasiões, mas é altamente improvável que qualquer delas se tivesse
desenvolvido numa retração importante.
Não posso apresentar aqui a evidência em questão.2 Entretanto, devido à
importância que a Grande Depressão de 1929-1933 teve na formação - ou, diria eu,
deformação - da atitude geral com relação ao papel do governo nos assuntos
econômicos, talvez seja útil indicar para tal episódio o tipo de interpretação
que a evidência sugere.
Devido às suas características dramáticas, o colapso do mercado de ações em
outubro de 1929. que pôs termo ao mercado especulador de 1928 e 1929, é
frequentemente considerado como o início e a causa imediata da Grande Depressão.
Tais suposições não são corretas. O ponto cul-
2 Ver meu livro A Program for Monetary Stability e o livro de FRIEDMAN. Milton e
SCHWARTZ. Anna "• A Monetary History of the United States. 1867-1960 (a sair
pela Princeton University Press, para o National Bureau of Economic Research).
minante dos negócios foi alcançado em meados de 1929, alguns meses antes do
colapso. Esse ponto pode muito bem ter sido atingido na data em que realmente
ocorreu em parte devido às condições de controle relativamente apertado do
dinheiro impostas pelo Federal Reserve System numa tentativa de dominar a
"especulação"
- deste modo indireto, o mercado de ações pode ter contribuído para o
aparecimento da retração. O colapso do mercado de ações, por seu lado, teve
alguns efeitos indiretos na confiança geral nos negócios e na disposição dos
indivíduos de gastar, o que exerceu influência depressiva no curso dos negócios.
Mas, por si próprios, tais efeitos não poderiam ter produzido um colapso na
atividade econômica. Quando muito, teriam tornado a crise um pouco mais longa e
um pouco mais severa do que as crises suaves que caracterizaram o crescimento da
economia americana ao longo de sua história, não a teriam tornado tão
catastrófica quanto foi.
Durante certo tempo, no primeiro ano, a crise não mostrou nenhuma das
características especiais que se tornariam dominantes mais tarde. O declínio
econômico foi mais severo do que o do primeiro ano de inúmeras cri-
• sés anteriores, provavelmente como consequência do colapso do mercado de ações
e das condições excepcionais de rígido controle do dinheijro que estavam sendo
mantidas desde 1928. Mas não mostrava nenhuma característica qualitativamente
diferente, nenhum sinal de poder degenerar em catástrofe. Com exceção de um
ingénuo raciocínio do tipo post hoc ergo propter hoc, não havia nada parecido na
situação econômica em, digamos, setembro e outubro de 1930 que pudesse tornar o
continuado e drástico declínio dos anos seguintes inevitável ou mesmo altamente
provável. Em retrospecto, é claro que o Reserve System já deveria estar-se
comportando de modo diferente; que não deveria ter permitido que o estoque de
dinheiro declinasse de cerca de 3 por cento de agosto de 1929 a outubro de 1930
- um declínio maior do que o ocorrido durante as mais severas crises anteriores
tomadas em conjunto. Embora isso tivesse sido um erro, ainda pode ser perdoado e
não foi realmente crítico.
O caráter da crise mudou drasticamente em novembro de 1930, quando uma série de
falências de bancos levou a uma enorme corrida a bancos
- o que significa tentativas dos depositantes para converter depósitos em
dinheiro. A atitude espalhou-se de parte a parte do país e atingiu um clímax em
11 de dezembro de 1930, quando o Banco dos Estados Unidos também faliu. Essa
falência foi crítica não somente porque o banco era um dos maiores do país, com
mais de 200 milhões de dólares de depósitos, mas também porque, embora se
tratasse de um banco comercial comum, seu nome tinha levado muitas pessoas no
país e no exterior a acreditar tratar-se de banco oficial.
Antes de outubro de 1930, não tinha havido nenhum sinal de crise em termos de liquidez ou qualquer perda de confiança em bancos. Desse
5
momento em diante, a economia passou a sofrer crises de liquidez recorrer tes" A
onda de falência de bancos se acalmava um pouco e recomeçava de pOjs _ quando
algumas poucas falências dramáticas ou outros fatores prc vocavam nova perda de
confiança no sistema bancário e nova série de coi ridas a bancos. Tratava-se de
fatos importantes, não tanto por causa das fa lências dos bancos, mas sobretudo
a seus efeitos no estoque de dinheiro.
/Num sistema bancário de reserva fracionária como o nosso, um banc< não tem
obviamente um dólar de moeda (ou seu equivalente) por um dó lar de depósito. É
por isto que o termo "depósito" não é conveniente e lê vá a mal-entendidos.
Quando se deposita um dólar num banco, o bancc pode acrescentar quinze ou vinte
centavos à sua caixa; o resto ele empres ta em outro guichê. O que toma
emprestado pode, por sua vez, redeposi tar a soma no mesmo banco ou em outro - e
o processo se repete. O ré sultado é que, para cada dólar de dinheiro possuído
por um banco, ele de vê diversos dólares de depósitos. O estoque total de
dinheiro - caixa mai: depósitos - para um dado volume de dinheiro em caixa é,
pois, tantc maior quanto maior for a fração de dinheiro que o público está
disposto e manter em depósito. Qualquer tentativa generalizada dos depositantes
pare "obter seu dinheiro" significará um declínio no volume total de dinheiro, c
não ser que haja algum modo de criar dinheiro adicional e algum modo de os
bancos obterem-no. Caso contrário, um banco, ao tentar atender a seus
depositantes, pressionará outros bancos pedindo empréstimos ou vendendo
investimentos ou retirando seus depósitos; e esses outros bancos, poi sua vez,
pressionarão outros ainda. O círculo vicioso, se se desenvolver livremente,
cresce por si só, pois as tentativas dos bancos para conseguirem dinheiro baixam
o preço dos títulos, tornam insolventes bancos que, na realidade, eram seguros,
abalam a confiança dos depositantes e dão início a um novo círculo.
Foi esse precisamente o tipo de situação que levou a um pânico bancário durante
o sistema pré-Federal Reserve e a uma suspensão geral da conversão de depósitos
em dinheiro em 1907. A suspensão foi um passo drástico e, durante certo tempo, a
situação piorou. Mas foi também uma medida terapêutica. Foi capaz de cortar o
círculo vicioso, impedindo o alastramento do contágio, evitando que a falência
de alguns poucos bancos viesse a pressionar outros levando também a falência
bancos sólidos. Em poucas semanas ou meses, quando a situação se estabilizou, a
suspensão foi cancelada e a recuperação começou sem retração monetária.
Como vimos, uma das maiores razões para a criação do Federal Reserve System foi
a de resolver tais situações. Foi-lhe dado. por isso. o poder de criar mais
dinheiro se viesse a surgir uma demanda generalizada por parte do público e
também os meios de tornar o dinheiro disponível aos bancos, com a garantia do
ativo de cada banco. Desse modo. esperava-se que qualquer ameaça de pânico
pudesse ser controlada: que não houvesse a ne-
cessidade de suspender a conversão de depósitos em dinheiro; e que os efeitos
depressivos de crises monetárias pudessem, assim, ser inteiramente evitados.
A primeira vez em que esses poderes se tornaram necessários, e, portanto, o
primeiro teste de sua eficiência, ocorreu em novembro e dezembro de 1930, como
resultado das falências bancárias já comentadas acima. O Reserve System falhou
tristemente. Fez muito pouco ou nada para fornecer liquidez aos bancos,
considerando aparentemente o fechamento de bancos como pouco importante. É
conveniente enfatizar, contudo, que o fracasso do System foi um fracasso de
vontade, e não de poder. Nessa ocasião, como nas que se seguiram, o System tinha
amplos poderes para fornecer aos bancos o dinheiro que seus depositantes
reclamavam. Se isto tivesse sido feito, o fechamento dos bancos teria sido
evitado e a débâcle monetária não ocorreria.
A onda inicial de falências de bancos arrefeceu e, em princípios de 1931, já
havia sinais de um retorno da confiança. O Reserve System aproveitou a
oportunidade para reduzir o crédito - o que quer dizer que controlou as forças
naturalmente expansivas adotando uma ação que levava a uma deflação branda.
Mesmo assim, havia sinais de recuperação não somente no setor monetário mas
também em outras atividades econômicas. Os números para os primeiros quatro ou
cinco meses de 1931, se examinados sem referência ao que ocorreu em seguida, apresentam todos os sinais do fim de uma fase e do princípio de uma renovação.
A tentativa de renovação foi, contudo, muito curta. Novas falências de bancos
começaram novas séries de corridas e o consequente declínio no estoque do
dinheiro. Ainda desta vez, o Reserve System permaneceu inativo. Em face de uma
liquidação sem precedentes do sistema bancário comercial, os livros do
encarregado dos empréstimos "de última hora" mostram um declínio no volume de
crédito à disposição dos bancos membros da organização.
Em setembro de 1931, a Grã-Bretanha abandonou o padrão ouro. Este ato foi
precedido e seguido por retiradas de ouro dos Estados Unidos. Embora o ouro
estivesse entrando nos Estados Unidos nos últimos dois anos e o estoque norte-
americano
de ouro e a reserva de ouro do Federal Reserve estivessem num ponto máximo, o
Reserve System reagiu vigorosa e prontamente contra a saída do ouro para o
exterior, apesar de não haver tomado semelhante atitude na crise interna
anterior. E reagiu de um modo que iria certamente intensificar as dificuldades
financeiras internas. Após mais de dois anos de severa crise econômica, o Sysfem
aumentou a taxa de desconto - a taxa de juros que aplicava aos empréstimos aos
bancos-membros; e o aumento foi maior, em termos de período de tempo, do que
qualquer outro de sua história. A medida estancou a retirada de ouro. Mas foi
acompanhada por um aumento espetacular de falência de bancos e de corridas para
retiradas. Nos seis meses que decorreram de agosto de 1a janeiro de 1932, um
entre dez bancos existentes suspendeu as opei coes, e os depósitos totais em
bancos comerciais caíram 15 por cento.
Uma mudança temporária de política em 1932 envolvendo a comp de um bilhão de
dólares em títulos do governo atenuou um pouco o ritn do declínio. Se esta
medida tivesse sido tomada em 1931, teria, quase et tamente, evitado a débâcle
aqui descrita. Em 1932, já era tarde demais, e medida funcionou como mero
paliativo; e, quando o System voltou à pás; vidade, a melhora temporária foi
seguida de mais um colapso terminanc no Banking Holiday de 1933 - quando todos
os bancos dos Estados Ur dos foram oficialmente fechados por mais de uma semana.
Um sistema e tabelecido em grande parte para evitar uma suspensão temporária da
cor versão de depósitos em dinheiro - uma medida que havia anteriormenl evitado
a falência de bancos - possibilitou primeiro que um terço dos bar cos do país
deixasse de existir e depois levou a uma suspensão da convei são
incomparavelmente mais severa e extensa do que qualquer suspensa-anterior.
Entretanto, tão grande é a capacidade de autojustificação que > Federal Reserve
Board foi capaz de escrever em seu relatório anual d 1933:
"A capacidade que o Federal Reserve Banks demonstrou de poder atende a enormes
demandas de dinheiro durante a crise evidenciou a eficiência de sistema
monetário do país sob o Federal Reserve Act... É difícil dizer qual teric sido o
desenvolvimento da presente depressão se o Federal Reserve Systerr não tivesse
seguido uma política liberal de compras no open market".
Em resumo, de julho de 1929 a março de 1933, o estoque de dinheiro nos Estados
Unidos caiu de um terço, e mais de dois terços do declínio teve lugar após a
Inglaterra sair do padrão ouro. Se se tivesse evitado a queda do estoque de
dinheiro, como era claramente possível, a crise teria sido bem menos longa e bem
mais suave. Ainda poderia ser considerada como relativamente severa em termos de
padrões históricos. Mas é totalmente inconcebível que, no decorrer de quatro
anos, a renda monetária pudesse ter declinado mais de 50% e os preços, mais de
30%, não fosse a diminuição no estoque de dinheiro. Não conheço nenhuma
depressão severa em qualquer país ou em qualquer época que não tenha sido
acompanhada por um declínio agudo no estoque de dinheiro: e nenhum declínio
agudo no estoque de dinheiro que não tenha sido acompanhado por uma grave
depressão.
A Grande Depressão nos Estados Unidos, longe de ser um sinal da instabilidade
inerente do sistema de empresa privada, constitui testemunho de quanto mal pode
ser causado por erros de um pequeno grupo de homens quando dispõem de vastos
poderes sobre o sistema monetário de um país.
E possível que esses erros possam ser desculpados na base do conhecimento
disponível naquela ocasião - embora eu ache que não. Mas. este não é realmente o
ponto. Qualquer sistema que dê tanto poder a um gru-P° de homens cujos erros -
comoreensu/pis nu n5^ _ .-i- *•- -'-••
tão severos e amplos é um mau sistema. É um mau sistema para os que acreditam na
liberdade justamente porque dá a poucos homens um poder tão grande sem que seja
exercido nenhum controle efetivo pelo corpo político - este é o argumento-chave
político contra um banco central "independente". Mas é um mau sistema, mesmo
para os que põem a segurança acima da liberdade. Erros, compreensíveis ou não,
não podem ser evitados em sistemas que dispersam a responsabilidade mas dão
poderes amplos a um pequeno grupo de homens e, portanto, tornam ações políticas
importantes altamente dependentes de acidentes de personalidade. É este o
argumento-chave técnico contra a existência de um banco central "independente".
Parafraseando Clemenceau, dinheiro é coisa importante demais para ser deixado
aos banqueiros centrais.
Normas em vez de autoridades
Se não podemos alcançar nossos objetivos nem por meio de um padrão ouro
inteiramente automático nem por meio da ação livre de autoridades independentes
- como poderemos estabelecer um sistema monetário estável e ao mesmo tempo livre
da influência irresponsável do governo, um sistema capaz de fornecer a estrutura
monetária indispensável a uma economia de livre empresa e que não possa ser
usada como fonte de poder para ameaçar a liberdade econômica e política?
O único meio já sugerido e que parece promissor é tentar estabelecer um governo
de lei, em vez de um governo de homens, por meio da legislação de normas para a
direção da política monetária, a qual teria o efeito de permitir ao público
exercer o controle da política monetária por meio das autoridades políticas e,
ao mesmo tempo, evitaria que a política monetária fosse vítima dos caprichos das
autoridades políticas.
A questão do estabelecimento de normas para a política monetária tem muito em
comum com um tópico que parece a princípio muito diferente - o da primeira
emenda da Constituição. Sempre que alguém sugere a conveniência de uma norma
legislativa para o controle do dinheiro, a resposta estereotipada é a de que não
faz sentido atar as mãos das autoridades monetárias deste modo, porque a
autoridade, se quiser, pode sempre fazer o que a norma estabelece por vontade
própria e, além disso, dispõe de outras alternativas; logo, "com certeza",
conclui-se, pode funcionar melhor do que a norma. Uma versão alternativa do
mesmo argumento é aplicada à legislatura. Se a legislatura se mostra disposta a
aceitar a norma, diz-se, ela também estará disposta a legislar a norma "correta"
em cada caso específico. Como então, conclui-se, pode a adoção de norma fornecer
pro-teção contra a ação política irresponsável?
O mesmo argumento pode ser aplicado com pequenas alterações à primeira emenda da
Constituição e, igualmente, à Constituição inteira. Não é
absurdo ter uma prescrição-padrão relativa a liberdade de palavra? Por que não
tomar cada caso separadamente, e tratá-lo de acordo com suas características
específicas? Não é essa a contrapartida ao argumento usual em política monetária
de que não é conveniente amarrar as mãos das autoridades monetárias
antecipadamente, de que devem ser deixadas livres para tratar de cada caso
conforme seus próprios méritos? Por que não é o argumento igualmente válido para
a liberdade de palavra? Um homem deseja postar-se na esquina de uma rua e falar
a favor do controle da natalidade; um outro, sobre o comunismo, um terceiro,
sobre o vegetarianismo; e assim por diante, ad in/initum. Por que não aprovar
uma lei afirmando ou negando a cada um deles o direito de falar sobre tais temas
específicos? Ou, de modo alternativo, por que não dar o poder de decidir a
questão a uma agência administrativa? Fica imediatamente claro que, se tomarmos
cada caso separadamente, a maioria quase certamente votará para negar a
liberdade de palavra na maior parte dos casos ou talvez mesmo em cada caso
tomado separadamente. Se o desejo do Sr. X de fazer propaganda do controle da
natalidade for submetido a votação, com certeza terá resultado negativo; o mesmo
acontecerá com o comunismo. O vegetariano talvez consiga permissão para se
expressar, embora não tenha muita certeza disso.
Agora, suponhamos que todos esses casos sejam agrupados num só conjunto e o povo
solicitado a votar nele como um todo; votar para decidir se se deve dar
liberdade de palavra ou não a todos estes casos agrupados. É perfeitamente
possível, e eu diria mesmo altamente provável, que grande maioria vote pela
liberdade de palavra; isto é, ao votar no grupo em conjunto, as pessoas votariam de modo exatamente oposto ao que fariam se tivessem que votar em cada caso
separadamente. Por quê? Uma das razões é que as pessoas se preocupam mais com o
perigo de serem privadas do seu direito de liberdade de palavra quando
constituem uma minoria do que com o perigo envolvido em privar alguém de seu
direito de liberdade de palavra quando fazem parte de uma maioria. Como
consequência, quando votam no conjunto como um todo, dão muito mais peso à
negação pouco frequente que lhes é feita de sua liberdade de palavra quando
fazem parte de uma minoria do que à negação frequente da liberdade de palavra a
outros.
Uma outra razão - e esta apresenta relevância mais direta para a política
monetária - é que, se os casos são considerados em conjunto, torna-se claro que
a política seguida tem efeitos cumulativos, que tendem a não ser reconhecidos e
a não ser levados em conta quando cada caso é votado em separado. Quando um voto
é apresentado sobre se o Sr. X pode falar numa praça, não se leva em conta os
efeitos favoráveis de uma propalada política geral de liberdade de palavra. Não
se considera o fato de que a sociedade em que as pessoas não têm a liberdade de
se expressarem em praças sem legislação especial tornar-se-á uma sociedade em
que o desenvolvimento de ideias novas, experimentação, mudança etc ficarão
seriamente
comprometidos - o que é óbvio para nós todos que temos a sorte de ter vivido
numa sociedade que não considera cada caso de liberdade de palavra
separadamente.
Exatamente o mesmo raciocínio se aplica na área monetária. Se cada caso for
considerado em termos de seus próprios méritos, a decisão errada terá grande
probabilidade de ser adotada em bom número de casos, pois os responsáveis pela
tomada de decisão estão examinando somente uma área limitada e não levam em
conta as consequências cumulativas da política como um todo. De outro lado, se
uma norma geral for adotada para um conjunto de casos, a existência desta regra
tem efeito favorável nas atitudes, crenças e expectativas das pessoas - o que
não aconteceria, mesmo no caso da adoção discriminatória de política exatamente
idêntica numa série de casos em ocasiões separadas.
Se uma norma precisa ser legislada, qual deverá ser? A norma mais frequentemente
sugerida por pessoas de convicções liberais é a da norma do nível de preço; isto
é, uma diretriz legislativa às autoridades monetárias para manterem um nível de
preço estável. Acho que se trata de uma norma errada, por ser estabelecida em
termos de objetivos para cujo alcance as autoridades não dispõem de poderes
claros e diretos. E conseqüente-mente sobrevêm o problema da dispersão das
responsabilidades, deixando as autoridades muito à vontade. Há de fato uma
conexão estreita entre ações monetárias e o nível de preço. Mas a conexão não é
tão invariável ou tão direta que o objetivo de alcançar um preço estável possa
constituir uma direção apropriada para as atividades diárias das autoridades.
A questão da norma a adotar já foi considerada em detalhes por mim.3 Portanto,
limitar-me-ei a apresentar aqui minha conclusão. No estado presente de nosso
conhecimento, parece-me conveniente estabelecer a regra em termos do
comportamento do estoque de dinheiro. Minha escolha no momento seria a de uma
norma que instruísse as autoridades monetárias a alcançar determinada taxa de
aumento no estoque de dinheiro. Para isso, eu definiria o estoque de dinheiro
como incluindo o dinheiro existente fora dos bancos comerciais e os depósitos
nos bancos comerciais. Determinaria também que o Reserve System providenciasse
para que o total de estoque de dinheiro assim definido aumentasse de mês para
mês e, de fato, até onde possível, de dia para dia, uma taxa anual de X, onde X
fosse um número entre 3 e 5. A definição precisa de dinheiro adotada, ou a taxa
precisa de aumento escolhida, é menos importante do que a escolha definida de
uma determinada definição e de uma determinada taxa de aumento.
Na atual situação, tal norma cortaria drasticamente o poder discriminatório das
autoridades monetárias; mas ainda deixaria um volume indesejável de liberdade
nas mãos do Federal Reserve e das autoridades do Tesou-
3 A Program for Monetary Stabi/ify. Op. cit., p. 77-99.
ro com respeito a como alcançar a taxa estabelecida de crescimento no estoque de
dinheiro, a administração da dívida e a supervisão bancária, entre outras
coisas. Reformas bancárias e fiscais adicionais, que descrevi em detalhes em outra obra,
seriam não só necessárias como convenientes. Teriam o efeito de eliminar a atual
intervenção governamental nos empréstimos e nos investimentos e de converter as
operações governamentais de financiamento, de fonte perpétua de instabilidade e
incerteza em atividade razoavelmente regular e previsível. Mas, embora
importantes, essas reformas adicionais são menos básicas do que a adoção de uma
norma que limite a liberdade das autoridades monetárias no que concerne ao
estoque de dinheiro.
Gostaria de enfatizar que não considero minha proposta particular como
definitiva da administração monetária a qual devesse ser registrada no bronze e
adotada por toda a eternidade. Parece-me, contudo, a norma que oferece as
melhores possibilidades de levar a um certo grau de estabilidade monetária, à
luz do nosso conhecimento atual. Tenho naturalmente esperanças de que, à medida
que trabalhássemos com ela, à medida que aprendêssemos mais sobre assuntos
monetários, poderíamos ser capazes de conceber normas melhores, que levariam a
resultados ainda melhores. Esta norma me parece a única atualmente disponível
para converter a política monetária num dos sustentáculos de uma sociedade livre
- em vez de permitir que continue constituindo uma ameaça às suas bases.

Capitalismo e Liberdade - Milton FriedmanOnde histórias criam vida. Descubra agora