Finanças Internacionais e Problemas de Mercado
O problema dos acordos monetários internacionais consiste na relação entre as
diversas moedas nacionais: os termos e condições sob os quais os indivíduos
podem converter dólares americanos em libras esterlinas, dólares canadenses em
dólares americanos etc. Esse problema está estreitamente ligado ao controle do
dinheiro discutido no capítulo anterior. Está ligado também às políticas
governamentais a respeito do mercado internacional, por ser o controle sobre o
mercado internacional uma das técnicas de regular os pagamentos internacionais.
Importância dos acordos monetários internacionais para a liberdade econômica
A despeito de seu caráter técnico e de sua desanimadora complexidade, o tema dos
acordos monetários internacionais não pode ser negligenciado por um liberal.
Basta dizer que, hoje, a ameaça mais séria a curto prazo para a liberdade
econômica dos Estados Unidos - além. naturalmente, do início da Terceira Guerra
Mundial - é a de sermos levados a adotar controles econômicos cada vez mais
extensos a fim de "resolver" o problema do balanço de pagamentos. A
interferência com o comércio internacional parece inócua; pode obter o apoio de
pessoas que. em outras ocasiões, se mostram apreensivas com a interferência do
governo nos assuntos econômicos: inúmeros homens de negócios consideravam-na
como parte do American Way o/ Li/e, mas há poucas interferências tão capazes de
se desenvolverem tanto e de se tornarem tão destrutivas para a economia livre.
Já há bastante experiência para que possamos concluir que a maneira mais efetiva
de converter uma economia de mercado numa sociedade de economia autoritária
consiste em começar a impor controles diretos sobre o câmbio. Esse primeiro
passo leva imediatamente ao racionamento das importações, ao controle da
produção doméstica que utiliza produtos importados ou que produz substitutos
para as importações - e assim por diante numa espiral sem fim. Entretanto, mesmo
um defensor tão ardoroso da livre empresa como o Senador Barry Goldwater foi às
vezes levado, quando discutia o chamado "gold flow", a sugerir restrições nas
transações cambiais como uma "cura" necessária. Tal "cura" seria
extraordinariamente pior do que a moléstia.
Na verdade, há pouca novidade sob o sol em matéria de política econômica; o que
se apresenta corno novo não é senão o que foi recusado pelo século anterior sob
algum disfarce. A não ser que me engane, contudo, controles cambiais completos e
a chamada "não-conversão de moedas" são uma exceção, e sua origem revela marca
autoritária. Até onde sei, foram inventadas por Hjalmar Schact nos primeiros
anos do regime nazista. /Em inúmeras ocasiões no passado, é claro, as moedas
foram descritas como não-conversíveis. Mas essa palavra significava, então,
simplesmente que o governo do dia não estava disposto ou não podia converter
papel moeda em ouro ou prata - ou na mercadoria que fosse indicada - na
proporção especificada. Raramente, porém, isso significou que um país proibia
seus cidadãos ou residentes de comerciar pedaços de papel1 prometendo pagar
determinadas somas na moeda do país por pedaços correspondentes de papel moeda
de outro país - ou pagar determinada mercadoria com moedas ou lingotes./Durante a Guerra Civil nos Estados Unidos e por mais quinze anos depois, por exemplo, a
moeda americana foi inconversí-vel no sentido de que os portadores da mesma não
podiam devolvê-la ao Tesouro e obter um certo volume de ouro por ela. Mas,
durante todo o período, os cidadãos puderam comprar ouro ao preço de mercado ou
comprar e vender libras inglesas com dinheiro americano ao preço mutuamente
conveniente às duas partes envolvidas.
Nos Estados Unidos, o dólar tornou-se inconversível no sentido antigo desde
1933.
E, portanto, ilegal aos cidadãos americanos guardar, comprar ou vender ouro. O
dólar não se tornou inconversível no sentido novo. Mas, infelizmente, parece que
estamos adotando políticas que, cedo ou tarde, muito provavelmente nos levarão
em tal direção.
Papel do ouro no sistema monetário americano
Somente o atraso cultural nos leva ainda a pensar no ouro como o elemento
central de nosso sistema monetário. Uma descrição mais apurada do papel do ouro
na política dos Estados Unidos indica tratar-se basicamente de uma mercadoria
cujo preço é sustentado, como o do trigo e de outros produtos agrícolas. Nosso
programa de manutenção do preço do ouro difere em três pontos importantes do
programa adotado para o trigo: primeiro, pagamos o preço em questão tanto para o
produtor externo como
para o interno; segundo, vendemos livremente ao preço em questão para os
compradores do exterior, mas não para os do país; terceiro, e este constitui uma
relíquia importante do papel monetário do ouro, o Tesouro está autorizado a
imprimir dinheiro para pagar o ouro que compra, de modo que as despesas da
compra do ouro não aparecem no orçamento e as somas necessárias não precisam ser
explicitamente reservadas pelo Congresso; de modo semelhante, quando o Tesouro
vende ouro, o livro mostra simplesmente uma redução nos certificados de ouro, e
não um recibo que entre no orçamento.
Quando o preço do ouro foi primeiramente fixado no seu nível atual de 35 dólares
a onça, em 1934, o preço estava bem acima do preço do ouro no mercado livre. Em
consequência, o ouro inundou os Estados Unidos, nosso estoque de ouro triplicou
em seis anos e chegamos a possuir bem mais do que a metade do estoque de ouro do
mundo. Acumulamos um excedente de ouro pela mesma razão por que acumulamos um
excedente de trigo - o governo ofereceu preço mais alto que o do mercado. Mais
recentemente, a situação mudou. O preço do ouro legalmente fixado permaneceu no
nível de 35 dólares; os preços de outras mercadorias dobraram ou triplicaram.
Portanto, 35 dólares constituem agora menos do que seria o preço no mercado
livre1. Como consequência disso, estamos enfrentando uma "falta", e não um
excedente, exatamente pela mesma razão por que o teto nos aluguéis leva a uma
"falta"
de casas -, uma vez que o governo está tentando manter o preço do ouro abaixo do
preço do mercado.
O preço legal do ouro já deveria ter sido aumentado há muito tempo - da mesma
forma que o preço do trigo tem sido aumentado de tempos em tempos - exceto que,
no caso do ouro, os dois maiores produtores, e por conseguinte os dois maiores
beneficiários de um aumento de preço, seriam a União Soviética e a África do
Sul,
dois países pêlos quais os Estados Unidos nutrem menos simpatias políticas.
O controle governamental do preço do ouro - da mesma forma que o controle de
qualquer outro preço - é inconsistente com uma economia livre. Esse pseudopadrão
ouro deve ser claramente distinguido do uso do ouro como dinheiro sob um
verdadeiro padrão ouro, o qual é inteiramente consistente com uma economia
livre,
embora não seja de fato praticável. Ainda mais que a fixação do preço como tal,
as medidas associadas tomadas em 1933 e 1934 pela administração Roosevelt,
quando aumentou o preço do ouro, representaram um afastamento fundamental dos
princípios liberais e estabeleceram precedentes que serviriam para contagiar o
mundo livre. Refiro-me à nacionalização do estoque de ouro. à proibição de
propriedade privada do ouro para propósitos monetários e à ab-rogação da
cláusula do ouro em contratos públicos e privados.
t bom observar que se trata aqui de um ponto sutil que depende do que é mantido constante na estimativa do preço do mercado livre, particularmente com respeito
ao papel monetário do ouro.
Em 1933 e princípios de 1934, os proprietários particulares de ouro foram
obrigados por lei a devolvê-lo ao Governo Federal. Foram compensados com preço
igual ao fixado pela lei anterior, que estava na ocasião bem abaixo do preço de
mercado. Para tornar tal obrigação efetiva, a propriedade privada de ouro nos
Estados Unidos foi tornada ilegal, com exceção de sua utilização nas artes. É
difícil imaginar medida mais destrutiva dos princípios da propriedade privada
sobre os quais repousam as bases de uma sociedade de livre empresa. Não há
nenhuma diferença, em princípio, entre essa nacionalização do ouro a preço
artificialmente baixo e a nacionalização da terra e das fábricas feita por Fidel
Castro a preço artificialmente baixo. De que modo podem os Estados Unidos
protestar contra essa nacionalização após terem realizado a primeira? No
entanto,
tão grande é a cegueira de alguns partidários da livre empresa com relação ao
ouro que. em 1960, Henry Alexander, chefe da Morgan Guaranty Trust Company,
sucessora da J. P. Morgan & Co., propôs que a proibição da propriedade de ouro
por cidadãos dos Estados Unidos fosse estendida ao ouro mantido no exterior! E
sua proposta foi adotada pelo Presidente Eisenhower, sem nenhum protesto por
parte da comunidade bancária.
Embora baseada no argumento da "conservação" do ouro para uso monetário, a
proibição da propriedade privada de ouro não foi estabelecida na base de
propósitos monetários, fossem eles bons ou maus. Foi adotada para permitir ao
governo colher o lucro do aumento do preço - ou talvez para impedir que alguns
indivíduos se beneficiassem dele.
A ab-rogação da clausula ouro teve propósito semelhante. E também traz em si a
destruição dos princípios básicos da livre empresa. Contratos fechados em boa-fé
e com inteiro conhecimento de ambas as partes foram declarados destituídos de
valor em benefício de uma das partes!
Pagamentos e fuga de capital
Ao discutir as relações monetárias internacionais num nível mais geral, é
necessário distinguir dois problemas diferentes: o balanço de pagamentos e o
perigo de uma corrida ao ouro. A diferença entre os dois problemas pode ser
ilustrada de modo simples considerando a analogia de um banco comercial comum. O
banco deve organizar seus negócios de tal modo que perceba, sob a forma de taxa
de serviços, juros sobre empréstimos etc.. um total bastante grande para
permitir-lhe fazer frente às suas despesas - salários, juros sobre fundos
levantados, custo de suprimentos, lucros para os acionistas etc. Deve, portanto,
lutar para ter um bom volume de rendas. Mas mesmo um banco que esteja em boas
condições em termos de renda pode passar por sérias dificuldades se, por
qualquer motivo, seus depositantes vierem a perder a confiança nele e
subitamente exigirem em massa a devolução de seus depósitos. Inúmeros bancos
sólidos foram forçados a fechar as portas devido a corridas desse tipo durante a
crise de liquidez descrita no capítulo anterior.
Os dois problemas não são evidentemente independentes. Uma razão importante pela
qual os depositantes podem perder a confiança num banco é o fato de este estar
apresentando perdas em seu balanço. E contudo os dois problemas são também muito
diferentes. De um lado. problemas de perdas no balanço surgem em geral de modo
muito lento, e há sempre bastante tempo disponível para resolvê-los. Quase nunca
aparecem de surpresa. Uma corrida, de outro lado. pode surgir subitamente e de
modo imprevisível.
A situação dos Estados Unidos é precisamente paralela. Os residentes e o próprio
Governo dos Estados Unidos estão interessados em comprar moedas estrangeiras com
dólares de modo a adquirir mercadorias e serviços em outros países, investir em
empreendimentos no exterior, pagar juros de dívidas, devolver empréstimos ou dar
presentes a outras pessoas - em termos privados ou públicos. Ao mesmo tempo,
estrangeiros estão interessados em adquirir dólares com moedas estrangeiras para
propósitos correspondentes. Após o fato, o número de dólares gastos para
adquirir moedas estrangeiras será precisamente igual ao número de dólares
comprados com moedas estrangeiras - do mesmo modo que o número de pares de
sapatos vendidos é precisamente igual ao número comprado. A aritmética é simples
- a compra de um homem é a venda do outro. Mas não há nada que nos garanta que a um determinado preço da moeda estrangeira em termos de dó/ares, o número de
dólares que alguém quer gastar seja igual ao número de dólares que os outros
querem comprar - do mesmo modo que não há nada que nos garanta que a um
determinado preço para os sapatos o número de pares de sapatos que umas pessoas
querem comprar seja exatamente igual ao número de pares que outras pessoas
querem vender. A igualdade ex post reflete certos mecanismos que eliminaram
qualquer discrepância ex ante. O problema de se chegar a um mecanismo apropriado
a este objetivo é a contrapartida do problema do barico com relação
a seu balanço.
Além disso, os Estados Unidos têm. como o banco, o problema de evitar uma
corrida. Os Estados Unidos têm o compromisso de vender ouro a bancos centrais e
governos estrangeiros a 35 dólares a onça. Bancos centrais estrangeiros,
governos e residentes possuem enormes fundos nos Estados Unidos sob a forma de
depósitos ou títulos que podem ser facilmente vendidos por dólares. A qualquer
momento, podem eles dar início a uma corrida ao Tesouro americano, tentando
converter seus dólares em ouro. Foi isso precisamente o que aconteceu em fins de
l^nO e que poderá voltar a acontecer a qualquer momento no futuro tdkv: ;iv
mesmo antes da
publicação deste livro).
Os dois problemas estão relacionados de d"> •• ' - l m primeiro lu
64 gar, como com relação a bancos, as dificuldades apresentadas no balanço são a
maior fonte de perda da confiança na capacidade de os Estados Unidos honrarem
sua promessa de vender ouro a 35 dólares a onça. O fato de os Estados Unidos
terem sido obrigados a recorrer a empréstimos no exterior de modo a equilibrar
sua conta corrente é a razão principal que leva os possuidores de dólares a se
interessarem em convertê-los em ouro ou em outras moedas. Em segundo lugar, o
preço fixo do ouro constitui o dispositivo que adotamos para prender outro
conjunto de preços - o preço do dólar em termos de moedas estrangeiras -, e o
fluxo do ouro, o meio que adotamos para resolver discrepâncias ex ante no
balanço de pagamentos.
Mecanismos alternativos para obter o equilíbrio nos pagamentos externos
Poderemos esclarecer melhor as relações acima, considerando que mecanismos
alternativos estão disponíveis para obter um equilíbrio nos pagamentos - o
primeiro e, de muitos modos, o mais fundamental dps dois problemas.
/ ^Suponhamos que os Estados Unidos estejam em situação de equilíbrio ó razoável
em termos de pagamentos internacionais e sobrévenha algo, alterando a situação
por meio, digamos, da redução do número de dólares que estrangeiros desejam
comprar em comparação com o número de dólares que os residentes nos Estados
Unidos queiram vender; ou, encarando o caso do outro ponto de vista, por meio do
aumento da quantidade de moeda estrangeira que os possuidores de dólares desejam
comprar em comparação com a que possuidores de moedas estrangeiras desejam
vender por dólares. Isto é, algo "ameaça" produzir um "déficit" nos pagamentos
dos Estados Unidos. Tal situação pode resultar do aumento da eficiência na
produção do exterior ou diminuição da eficiência no país, aumento das despesas
dos Estados Unidos em ajuda externa ou redução de tais despesas por parte de
outros países, ou um milhão de outras mudanças que estão sempre ocorrendo.
Há quatro, e somente quatro, modos pêlos quais um país pode tentar ajustar-se a
tais distúrbios e algumas combinações destes modos devem ser usadas.
1. As reservas de moedas estrangeiras dos Estados Unidos podem ser diminuídas ou
as reservas estrangeiras de moeda americana aumentadas. Na prática, isso
significa que o Governo dos Estados Unidos pode deixar o seu estoque de ouro
baixar, pois o ouro é intercambiável com moedas estrangeiras, ou pode pedir
emprestado moedas estrangeiras e torná-las disponíveis por dólares a taxas de
câmbio oficiais; ou os governos estrangeiros podem acumular dólares vendendo a
residentes dos Estados Unidos moe-
das estrangeiras a taxas oficiais. A utilização das reservas é, obviamente,
auando muito, um expediente temporário. De fato, é precisamente o uso extensivo
desse expediente pêlos Estados Unidos o responsável pela grande preocupação com o balanço de pagamentos.
2. Os preços internos nos Estados Unidos podem ser reduzidos em comparação com
os preços externos. Este é o principal mecanismo de adaptação num padrão ouro
completo. Um déficit inicial produziria uma saída de ouro (mecanismo l acima); a
saída do ouro produziria um declínio no estoque de dinheiro; o declínio no
estoque de dinheiro produziria uma queda nos preços e lucros internos. Ao mesmo
tempo, os efeitos contrários ocorreriam no exterior: a entrada do ouro
expandiria o estoque de dinheiro e, portanto, preços e lucros se elevariam.
Preços mais baixos nos Estados Unidos e preços mais altos no exterior tornariam
as mercadorias americanas mais atrativas para estrangeiros e, portanto,
aumentaria o número de dólares que desejariam comprar; ao mesmo tempo, as
mudanças de preço tornariam as mercadorias estrangeiras menos atrativas para os
residentes nos Estados Unidos e, portanto, diminuiria o número de dólares que
desejariam vender. Ambos os efeitos funcionariam para reduzir o défi-rt e
reequilibrar o balanço sem a necessidade de saídas adicionais de ouro.
Sob os padrões atuais, tais efeitos não são automáticos. Saídas de ouro podem
ainda ocorrer como um primeiro passo, mas não afetariam o estoque de dinheiro
tanto no país que perdesse quanto no país que ganhasse ouro, a não ser que as
autoridades monetárias dos dois países decidissem que isso deveria acontecer.
Atualmente em todos os países, o Banco Central ou o Tesouro tem o poder de
contornar a influência da saída do ouro ou de alterar o estoque de dinheiro sem
saídas de ouro. Portanto, tal mecanismo só será usado se as autoridades do país
que está sofrendo o déficit quiserem produzir a deflação, criando assim
desemprego, a fim de resolver seus problemas de pagamento; ou se as autoridades
do país em estado de superavit estejam dispostas a produzir a inflação.
3. Exatamente os mesmos efeitos podem ser obtidos por meio de uma alteração nas
taxas de câmbio ou nos preços internos. Por exemplo, suponhamos que, sob o
mecanismo 2, o preço de um determinado carro nos Estados Unidos caia de 10%. de
2 800 dólares para 2 520 dólares. Se o preço da libra for 2.80 dólares, isto
significa que o preço na Inglaterra (não considerando frete e outras despesas)
cairia de l 000 para 900 libras. Exatamente o mesmo declínio nos preços
britânicos poderia ocorrer, sem nenhuma alteração no preço nos Estados Unidos,
se o preço da libra subisse de 2,80 para 3,11 dólares. Anteriormente, os
ingleses teriam que gastar 1000 libras para obter 2 800 dólares. Agora, poderiam
obter 2 800 dólares por somente 900 libras. Mas os ingleses não saberiam da
diferença existen-", entre esta redução do custo e a correspondente redução por
meio de
uma baixa no preço nos Estados Unidos sem uma mudança na taxa de câmbio.
Na prática, há uma série de modos pêlos quais a mudança na taxa de câmbio pode
ocorrer. Com o tipo de taxas de câmbio amarradas que inúmeros países têm agora,
ela pode ocorrer por meio de desvalorização ou da valorização, que consiste em,
digamos, uma declaração governamental de que está sendo mudado o preço ao qual
pretende amarrar sua moeda. Alternativamente, a taxa de câmbio não precisa ser
amarrada, pode tratar-se de urna taxa de mercado móvel, alterando-se de dia para
dia, como aconteceu com o dólar canadense de 1950 a 1962. Se se tratar de uma
taxa de mercado, pode ser realmente livre, determinada fundamentalmente por
transações privadas, como aconteceu com o Canadá de 1952 a 1961. ou pode ser
manipulada por especulações do governo, como aconteceu com a Inglaterra, de 1931
a 1939, e no Canadá, de 1950 a 1952 e ainda de 1961 a 1962.
Entre todas essas técnicas, somente a taxa de câmbio de flutuação livre é
inteiramente automática e livre do controle governamental.
4. Os ajustamentos produzidos pêlos mecanismos 2 e 3 consisfem em mudanças no
fluxo de mercadorias e serviços induzidos por mudanças nos preços internos ou
nas taxas de câmbio. Em vez disso, controles governamentais diretos ou
interferências com o comércio, podem ser usados para reduzir as despesas dos
Estados Unidos com dólares e expandir os recebimentos. As tarifas podem ser
aumentadas para controlar as importações, subsídios podem ser criados para
estimular as exportações, cotas de importação podem ser impostas sobre certo
grupo de mercadorias, investimentos de capital no exterior por cidadãos e firmas
americanos podem ser controlados, e assim por diante até os dispositivos de
controle de câmbio. Nessa categoria, devem ser incluídos não só os controles
sobre as atividades privadas, mas também mudanças nos programas governamentais com vistas ao equilíbrio nos pagamentos. Os recipientes de ajuda externa podem
ser obrigados a gastar nos Estados Unidos as quantias envolvidas; os militares
podem adquirir mercadorias nos Estados Unidos a preços mais altos em vez de
adquiri-las no exterior, de modo a economizar "dólares" - na terminologia
contraditória usada -, e assim por diante.
A coisa importante a notar é que um ou outro dentre esses quatro mecanismos
terão que ser usados. Os livros têm que mostrar a situação de equilíbrio. Os
pagamentos têm que igualar os recebimentos. A questão única é como.
A nossa anunciada política nacional tem sido e continua sendo a de não recorrer
a nenhum dos mecanismos acima citados. Num discurso em dezembro de 1961,
proferido na National Association of Manufacturers, o Presidente Kennedy
declarou: "A presente administração, portanto, durante o tempo em que estiver no
poder - e eu repito isto da maneira mais cla-
ra _ não tem a intenção de impor controles cambiais, desvalorizar o dólar,
levantar barreiras alfandegárias ou perturbar nossa recuperação econômica". Em
termos lógicos, isso revela apenas duas possibilidades: conseguir que os outros
países tomem as medidas relevantes, o que constitui um recurso muito pouco
seguro, ou baixar as reservas, o que o Presidente e outros membros do governo
declaram repetidamente que não deveria continuar acontecendo. Contudo, o Time
reportou que a promessa do Presidente foi recebida "com um estouro de aplausos"
por parte da audiência de homens de negócios. Até onde se pode concluir de nossa
política econômica, estamos na posição de um homem que gasta mais do que ganha
mas que insiste em declarar que não pode de modo algum ganhar mais ou gastar
menos ou pedir emprestado ou financiar os gastos com suas reservas!
Pelo fato de não estarmos dispostos a adotar nenhuma política coerente, nós e
nossos sócios comerciais - que apresentam as mesmas ilusórias declarações -
tivemos que recorrer necessariamente aos quatro mecanismos. Nos primeiros anos
pós-guerra, as reservas dos Estados Unidos aumentaram, mas recentemente
começaram a declinar. Aceitamos a inflação com melhor disposição do que o
teríamos feito quando as reservas estavam aumentando; e nos voltamos
surpreendentemente para a deflação desde 1958 devido ao escoamento do ouro.
Embora não tenhamos mudado o preço oficial do ouro, nossos sócios comerciais
alteraram o deles, e, portanto, a taxa de câmbio entre sua moeda e o dólar, e
não faltaram pressões dos Estados Unidos nesse sentido. Finalmente, nossos
sócios comerciais usaram intensamente controles diretos, e pelo fato de nós, e
não eles, termos tido que enfrentar déficits, acabamos por recorrer também a uma
ampla gama de interferências diretas nos pagamentos, desde a redução do volume
de mercadorias estrangeiras que os turistas podem trazer livre de taxas - uma
simples e no entanto altamente sintomática providência - até a exigência de que
as quantias destinadas à ajuda externa fossem gastas nos Estados Unidos, e o
impedimento de suas famílias se juntarem aos homens de serviço no estrangeiro
até as cotas mais apertadas de importação de petróleo. Também fomos levados a
nos envolver na medida humilhante de pedir a governos estrangeiros que tomassem
determinadas providências para melhorarem a situação de balanço de pagamento dos
Estados Unidos.
Dentre os quatros mecanismos, o uso dos controles diretos é claramente o pior
sob quase todos os pontos de vista e certamente o mais destrutivo para uma
sociedade livre. No entanto, em vez de uma política definida, fomos levados cada
vez mais a utilizar certo tipo de controle sob uma forma ou outra. Pregamos
publicamente as virtudes do mercado livre, mas fomos forçados pela pressão
inexorável do balanço de pagamentos a nos movermos para a direção oposta e há
grande perigo de que continuemos a fazê-lo. Podemos votar todas as leis
imagináveis para reduzir tarifas, a Administração pode negociar toda e qualquer
espécie de redução de tarifas, porém, se não adotarmos um mecanismo alternativo
para resolver os déficits
do balanço de pagamento, seremos levados a substituir um conjunto de limitações
do mercado por outro - de fato, substituir bons conjuntos por conjuntos piores.
Se as tarifas são prejudiciais, cotas e outras interferências diretas são até
mesmo piores. Uma tarifa, da mesma forma que um preço de mercado, é impessoal e
não envolve interferência direta do governo nos negócios; uma cota poderá
envolver a distribuição e outras interferências administrativas, além de dar aos
administradores poder razoável junto à empresa privada. Talvez piores que
tarifas e quotas são os acordos extralegais, como a concordância "voluntária" do Japão de restringir a exportação de produtos têxteis.
Taxas de câmbio flutuante como solução do mercado livre
Há somente dois mecanismos consistentes com um mercado e um comércio livres. Um
deles é um padrão ouro internacionalmente e completa-mente automático. Isto,
como vimos no capítulo anterior, não é nem factível nem desejável, e, de
qualquer forma, não podemos adotá-lo por conta própria. O outro é um sistema de
taxas de câmbio livremente flutuantes, determinadas no mercado por transações
privadas sem a intervenção governamental. Esta é a contrapartida apropriada do
mercado livre para a norma monetária discutida no capítulo anterior. Se não a
adotarmos, falharemos inevitavelmente em expandir a área do mercado livre e
teremos que, cedo ou tarde, acabar por impor controles diretos cada vez mais
amplos sobre o mercado. Nessa área, como em outras, as condições podem mudar, e
quase sempre mudam inesperadamente. É possível que consigamos vencer as
dificuldades em que nos debatemos no momento da confecção deste livro (abril de
1962) e que terminemos com um superavit e não com um déficit, acumulando
reservas em vez de reduzi-las. Se for assim, isso significará somente que outros
países terão que enfrentar a necessidade da imposição de controles. Quando, em
1950, escrevi um artigo propondo um sistema de taxas de câmbio flutuantes, a
sugestão se colocava no contexto das dificuldades europeias de pagamento que
acompanhavam a então alegada "falta de dólares". Tal reviravolta é sempre
possível. De fato, é justamente a dificuldade de prever quando e como tais
mudanças ocorrerão que constitui o argumento básico para um mercado livre. Nosso
problema não é "solucionar" um problema do balanço de pagamentos. E solucionar o
problema do balanço de pagamentos, por meio de mecanismo que permitia às forças
do mercado livre fornecer resposta automática, pronta, efetiva às mudanças nas
condições que afetam o mercado internacional.
Embora taxas de câmbio livremente flutuantes pareçam ser tão claramente o
mecanismo apropriado a um mercado livre, só contam com o apoio vigoroso de
número muito pequeno de liberais, a maior parte deles economistas profissionais,
e são combatidas por inúmeros liberais que rejei-
tam a intervenção governamental e a fixação de preços pelo governo em quase
todas as outras áreas. Por que isto? Uma razão é, simplesmente, a tirania do
status quo. Uma segunda razão é a confusão entre um verdadeiro padrão ouro e um
pseudopadrão ouro. Sob um verdadeiro padrão ouro, os preços das diferentes
moedas nacionais com relação umas às outras seriam bastante rígidos, pois as
diferentes moedas seriam apenas nomes diferentes para diferentes volumes de
ouro.
É fácil cometer o erro de supor que se possa obter um verdadeiro padrão ouro
pela mera adoção de um meio de obediência formal ao ouro - a adoção de um
pseudopadrão ouro sob o qual os preços das diversas moedas com relação umas às
outras são rígidos simplesmente porque são preços contidos em mercados
manobrados artificialmente. A terceira razão é a tendência inevitável de todos
apoiarem o mercado livre para todos os demais - e considerarem-se a si próprios
como merecendo tratamento especial. E o que acontece com banqueiros com relação
às taxas de câmbio. Gostam de ter um preço garantido. Mais do que isso, não
estão familiarizados com os dispositivos do mercado que poderiam ser usados para
enfrentar as flutuações nas taxas de câmbio. As firmas que se especializariam em
especulação e arbitragem num mercado livre e para câmbio não existem. Essa é uma
das maneiras pela qual a tirania do status quo é mantida. No Canadá, por
exemplo,
alguns banqueiros, após uma década de taxa livre, que lhes deu um status quo
diferente, estavam entre os primeiros a defender sua continuação e a objetar às
taxas amarradas ou à manipulação governamental da taxa.
Mais importante do que qualquer uma destas razões, acho eu, é a interpretação
errónea da experiência com taxas flutuantes, que se originou de um falácia
estatística facilmente explicável por meio de um exemplo padrão. O Arizona é
obviamente o pior lugar dos Estados Unidos para uma pessoa com tuberculose - a
taxa de morte por tuberculose no Arizona é maior do que em qualquer outro
Estado.
A falácia é óbvia neste caso. É menos óbvia com relação às taxas cambiais.
Quando os países estão em severas dificuldades financeiras, com resultado da
administração monetária interna inconveniente ou por qualquer outra razão,
acabam por ter que recorrer, em último caso, a taxas cambiais flexíveis. Nenhuma
espécie de controle cambial ou restrição direta exercida sobre o mercado permitiu-lhes amarrar uma taxa de câmbio afastada de sua realidade econômica. Em
consequência, é certamente verdade que as taxas cambiais flutuantes estão
associadas amiúde com instabilidade econômica e financeira - como, por exemplo,
em hiperinflações ou em inflações severas como as que ocorreram em inúmeros
países da América do Sul. É fácil concluir, como o fizeram muitos, que taxas
cambiais flutuantes produzem tal instabilidade.
Ser a favor de taxas de câmbio flutuantes não significa ser a favor de taxas de
câmbio instáveis. Quando apoiamos um sistema de preço livre, não significa que
somos a favor de um sistema em que os preços flutuam violentamente para cima e
para baixo. O que desejamos é um sistema em
que os preços sejam livres para flutuar - mas no qual as forças que os
determinam sejam suficientemente estáveis de modo que os preços mudem dentro de
limites moderados. O mesmo se aplica num sistema de taxas cambiais flutuantes. O
objetivo último é um mundo em que as taxas cambiais, embora livres para variar,
sejam de fato altamente estáveis porque políticas econômicas e condições básicas
são estáveis. A instabilidade das taxas de câmbio é um sintoma da instabilidade
da estrutura econômica subjacente. A eliminação de tais sintomas pelo
congelamento administrativo das taxas cambiais não corrige nenhuma das
dificuldades subjacentes e só torna o ajustamento a elas ainda mais penoso.
Medidas políticas necessárias a um mercado livre de ouro e de câmbio
Seria útil para a tradução em termos concretos das implicações desta discussão,
se eu especificasse detalhadamente as medidas que acho deveriam ser tomadas
pêlos Estados Unidos para promover um verdadeiro mercado livre do ouro e do
câmbio.
i
1. Os Esta dos-Unidos deveriam anunciar que não mais se comprometem a comprar ou
vender ouro a preço fixo.
2. As leis atuais que declaram ser ilegal indivíduos possuírem ouro ou que
comprem ou vendam ouro devem ser revogadas, de modo que não existam mais
restrições ao preço pelo qual o ouro possa ser comprado ou vendido em termos de
qualquer outra mercadoria ou instrumento financeiro, incluindo moedas nacionais.
3. Deve ser revogada a presente lei que estabelece que o Reserve System deve
manter certificados de ouro iguais a 25% de sua responsabilidade.
4. O maior problema para a eliminação completa do programa de manutenção do
preço do ouro, como também para o caso do programa de manutenção do preço do
trigo, é o de descobrir o que fazer com o estoque acumulado do governo. Para
ambos os casos, minha opinião é que o governo estabeleça imediatamente um
mercado livre por meio da institucionalização dos passos l e 2 e, finalmente,
liquide todos os seus estoques. Entretanto, talvez seja conveniente para o
governo liquidar seus estoques gradualmente. Para o trigo, cinco anos sempre me
pareceram período suficientemente longo. Acho, pois, que o governo deveria
liquidar um quinto de seus estoques em cada um dos cinco anos. Tal período
parece-me razoavelmente satisfatório para ouro também. Logo, proporia que o
governo liquidasse seu estoque de ouro no mercado livre durante um período de
cinco anos. Com um mer-
cado de ouro livre, os indivíduos podem muito bem achar que certificados de
depósito de ouro são mais úteis do que o próprio ouro. Neste caso, empresas
privadas podem com certeza prover os serviços de armazenar o ouro e emitir
certificados. Por que têm que ser armazenagem de ouro e a emissão de
certificados de depósito uma indústria nacionalizada?
5. Os Estados Unidos deveriam anunciar também que não proclamarão nenhuma taxa
de câmbio oficial para o dólar e outras moedas; e que, além disso, não se
envolverão em nenhuma especulação ou qualquer outra atividade destinada a
influenciar as taxas de câmbio. Estas seriam então determinadas pêlos mercados
livres.
6. Estas medidas entrariam em conflito com nossa obrigação formal, como membro
do Fundo Monetário Internacional, de especificar a paridade oficial para o dólar.
Entretanto, o Fundo foi capaz de resolver o problema quando se tratou do Canadá
e de lhe dar aprovação para uma taxa flutuante. Não há razão para que não faça o
mesmo com os Estados Unidos.
7. Outras nações podem preferir relacionar o valor de suas moedas com o dólar.
Trata-se de questão do interesse dessas nações, e não há nenhum motivo para que
objetemos a isso, desde que não tomemos nenhum compromisso de comprar ou vender
suas moedas a preço fixo. Elas só poderão prender o valor de suas moedas ao da
nossa recorrendo a uma ou mais das medidas apresentadas acima - extrair ou
acumular reservas, coordenar sua política interna com a dos Estados Unidos,
aumentar ou diminuir os controles diretos sobre o comércio.
Eliminação das restrições ao comércio
Um sistema como o descrito acima resolveria o problema do balanço de pagamentos
definitivamente. Não poderia surgir nenhum déficit que tivesse que levar os
funcionários do governo a solicitar a assistência dos países e bancos centrais
estrangeiros: ou a pedir ao presidente americano que se comportasse como um
banqueiro preocupado tentando reconquistar a confiança em seu banco: ou a forçar
uma Administração que prega o mercado livre a impor restrições à importação: ou
a sacrificar interesses nacionais e pessoais importantes à questão trivial do
nome da moeda em que os pagamentos são feitos. Os pagamentos estarão sempre em
equilíbrio porque um preço - a taxa cambial - terá a liberdade de criar tal
equilíbrio. Ninguém poderá vender dólares a não ser que possa encontrar alguém
para comprá-los; e vice-versa.
Um sistema de taxa de câmbio flutuante poderia, portanto, levar-nos direta e
efetivamente em direção a um comércio completamente livre de
72 mercadorias e serviços - barrando apenas as interferências deliberadas que
pudessem ser justificadas em termos estritamente políticos e militares: por
exemplo, proibindo a venda de material estratégico aos países comunistas.
Enquanto estivermos firmemente comprometidos com taxas de câmbio fixas, não nos
podemos mover decisivamente para o comércio livre. A possibilidade de tarifas ou
de controles diretos deve ser considerada uma válvula de escape em caso de
necessidade.
Um sistema de taxas de câmbio flutuantes tem a vantagem adicional de tornar
quase transparentemente óbvia a falácia do argumento mais popular contra o
comércio livre - o argumento de que salários "baixos" em outros países tornam as
tarifas de algum modo necessárias à proteção de salários "altos" em nosso país.
100 ienes pela hora de um trabalhador japonês são mais ou menos do que 4 dólares
por hora de um trabalhador americano? Isso dependerá da taxa de câmbio. O que
determina a taxa de câmbio? A necessidade de equilibrar o balanço de pagamentos;
isto é, de tornar a quantidade que podemos vender aos japoneses aproximadamente
igual à que eles nos podem vender.
Suponhamos, para simplificar a questão, que o Japão e Estados Unidos sejam os
dois únicos países envolvidos nas trocas comerciais; e que, a uma determinada
taxa de câmbio, digamos l 000 ienes por dólar, os japoneses possam produzir todo
e qualquer produto capaz de participar do comércio exterior a um preço mais
baixo do que os Estados Urrjdos. Com essa taxa de câmbio, os japoneses poderiam
vender-nos muitas mercadorias e nós não lhes poderíamos vender nenhuma.
Suponhamos que nós paguemos em dólares. O que farão os exportadores japoneses
com esses dólares? Não podem comê-los, vesti-los ou morar neles. Se estivessem
dispostos simplesmente a guardá-los, então a indústria de impressão de dólares
tornar-se-ia uma esplêndida indústria para exportação. Sua produção nos
permitiria dispor de todas as coisas boas da vida fornecidas quase gratuitamente
pêlos japoneses.
Mas é evidente que os exportadores japoneses não desejam guardar nossos dólares.
Eles tratarão de vender seus dólares por ienes. Teoricamente, não há nada que
possam comprar por um dólar que não possam comprar por menos do que l 000 ienes
- que obteriam, como havíamos suposto, em troca de um dólar. Isso também
aconteceria com os outros japoneses. Por que então um possuidor qualquer de
ienes renunciaria a l 000 ienes por um dólar, que lhes permitiria comprar menos
mercadorias do que os l 000 ienes? Ninguém o faria. Para que o exportador
japonês pudesse trocar seus dólares por ienes, ele precisaria aceitar uma quantidade menor de ienes - o preço do dólar em termos de ienes teria que ser
menor do que l 000 ou o preço do iene em termos de dólares maior que l milésimo
de dólar. Mas, a 500 ienes por dólar, as mercadorias japonesas se tornariam duas
vezes mais caras para os americanos; e as mercadorias americanas teriam seu
preço cortado pela metade para os japoneses. Os japone-
sés não poderiam mais continuar a oferecer preços mais baixos do que os dos
produtos americanos para todos os produtos.
A que nível o preço do iene por dólar se fixaria? Ao nível necessário para
garantir a todos os exportadores que assim o desejarem a venda dos dólares, que
recebam pelas mercadorias exportadas para os Estados Unidos, aos importadores
que os usam para comprar mercadorias nos Estados Unidos. Em palavras simples, a
qualquer nível que garanta que o valor das exportações americanas (em dólares)
seja igual ao valor das importações americanas (também em dólares). Trata-se de
palavras simples porque uma declaração precisa teria que levar em conta
transferências de capital, doações e assim por diante. Mas tais fatos não
alteram o princípio central.
Deve-se notar que essa discussão nada estabeleceu com relação ao nível de vida
do trabalhador japonês ou do trabalhador americano. São, no caso, irrelevantes.
Se o trabalhador japonês tem um nível de vida inferior ao do americano, é por
ser menos produtivo em média do que o americano, devido ao treinamento, à
quantidade de capital ou de terra que dispõe para trabalhar. Se o trabalhador
americano for, digamos, quatro vezes mais produtivo do que o trabalhador
japonês,
seria inútil usá-lo para a produção de mercadorias em que é em média menos de
quatro vezes tão produtivo. É melhor produzir as mercadorias em que mostra maior
eficiência, e trocá-las por aquelas em que é menos eficiente. As tarifas não vão
ajudar o trabalhador japonês a levantar seu nível de vida ou proteger o alto
padrão do trabalhador americano. Ao contrário, baixam o padrão japonês e impedem
o padrão americano de subir tanto quanto poderia.
Supondo que adotemos o comércio livre, de que modo o faríamos? O método que
tentamos adotar foi o de negociações recíprocas de redução de tarifas com outros
países. Isso me parece uma prática errada. Em primeiro lugar, tem como
consequência um ritmo. Progride mais rapidamente quem se move sozinho. Em
segundo, leva a uma visão errónea do problema básico. Faz parecer que as tarifas
ajudam o país que as impõem enquanto prejudicam os outros, como se, quando
renunciamos a uma tarifa, estivéssemos abandonando algo bom e tenhamos de
receber algo de volta, sob a forma de redução nas tarifas impostas pêlos outros
países. Na verdade, a situação é completamente diversa. Nossas tarifas nos
prejudicam tanto quanto aos outros países. Nós nos beneficiaríamos da renúncia a
nossas tarifas, ainda que os outros países não fizessem o mesmo.2 É evidente que
teríamos ainda maiores benefícios se também reduzissem as deles, mas nosso
benefício não exige que isso aconteça. Os interesses próprios coincidem. não
conflitam.
É minha opinião de que seria bem melhor se passássemos para o co-
2 Há consideráveis exceções a tal declaração, mas. até onde posso ver. trata se
de curiosidades teóricas. e não de possibilidades práticas relevantes.
mércio livre unilateralmente, como o fez a Inglaterra no século XIX, quando
rejeitou as leis do trigo. Também nós, como aconteceu com eles, ganharíamos, com
isso, boa quantidade de poder econômico e político. Somos uma grande nação e não
nos convém pedir benefícios recíprocos de Luxemburgo antes de reduzir uma tarifa
sobre produtos luxemburgueses; ou fazer milhares de refugiados chineses perderem
seus empregos de um momento para o outro ao impor cotas de importação a produtos
têxteis de Hong Kong. Tratemos de viver à altura do nosso destino e estabelecer
o ritmo - em vez de nos tornarmos seguidores relutantes.
Tenho falado em termos de tarifas por uma questão de simplicidade, mas conforme
já observado, restrições do tipo não tarifário podem, atual-mente, constituir
impedimentos mais sérios ao comércio do que as próprias tarifas. É preciso
remover ambas. Um programa imediato, embora gradual, seria o de estabelecer que
todas as cotas de importações ou outras restrições quantitativas - quer impostas
por nós ou "voluntariamente" aceitas por outros países - sejam aumentadas de 20
por cento ao ano até que se tornem tão altas a ponto de perderem a importância e serem abandonadas; e que todas as tarifas sejam reduzidas de um décimo a partir
do presente nível para cada ano dos próximos dez.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Capitalismo e Liberdade - Milton Friedman
Non-Fiction"Este livro é de grande atualidade, em especial na América Latina. Sua ideia central é a de que o mesmo Estado que constrange a liberdade econômica termina por também tolher a liberdade individual. É o que todos nós vivenciamos no cotidiano da Améri...