CAPÍTULO 11

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Medidas para o Bem-Estar Social
Os sentimentos humanitários e igualitários que ajudaram a produzir o imposto de
renda gradual também produziram um conjunto de medidas destinadas a promover o
"bem-estar"
de grupos particulares. O mais importante conjunto de medidas nesta área está
constituído pelo que se chamou impropriamente de "seguro social". Outras medidas
desse tipo são o programa de habilitação, as leis de salário mínimo, os
subsídios à agricultura, a assistência médica para grupos particulares, os
programas especiais de ajuda etc.
Examinarei brevemente algumas, antes de mais nada, para indicar quão diferentes
são seus verdadeiros efeitos dos que se supõem venham a produzir. Em seguida,
examinarei mais longamente o componente mais amplo dos programas de seguro
social, a aposentadoria e a pensão para os sobreviventes.
1. Programa de habitação. Uma das justificativas para este programa são os
alegados efeitos laterais: os distritos de cortiços, principalmente, e outros
tipos de habitação de qualidade inferior, em menor intensidade, impõem altos
custos à comunidade sob a forma de proteção contra incêndios e prote-ção
policial. Esse efeito lateral pode realmente existir. Mas. se realmente
existisse, ele exigiria, em lugar de programas de habitação, a aplicação de
taxas mais altas sobre o tipo de habitação que aumenta os custos sociais - o que
tenderia a igualar custos privados e custos sociais.
A resposta imediata é que outras taxas incidiriam sobre as pessoas de renda
baixa, o que seria indesejável. A resposta implica que o programa habitacional é
proposto não na base de efeitos laterais, mas como um meio de ajudar as pessoas
de renda baixa. Se é este o caso. por que subvencionar a habitação em
particular?
Se os fundos devem ser usados para ajudar os pobres, não seriam eles usados de
modo mais efetivo. se distribuídos sob a forma de dinheiro em vez de artigos?
Com certeza, as famílias benefi-
ciadas prefeririam receber determinada soma em dinheiro vivo, e não em forma de
casa. As pessoas envolvidas poderiam gastar o dinheiro em habitação, se assim
desejassem. Logo, não ficariam em situação pior se recebessem dinheiro. Se
considerassem outras necessidades mais importantes, também estariam em melhor
situação. O subsídio em dinheiro resolveria o problema dos efeitos laterais do
mesmo modo que o programa de habitação. pois se não fosse gasto para a compra de
casas, poderia ser usado para o pagamento de taxas extras, justificadas pêlos
efeitos laterais.
Os programas de habitação não podem, portanto, ser justificados em termos de
efeitos laterais ou de ajuda às famílias pobres. Só podem ser justificados em
termos de paternalismo - as famílias que devem ser ajudadas "precisam" de casas
mais do que de outras coisas, mas elas próprias não concordariam com isso ou
gastariam o dinheiro de outra forma. O liberal está inclinado a rejeitar este
argumento para o caso de adultos responsáveis. Mas não pode rejeitá-lo
completamente devido ao modo indireto pelo qual afeta as crianças: isto é. os
pais negligenciarão o bem-estar de seus filhos que "precisam" de melhor
habitação. O liberal, porém, exigirá certamente maior evidência do que a
fornecida usualmente, antes de aceitar essa argumentação final como
justificativa para as grandes despesas em programas de habitação.
Muito se poderia dizer em termos abstratos, antes da experiência prática com o
programa habitacional. Agora que já temos a experiência, podemos dizer ainda
mais. Na prática, os programas de habitação acabaram por ter efeitos muito
diferentes dos planejados.
Em vez de melhorar as condições de habitação dos pobres, como seus proponentes
esperavam, o programa de habitação fez justamente o contrário. O número de
unidades habitacionais destruídas no processo de construção dos projetos
públicos de habitação foi muito maior do que o número de novas unidades
habitacionais construídas. Mas os programas de habitação, como tais, nada
fizeram para reduzir o número de pessoas a serem abrigadas. O efeito dos
programas, portanto, foi o de aumentar o número de pessoas por unidade
habitacional. Algumas famílias provavelmente estarão mais bem abrigadas do que
estariam em outras circunstâncias - as que tiveram bastante sorte para conseguir
uma vaga nas unidades públicas construídas. Mas isto só piorou o problema para
todos os demais, pois a densidade média em conjunto aumentou.
De fato, a empresa privada contrabalançou alguns dos efeitos negativos do
programa oficial de habitação, pela conversão dos conjuntos já existentes e pela
construção de novos conjuntos para as pessoas diretamente deslocadas ou, de modo
mais geral, para as deslocadas em virtude de uma ou duas remoções provocadas
pêlos próprios projetos públicos de construção. Entretanto, esses .recursos
privados estariam disponíveis mesmo na ausência dos programas públicos de
habitação.
Por que o programa de habitação teve tal efeito? Pela mesma razão ge-
ral que enfatizamos tantas vezes. O interesse geral que motivou inúmeras pessoas
a aprovar a instituição do programa de habitação é difuso e transitório. Uma vez
adotado o programa, a tendência é acabar dominado pêlos interesses especiais aos
quais possa servir. Neste caso. os interesses especiais eram os de grupos locais
interessados em ter determinadas áreas liberadas quer por terem propriedades em
tais lugares, quer porque certos conjuntos de habitação estavam ameaçando
distritos comerciais locais ou centrais. O programa de habitação serviu como um
meio conveniente de realizar seus objetivos, que exigiam mais destruição do que
construção. Assim mesmo, os problemas de habitação parecem ainda estar presentes
com igual intensidade, a julgar pela crescente pressão para que os fundos
federais sejam utilizados nessa área.
Outro benefício que seus proponentes esperavam obter era a diminuição da
delinquência juvenil, pelo melhoramento das condições habitacionais. Aqui
também,
o programa teve. em muitos casos, o efeito contrário. inteiramente desligado do
fato de ter falhado no objetivo de melhorar as condições médias de habitação. As
limitações de renda impostas para a ocupação de unidades habitacionais públicas
com aluguéis subvencionados levaram a uma densidade maior de famílias "rompidas"
- em particular mães divorciadas ou viúvas com filhos. Os filhos de famílias
desfeitas têm maior probabilidade de se tornarem "crianças-problema" e uma
grande concentração dessas crianças pode aumentar a delinquência juvenil. Um
outro exemplo é o efeito adverso do programa de habitação sobre as escolas da
comunidade. Embora uma escola possa absorver certo número de "crianças-
problema",
é difícil absorver um número muito grande. E. no entanto. em alguns casos,
famílias desfeitas constituem um terço ou mais do total de famílias num projeto
habitacional público; e a maioria das crianças das escolas vem do projeto
habitacional. Se essas famílias tivessem sido assistidas por meio de doações de
dinheiro, elas estariam distribuídas de modo mais conveniente por toda a
comunidade.
2. Leis de salário mínimo. As leis de salário mínimo representam claramente uma
medida cujos efeitos foram precisamente o contrário dos objeti-vados pêlos
homens de boa vontade que a apoiaram. Inúmeros proponentes das leis de salário
mínimo deploram, de modo muito apropriado, salários extremamente baixos,
considerando-os um sinal de pobreza, e esperam, por meio da condenação legal de
salários abaixo de determinado nível, reduzir a pobreza. De fato. até onde as
leis de salário mínimo têm realmente algum efeito, este foi o de aumentar claramente a pobreza. O Estado pode legislar um nível de salário mínimo. Mas.
dificilmente, pode levar os empregadores a contratar por esse mínimo os que
estavam empregados anteriormente com salários mais baixos. Não é. evidentemente,
do interesse dos empregadores fazê-lo. O efeito do salário mínimo é. portanto, o
de tornar o desemprego maior do que seria em outras circunstâncias. Até on-
lê baixos níveis de salário são de fato sinal de pobreza, as pessoas que fiam
desempregadas são precisamente aquelas que menos podem perder a enda que
recebiam até então, por menor que parecesse às pessoas que voaram as leis do
salário mínimo.
Sob determinado aspecto, esse caso parece-me muito com o do pro-;rama de
habitação. Nos dois, as pessoas ajudadas estão visíveis - as pes-oas cuja renda
é aumentada e as pessoas que ocupam as unidades cons-ruídas. As pessoas
prejudicadas são anónimas e seus problemas não ficam :laramente relacionados com
as causas - as pessoas que passam para o jrupo dos desempregados ou, mais
provavelmente, não encontram empre-jo em nenhuma atividade devido à existência
do salário mínimo e são levadas para atividades ainda menos remuneradas ou às
listas de auxílio a ne-:essitados; as pessoas levadas a se apertar ainda mais
nos cortiços em desenvolvimento parecem constituir mais um sinal da necessidade
de habitação do que a consequência dos programas de habitação.
Uma boa parte do apoio a leis de salário mínimo não vem de homens
desinteressados, de boa vontade, mas de grupos interessados. Por exem-D!O, os
sindicatos e firmas do Norte ameaçadas pela competição sulista apoiaram as leis
de salário mínimo para reduzirem a concorrência do Sul,
3. O apoio a preços de produtos agrícolas. Os subsídios à agricultura 5ão outro
exemplo. Se é o que pode ser justificado por motivos não políticos (as zonas
rurais estão fortemente representadas no Congresso), tal apoio está relacionado
com a crença de que os fazendeiros têm rendas baixas. Mesmo que se aceite isso
como fato, o apoio aos preços dos produtos agrícolas não realiza o objetivo
considerado de auxiliar os fazendeiros que precisam de ajuda. Em primeiro lugar,
os benefícios, se é que existem, são inversos em relação às necessidades, pois
aparecem em proporção ao volume vendido no mercado. O fazendeiro pobre não só
vende menos no mercado que o fazendeiro mais rico; além disso, ele obtém uma
parte dos seus impostos dos produtos cultivados para seu próprio uso. e não
recebe os benefícios do apoio. Em segundo lugar, os benefícios, se é que há
alguns, auferidos pêlos fazendeiros, em consequência do programa de apoio, são
bem menores do que a quantia total gasta. Isso fica particularmente claro no
caso da importância paga para armazenagem e custos similares que não vão para o
fazendeiro - de fato. os fornecedores das facilidades de armazenagem poderão
muito bem ser os verdadeiros beneficiados em todo o processo. Isso vale
igualmente para as quantias gastas na compra de produtos agrícolas. O fazendeiro
é. assim, induzido a gastar mais em fertilizantes. sementes, maquinaria etc.
Quando muito, apenas o excedente é acrescentado à sua renda. E, finalmente,
mesmo esse resíduo superestima as vantagens, pois o efeito do programa tem sido
manter mais pessoas nas fazendas - mais do que ficariam lá em outras
circunstâncias. Só o excedente.
se existir algum, do que podem ganhar nas fazendas sobre o que poderiam aanhar
fora delas é um benefício líquido para os fazendeiros. O principal efeito do
programa de compras foi simplesmente tornar maior a produção das fazendas - e
não o de aumentar a renda por fazendeiro.
Alquns custos do programa de compras dos produtos agrícolas são tão óbvios e
conhecidos que não precisam mais do que de simples menção: o consumidor pagou
duas vezes, uma em taxas para o pagamento de benefícios às fazendas e outra nos
preços mais altos por alimento; o fazendeiro ficou esmagado por restrições
onerosas e controle central detalhado; a nação ficou esmagada por uma burocracia
cada vez maior.'Há. contudo, um conjunto de custos que é bem menos conhecido. O
programa para as fazendas tem sido um obstáculo importante para a política
exterior. A fim de manter o preço doméstico mais alto do que o mundial, foi
necessário impor cotas sobre a importação de diversos itens. Mudanças
extravagantes em nossa política tiveram efeitos negativos em outros países. O
preço alto para o algodão levou outros países a desenvolver a produção
algodoeira. Quando nossos preços altos levaram a uma estocagem inconveniente de
algodão, passamos a vender para o exterior a preços baixos, impondo assim
pesadas perdas aos produtos que haviam expandido a produção devido às nossas medidas anteriores. A lista de casos semelhantes pode ser multiplicada.
Velhice e seguro para os sobreviventes
O programa de "seguro social" é uma dessas coisas em que a tirania do status quo
está começando a exercer a sua mágica. A despeito da controvérsia que envolveu
sua instituição, passou a ser tomado como fato consumado - e de tal forma que
sua desejabilidade ë muito dificilmente questionada nos dias que correm. No
entanto, é uma invasão em larga escala da vida pessoal de enorme fração da
nação,
sem - até onde posso julgar - qualquer justificação realmente persuasiva, não só
em termos de princípios liberais, mas em termos de quaisquer outros. Proponho
que se examine sua fase mais importante, a que envolve o pagamento a pessoas
idosas.
Em termos operacionais, o programa conhecido como seguro para a velhice e
sobreviventes consiste em uma taxa especial imposta sobre a folha de pagamento
mais o pagamento a pessoas, que alcançaram uma certa idade, de certas
importâncias determinadas pela idade em que os pagamentos se iniciaram, a
situação da família e a situação anterior de salários.
Em termos analíticos, o programa consiste em três elementos distintos:
1. A exigência de que um grande número de pessoas realizem a compra de anuidades
específicas, isto é. garantias compulsórias para a velhice.
2. A exigência de que a anuidade seja comprada do governo, isto é.
nacionalização da garantia dessas anuidades.
3. Um plano para redistribuição da renda, uma vez que o valor das anuidades às
quais as pessoas têm direito quando entram no sistema não são iguais às taxas
que pagarão.
Evidentemente, não é necessário que esses elementos apareçam combinados. Cada
pessoa poderia ser solicitada a pagar sua própria anuidade: deveria ser
permitido aos indivíduos comprar uma anuidade de firmas privadas; no entanto,
cada um poderia ser solicitado a comprar anuidades específicas. Também o governo
poderia participar do negócio de vender anuidades, sem obrigar os indivíduos a
comprar anuidades específicas, mas providenciando que o negócio se tornasse
auto-suficiente.
E, evidentemente, o governo pode e de fato faz a redistribuição sem recorrer aos
dispositivos das anuidades.
Consideremos, portanto, cada um desses elementos separadamente para ver até onde
pode ser justificado - se é que pode. Creio que a análise será facilitada se os
considerarmos em ordem inversa à da apresentação.
1. Redistribuição da renda. O atual programa envolve dois tipos principais de
redistribuição: de alguns beneficiados do programa pára outros; do pagador de
impostos em geral para os beneficiados do programa.
O primeiro tipo de redistribuição refere-se aos que entraram para o programa
muito jovens e aos que entraram em idade avançada. Os últimos estão recebendo, e
receberão por algum tempo, uma quantidade de benefícios superior ao que as taxas
que pagaram poderiam comprar. De acordo com as taxas e programas atuais, de
outro lado, os que entraram para o sistema ainda muito jovens receberão
evidentemente menos.
Não vejo de que forma - em termos liberais ou em quaisquer outros termos - esta
redistribuição específica possa ser definida. O subsídio aos beneficiados é
independente de sua pobreza ou riqueza; o homem de recursos o recebe do mesmo
modo que o indigente. A taxa que paga os subsídios é uma taxa uniforme sobre os
ordenados até determinado máximo. E essa taxa representa uma fração maior das
baixas rendas que das altas. Que justificativa pode existir para taxar o jovem
para subvencionar o velho. independentemente da situação econômica deste último;
para impor uma percentagem mais alta de taxa. para este propósito, sobre as
rendas baixas do que sobre as altas; ou. ainda, para aumentar a renda,
estabelecer que o pagamento seja feito por taxação da folha de pagamento?
O segundo tipo de redistribuição tem origem no fato de o sistema não ser
provavelmente autofinanciável. Durante o período em que inúmeros indivíduos
estavam cobertos e pagando taxas e poucos se qualificavam para o recebimento de
benefícios, o sistema parecia ser autofinanciável e até
mesmo apresentar um excedente. Mas essa aparência dependia de se negligenciar as
obrigações que se acumulavam com respeito às pessoas que pa-qavam as taxas. Não
se sabe se as taxas pagas são suficientes para financiarem as obrigações
acumuladas. Muitos especialistas afirmam que, mesmo em termos de dinheiro, uma
subvenção virá a ser necessária. E tal subsídio foi geralmente necessário para
sistemas semelhantes em outros países. Trata-se no caso, de um assunto altamente
técnico que não podemos examinar aqui _ e, aliás, não é necessário fazê-lo -
sobre o qual existem diferenças válidas de opinião.
Para nossos propósitos, é bastante levantar a seguinte questão hipotética: será
possível justificar uma subvenção do pagador geral de impostos. torná-la
necessária? Não vejo razões pelas quais se possa justificar tal subsídio.
Podemos desejar ajudar as pessoas pobres. Há alguma justificativa para ajudar as
pessoas - quer elas sejam pobres ou não - porque acontece que têm certa idade?
Não é esta uma redistribuição inteiramente arbitrária?
A única razão que encontrei para justificar a redistribuição envolvidc neste
programa é a que considero completamente imoral, a despeito de sua ampla
utilização. Trata-se da afirmação de que a redistribuição em foce ajuda em geral
mais às pessoas de renda baixa do que às de renda alta apesar do elemento de
arbitrariedade envolvido; que seria melhor fazer es ta redistribuição de modo
mais eficiente; mas que a comunidade não vota ria pela redistribuição
diretamente embora vote nela como parte do pacote de seguro social. Em essência,
o que esta argumentação diz é que a comu nidade pode ser enganada e levada a
votar uma medida com a qual nãc concorda, por meio da apresentação da medida sob
vestes falsas. Não i preciso dizer que as pessoas que raciocinam assim são as
que condenan de modo mais apaixonado os "enganos" da propaganda comercial!1
2. Naciona/ização do sistema de anuidade. Suponhamos que evitemo: a
redistribuição exigindo que cada pessoa pague pela anuidade que rece be, no
sentido, evidentemente, de que o prémio seja suficiente para cobri o valor atual
da anuidade, após terem sido considerados a mortalidade í os juros envolvidos.
Que justificativa existiria, então, para exigir que com pré tal anuidade de uma
entidade governamental? Se se deve realizar um; redistribuição, então deve ser
usado o poder de taxação do governo. Mas
Outro exemplo atual do mesmo tipo de argumento está representado nas propostas
para subsídios fé derais às escolas (falsamente denominados de "auxílio à
educação"! Uma boa razão para usar funde federais na suplementação de despesas
escolares nos estados de renda mais baixa consiste no fato d que as crianças
educadas podem migrar para outros estados. Não há razão, contudo, para impor
taxa a todos os estados e conceder ajuda federal a todos os estados No entanto,
todas as leis passadas n Congresso não levam em conta estes aspectos. Alguns
proponentes desta? leis mesmo reconhecendo qu somente podem ser justificados os
subsídios a determinados estados, defendem sua posição, dizend que uma lei que
estabeleça subsídios só para estes estados não podena ser aprovada, e que o únic
meio de obter subsídios substanciais para os estados mais pobres sena mclui-los
numa lei fornecend subsídios a todos.
se a redistribuição não deve ser parte do programa e, como acabamos de ver, é
difícil encontrar uma boa razão para que seja, por que não permitir aos
indivíduos que assim o desejarem comprar suas anuidades de empresas privadas?
Uma boa analogia pode ser encontrada nas leis que requerem compra compulsória de
seguros para automóvel. Até onde vai meu conhecimento, nenhum estado que tenha
essa lei também tem uma companhia estadual de seguros e muito menos obriga os
proprietários de automóveis a comprar seus seguros em agências governamentais.
As possíveis economias de escala não constituem argumentos suficientes para a
nacionalização do sistema de anuidade. Se elas existirem, e o Governo
estabelecer uma entidade para vender contratos de anuidades, ele seria capaz de
oferecê-los a um custo mais acessível que os competidores, em virtude da sua
grandeza. Nesse caso, não haveria coerção. E se ele não puder oferecer essas
vantagens, então aludidas economias de escala não existem ou não são suficientes
para suplantar outros aspectos antieconômi-cos dessa operação governamental. Uma possível vantagem da nacionalização consiste em facilitar o cumprimento da
obrigatoriedade da compra compulsória das anuidades. Entretanto, esta parece uma
vantagem trivial. Seria fácil estabelecer dispositivos administrativos
alternativos, como, por exemplo, exigir que os indivíduos incluam uma cópia do
recibo do pagamento do prémio em sua declaração de imposto de renda; ou instruir
os empregadores para que confirmem o pagamento feito. O problema administrativo
seria, certamente, menor comparado com o imposto pela organização ora existente.
Os custos da nacionalização parecem ser bem superiores a essa pequena vantagem.
Aqui, como em outros casos, a liberdade individual para escolher e a competição
das empresas privadas por clientes dariam lugar ao aprimoramento dos tipos de
contrato disponíveis e ao desenvolvimento da variedade e da diversidade para
satisfazerem às necessidades individuais. No nível político, há a vantagem óbvia
de se evitar a expansão da atividade governamental e da ameaça indireta à
liberdade individual que tais expansões representam.
Alguns custos políticos menos óbvios surgem das características do atual
programa. As questões envolvidas tornam-se muito técnicas e complexas. O leigo é
quase sempre incompetente para julgá-las. A nacionalização significa que o grupo
de "especialistas" se torna empregado do sistema nacionalizado, ou então os
académicos ficam estreitamente ligados a ele. Inevitavelmente, passam a
favorecer sua expansão - e isto não por interesse próprio, apresso-me a dizê-lo,
mas porque operam num quadro de referência em que têm como certa a administração
governamental e só estão familiarizados com suas técnicas. A única exceção
existente nos Estados Unidos até agora são as companhias de seguro privadas
envolvidas em tais ati-vidades.
O controle efetivo do Congresso sobre as operações de tais agências
como, por exemplo, a Social Security Administration torna-se essencialmente
impossível em vista do caráter técnico de suas tarefas e de sua concentração
quase monopolista de especialistas. Tornam-se elas entidades autogovernadas,
cujas propostas são aprovadas em caráter geral pelo Congresso. Os homens
competentes e ambiciosos que fazem carreira nelas estão naturalmente ansiosos
por expandir os objetivos de suas agências e é extremamente difícil impedi-los
de fazê-los. Se os especialistas dizem "sim", quem terá a competência para dizer
"não"? Assistimos, portanto, à adesão ao sistema de seguro social por parte de
uma fração cada vez maior da população e, agora, que há poucas possibilidades
nessa direção, estamos assistindo a um movimento em direção a novos programas,
como o de assistência
médica.
Concluo, pois, que os argumentos contra a nacionalização do processo de venda
das anuidades são bastante fortes, não só em termos dos princípios liberais mas
também em termos dos valores expressos pêlos proponentes das medidas em questão.
Se realmente acreditam que o governo está em condições de oferecer tais serviços
em nível superior em comparação com o mercado, deveriam ser favoráveis à
participação de empresas privadas em competição com as do Estado. Se estiverem
certos, as empresas do governo progredirão. Se estiverem errados, o bem-estar do
povo será mais bem atendido pelo fato de existir a alternativa privada. Somente
o socialista doutrinário ou que acredita no poder centralizado como tal pode,
até onde me cabe julgar, tomar o partido da nacionalização de tais
empreendimentos.
3. Compra compulsória das anuidades. Após ter esclarecido as questões acima,
estamos agora em condições de encarar o ponto central: a obrigação da compra das
anuidades para a proteção à velhice.
Uma justificação possível para essa obrigatoriedade é de fundo paternalista. As
pessoas poderiam, se quisessem, fazer individualmente o que a lei as obriga a
fazer como grupo. Mas, individualmente, são imprevidentes e incapazes. "Nós"
sabemos melhor do que "elas" o que lhes é conveniente; não podemos persuadir
cada uma em separado, mas podemos persuadir 51% ou mais para que obriguem todas
a fazer o que é melhor para elas. Esse paternalismo se dirige a pessoas
responsáveis e não tem. portanto, nem mesmo a desculpa de estar tratando com
crianças ou com insanos.
Essa posição è lógica. Um paternalista convicto que a defende não poder ser
dissuadido dela pela demonstração de que comete um erro de lógica. Ele está em
posição contrária em termos de princípios: não se trata de um companheiro bem
intencionado que toma um caminho errado. Ele acredita basicamente em ditadura -
benevolente e talvez até mesmo majoritária -, mas ditadura do mesmo modo.
Aqueles, dentre nós, que acreditam em liberdade devem crer também na liberdade
dos indivíduos de cometer seus próprios erros. Se um homem
prefere, conscientemente, viver o dia de hoje, usar seus recursos para se
divertir, escolhendo deliberadamente uma velhice de privações, com que direito
podemos impedi-lo de agir assim? Podemos argumentar com ele, tentar persuadi-lo
de que está errado. Mas podemos usar a coerção para impedi-lo de fazer o que
deseja fazer? Não existirá a possibilidade de que esteja ele certo, e nós
errados? A humildade é a virtude que distingue o indivíduo que acredita na
liberdade; arrogância é a que distingue o paternalista.
Poucas pessoas são inteiramente paternalistas. Trata-se de posição muito pouco
atraente quando examinada à luz do dia. Entretanto, o argumento paternalista
desempenhou papel tão grande em medidas como o seguro social que é conveniente
torná-lo explícito.
Uma justificação possível, em termos liberais, para a compra compulsória das
anuidades baseia-se no fato de que o imprevidente não só sofrerá as
consequências de suas próprias ações como também imporá prejuízos e custos a
outros. Não seremos capazes de permitir que um ancião indigente sofra
necessidades. Acabaremos dando-lhe assistência por meio da caridade privada ou
pública. Portanto, o homem que não garantir sua velhice tor-nar-se-á um peso em
termos sociais. Obrigá-lo a comprar uma anuidade fica justificado não pelo seu
próprio bem mas pelo bem de todos nós. '
O peso desse argumento depende dos fatos. Se 90% da população se tornasse
problema social na idade de 65 anos na ausência da compra compulsória das
anuidades, o argumento teria muito peso. Se somente 1% se tornasse, não teria
nenhum. Por que restringir a liberdade de 99% a fim de evitar os custos que
seriam impostos pêlos que compõem o restante 1%.
A crença de que grande fração da comunidade se tornaria um peso social se não
fosse obrigada a comprar as anuidades deve sua viabilidade, na época em que o
programa foi estabelecido, à Grande Depressão. Anualmente, de 1931 a 1940, mais
de um sétimo da força de trabalho estava desempregada. E o desemprego era
proporcionalmente maior entre os mais velhos. Mas tratou-se de experiência sem
precedentes e que não se repetiu desde então. O problema não surgiu porque as
pessoas eram imprevidentes e não foram capazes de garantir a própria velhice.
Tratou-se de uma consequência, como já vimos, da incapacidade do governo. O
programa é uma cura, se é que pode ser assim considerado, para uma moléstia
muito diferente - e da qual não tínhamos tido nenhuma experiência.
Os desempregados de 1930 criaram, realmente, um sério problema: tratava-se de
grande número de pessoas que se tornaram um peso social. Mas a velhice não era,
de modo algum, o problema mais sério. Inúmeras pessoas em idade produtiva faziam
parte das listas de assistência aos desempregados. E o desenvolvimento do plano
- até hoje mais de dezesseis milhões de pessoas recebem benefícios - não impediu
o aumento crescente do número de pessoas que recebem assistência pública.
Os arranjos privados para a assistência à velhice mudaram muito ao longo do
tempo. Os filhos eram, até pouco tempo, o meio principal pelo
, as pessoas garantiam sua própria velhice. À medida que a comunida-T se tornou
mais opulenta, os costumes mudaram. As responsabilidades
ostas sobre os filhos para assistência aos pais na velhice diminuíram cada vez
mais, e cada vez mais as pessoas se preocupam em garantir sua pró-nria
velhice'sob
a forma de poupança, propriedades ou comprando o direito a pensões. Mais
recentemente, o desenvolvimento de planos de aposentadoria além do programa
oficial sofreu aceleração. Alguns estudiosos do assunto acham que a continuação
de tal tendência revela uma sociedade em que boa parte utilizará ao máximo seus
anos produtivos para se assegurar na velhice, padrão de vida mais alto do que o usufruído nos anos de mocidade. Alguns poderão considerá-la uma tendência
perversa, mas, se re-flete os gostos da comunidade - que seja assim.
A compra compulsória de anuidade impôs, portanto, pesados custos para a obtenção
de pequenos ganhos. Privou a nós todos do controle sobre parte apreciável de
nossa renda, obrigando-nos a usá-la para propósito determinado, a compra de uma
anuidade de aposentadoria, de modo particular _ e numa agência do governo.
Inibiu a competição na venda das anuidades e no desenvolvimento de planos de
aposentadoria. Deu origem a extensa burocracia, que mostra tendência a se
expandir e a invadir outras áreas de nossa vida privada. E tudo isso para evitar
que algumas poucas pessoas pudessem tornar-se um problema social.

Capitalismo e Liberdade - Milton FriedmanOnde histórias criam vida. Descubra agora