CAPÍTULO 7

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Capitalismo e Discriminação

Constitui fato histórico notável que o desenvolvimento do capitalismo tenha sido
acompanhado por uma grande redução da extensão em que determinados grupos
religiosos, raciais ou sociais operaram sob handicaps especiais com respeito às
suas atividades econômicas, isto é, pela redução na discriminação que sofriam. A
substituição dos acordos em termos de status pêlos acordos em termos de
contratos foi o primeiro passo para a libertação dos servos da Idade Média. A
sobrevivência dos judeus ao longo da Idade Média foi possível devido à
existência de um setor do mercado em que podiam operar e, portanto, manter-se,
apesar da perseguição oficial. Puritanos e quacres puderam emigrar para o Novo
Mundo porque foram capazes de acumular no mercado os fundos necessários, apesar
das restrições que lhes foram impostas em outros setores. Os Estados do Sul após
a Guerra Civil tomaram diversas medidas para imporem restrições legais aos
negros. Uma que jamais foi tomada, sob forma alguma, foi a de estabelecer
barreiras à propriedade sob qualquer aspecto. A não-imposição de tais barreiras
não refletiu evidentemente qualquer interesse especial em evitar restrições aos
negros. Refletiu na verdade uma crença básica na propriedade privada - crença
tão forte que sobrepujou o desejo de discriminação. A manutenção das regras
gerais da propriedade privada e do capitalismo constituíram a principal fonte de
oportunidade para os negros e lhes permitiu fazer maiores progressos do que
fariam em outras circunstâncias. Para dar um exemplo mais geral, os
preservadores da discriminação em qualquer sociedade são as áreas de
características mais monopolísticas. enquanto a discriminação contra grupos em
termos de cor ou religião é menor nas áreas onde existe maior liberdade de
competição.
Como já foi observado no capítulo l, um dos paradoxos da experiên-Qa consiste no
fato de os grupos minoritários, apesar da evidência histórica, fornecerem, com
frequência, os partidários mais entusiastas e convictos e iterações fundamentais
na sociedade capitalista. Têm a tendência de
atribuir ao capitalismo a responsabilidade pelas restrições que sofrem _. em vez
de reconhecerem que o mercado livre tem sido o fator mais importante na redução
dessas restrições.
Já vimos como o mercado livre separa a eficiência econômica de outras
características irrelevantes. Como observado no capítulo I, o comprador de pão
não sabe se foi ele feito de trigo cultivado por um homem branco ou negro, por
um cristão ou um judeu. Conseqüentemente, o produtor de trigo está na posição de
usar seus recursos tão efetivamente quanto possível, sejam quais forem as
atitudes da comunidade com relação à cor, religião ou qualquer outra
característica das pessoas que emprega. Além disso. e talvez mais importante, há
no mercado livre um incentivo econômico para separar a eficiência econômica de
um indivíduo de qualquer outra característica que possua. Um homem de negócios,
ou um empresário, que expresse em sua atividade determinadas preferências não
relacionadas com a eficiência produtiva, acabará por ficar em posição de
desvantagem com relação aos outros indivíduos que não ajam dessa maneira. Está,
na realidade, impondo a si próprio um preço mais alto - o que não fazem os
outros que não apresentam as preferências em questão. Por isso, num mercado livre, acabará por ser eliminado. "
Esse fenómeno tem um âmbito bem mais amplo. Acredita-se em geral que a pessoa
que fez discriminação com base em raça, religião ou cor. ou em qualquer outra
circunstância, não tem prejuízo com essa atitude, e está simplesmente impondo
prejuízos aos outros. Esse ponto de vista tem paralelo na falácia semelhante,
segundo a qual um país não se prejudica quando impõe tarifas sobre os produtos
de outros países.1 Os dois estão errados. O homem que recusa comprar mercadorias
de um negro ou trabalhar a seu lado, por exemplo, está, com isso, limitando sua
área de escolha. Ele terá em geral que pagar um preço mais alto pelo que compra
ou receber um salário menor por seu trabalho. Ou, colocando o ponto de outro
modo, aqueles que consideram a religião ou a cor da pele como irrelevantes
podem,
por isso, comprar a preço mais barato.
Fica claro, pêlos comentários acima, que existem problemas sérios na definição e
interpretação da discriminação. O homem que exerce discriminação paga alto preço
por agir assim. ^Ele está. por assim dizer, "comprando" o que considera um
"produto".
É difícil perceber que a discriminação não tem outro significado senão o de que
alguns não compartilham os "gostos" de outros. Nós não consideramos
"discriminação"
- ou pelo menos não no mesmo sentido negativo - o fato de um indivíduo estar
disposto a pagar preço mais alto para ouvir este cantor e não aquele: mas o
consi-
Numa análise brilhante e penetrante de algumas questões econômicas envolvidas na
discriminação. Gary Becker demonstra que o problema da discriminação é quase
idêntico em sua estrutura lógica ao do comércio exterior e das tarifas. Ver
BECKER. G. S. The Economics of Discrimination. Chicago. Uni-versity of Chicago
Press. 1957.
d raríamos se pagasse mais caro pêlos serviços de uma pessoa de determi-ada cor.
A diferença entre os dois casos é que, no primeiro, nós partilha-os do mesmo
gosto - o que não acontece com relação ao segundo. Há alguma diferença, em
princípio, entre o gosto que leva uma dona-de-casa a preferir uma criada bonita
a uma feia e o gosto que leva uma outra a preferir um negro a um branco ou um
branco a um negro - exceto que simpatizamos e concordamos com um gosto e não com
o outro? Não quero dizer com isso que todos os gostos sejam igualmente bons. Ao
contrário, acredito firmemente que a cor da pele de um homem ou a religião de
seus pais não é, por si só, razão para tratá-lo de modo diferente; que um homem
deve ser julgado pelo que é e faz, e não pelas características externas. Lamento
o que considero ponto de vista preconceituoso e estreito dos que têm gostos
diferentes dos meus a este respeito e tenho deles um conceito muito pouco
lisonjeiro. Mas, numa sociedade baseada na discussão livre, o recurso que tenho
é o de tentar convencê-los de que seus gostos não são bons e que deveriam
alterar seus pontos de vista e seu comportamento - e não usar poder coercitivo
para impor meus gostos e minhas atitudes a outras pessoas.
Legislação sobre discriminação nos empregos
Comissões que estudam as práticas discriminatórias na contratação de serviços
por motivos de raça, cor ou religião foram criadas em numerosos estados com a
tarefa de evitar a "discriminação". A existência dessas comissões constitui
clara interferência na liberdade individual de estabelecer contratos de trabalho
com quem quer que seja. Com isso. cada contrato está sendo submetido à aprovação
ou desaprovação do Estado. Portanto, trata-se de interferência direta na
liberdade, do tipo contra o qual objetaríamos em muitos outros contextos. Além
disso, como acontece quase sempre com outras interferências na liberdade, os
indivíduos submetidos à lei não são em geral aqueles cujas ações os proponentes
da lei desejam controlar.
Considerem, por exemplo, a situação de uma loja situada num bairro habitado por
pessoas que têm forte aversão a serem servidas por negros. Suponhamos que uma
destas lojas tenha vaga para um empregado, e o primeiro candidato a se
apresentar seja negro e preencha todas as exigências estabelecidas pelo
empregador. Suponhamos ainda que. como consequência da lei em questão, a loja
seja obrigada a contratá-lo. O efeito de tal ação será a redução do movimento de
negócios e a imposição de prejuízo ao proprietário. Se a preferência do bairro é realmente firme, poderá levar ao fechamento da loja. Quando o proprietário de
uma loja contrata empresados brancos em vez de negros, no caso de não existir
uma lei a respeito. ele pode não estar manifestando preferência ou preconceito
ou gosto próprios. Pode estar simplesmente transmitindo os gostos da comunidade
a que serve. Está na realidade oferecendo aos consumidores os serviços que estes
desejam consumir. Entretanto, ele fica prejudicado - e pode ser mesmo o único
prejudicado - por uma lei que o proíbe de desenvolver essa atividade. isto é.
que o proíba de satisfazer os gostos da comunidade contratando um empregado
branco em vez de negro. Os consumidores, cujas preferências a lei pretende
corrigir, serão afetados somente no sentido de que o número de lojas ficará
limitado e terão que pagar um preço mais alto porque uma delas fechou. Esta
análise pode ser generalizada. Na grande maioria dos casos, os empregadores
transmitem a preferência de seus clientes ou dos outros empregados, quando
adotam políticas de emprego que tratam fatores irrelevantes para a produtividade
técnica e física como relevantes para o emprego. De fato. os empregadores têm
tipicamente um incentivo, como já observado, para tentar de todos os modos
satisfazer as preferências dos clientes ou dos empregados - se o não atendimento
de tais preferências pode custar-lhes mais caro.
Os proponentes de tais comissões argumentam que a interferência com a liberdade
individual de estabelecer contratos de trabalho esta justificada: o indivíduo
que recusa empregar um negro, quando está devidamente qualificado para o cargo,
em termos de capacidade física produtiva, prejudica com isto outros indivíduos,
isto é. o grupo de cor ou religioso em questão que tem suas oportunidades de
trabalho limitadas. Este argumento envolve uma séria confusão entre dois tipos
muito diferentes de dano. Um tipo está constituído pelo dano positivo que um
indivíduo faz a outro por meio de força física ou obrigando-o a estabelecer
determinado contrato contra a sua vontade. Exemplo óbvio é o do homem que fere
outro com um porrete. Exemplo menos óbvio é o da poluição dos rios. comentado no
capítulo II. O segundo tipo está constituído pelo dano negativo que ocorre
quando dois indivíduos não estão em condições de firmar um contrato mutuamente
conveniente - como no caso de um não estar disposto a comprar alguma coisa que
outro quer vender. Se a comunidade, de modo geral, prefere cantores de b/ues em
vez de cantores de ópera, ela está realmente aumentando o bem-estar dos
primeiros em relação aos segundos. Se um cantor de b/ues pode encontrar emprego
e um cantor de ópera não pode. isto significa que o primeiro está oferecendo
serviços que a comunidade acha conveniente comprar, e o segundo não está. O
cantor de ópera está sendo "prejudicado" pêlos gostos da comunidade. Ele estaria
em situação melhor - e os cantores de b/ues estariam sendo prejudicados - se os
gostos da comunidade fossem diferentes. Evidentemente, esse tipo de dano não
envolve nenhuma troca involuntária ou uma imposição de custos ou a garantia de
benefícios a terceiros. É evidente que o governo deve intervir para impedir que
uma pessoa imponha dano a outra, isto é. para impedir coerção. Mas não há
nenhuma justificativa para que o governo intervenha com o fim de impedir o
"dano"
do tipo negativo. Ao contrário, tais intervenções do Estado reduzem a liberdade
e limitam a
A legislação adotada envolve a aceitação de um princípio que seus proponentes
considerariam abominável em qualquer outra circunstância. Se é válido ao Estado
declarar que os indivíduos não devem discriminar por ocasião da contratação de
empregados na base de cor, raça ou religião, entãc é igualmente válido ao Estado
- desde que exista maioria que vote em ta sentido - declarar que os indivíduos
devem discriminar quando da contra tacão de empregados em termos de cor, raça ou
religião. As leis da Nurem berg de Hitler e as leis dos Estados do Sul impondo
desvantagens aos ne gros são exemplos claros de leis semelhantes, em princípio,
às que discuti mós agora. Os oponentes de tais leis - mas que favorecem as
existentes respeito da contratação de empregados - não podem argumentar contr
elas dizendo que estão erradas em princípio, por envolverem um tipo d ação
estatal que não deveria ser permitido. Só podem declarar que os crití rios
particulares usados são irrelevantes. Só podem tentar persuadir os 01 tros
homens a usar outros critérios.
Se lançarmos um amplo olhar sobre a História e observarmos o tip de coisas que a
maioria é capaz de fazer, quando casos individuais são ju gados na base de seus
méritos próprios em vez de como parte de um princ pio geral, teremos poucas
dúvidas sobre a total inconveniência da aceit cão de uma ação do governo nesta
área, mesmo do ponto de vista d< que apoiam no momento tal intervenção. Se, no
momento, os que apoia a legislação em exame estão em posição de impor seus pontos de vista, : sot se deve a determinada situação constitucional e federal
em que un maioria regional numa parte do país está em posição de impor suas o]
niões a uma maioria de outra parte do país.
Em termos gerais, qualquer minoria que dependa da ação específi de uma maioria
para defender seus interesses está adotando atitude exti mamente míope. A
aceitação de certo número de leis aplicadas a certas < pécies de casos pode
evitar que maiorias específicas explorem minorias i pecíficas. Na ausência de
tais leis, as maiorias com certeza usarão seu \ der para impor suas preferências
ou, melhor, seus preconceitos - e n para proteger as minorias contra os
preconceitos das maiorias.
Traduzindo meu ponto de vista de modo diferente e talvez mais cl cante,
consideremos agora o caso de um indivíduo que acredita ser inde o atual padrão
de gostos, e terem os negros menos oportunidades
gostaria que tivessem. Suponhamos que ponha em prática suas con' Coes.
escolhendo sempre os candidatos negros a determinado cargo, rr ^o quando exista
um certo número de candidatos mais ou menos qualifi dos com respeito às outras
exigências. Nas atuais circunstâncias, devi Ser ele impedido de agir deste modo?
Evidentemente, a lógica envolv na organização das comissões exigiria tal
providência.
A contrapartida do emprego justo, na área em que esses princípios Ve^ tenham
melhor se desenvolvido, a saber, na área da expressão s justa" em vez de
"expressão
livre". A este respeito, a posição da American Civil Liberties Union é altamente
contraditória. Está a favor tanto da liberdade de palavra quanto do emprego
justo. Uma maneira de justificar a necessidade de liberdade de palavra é
declarar não desejável que maiorias ocasionais decidam o que deve ser
considerado como expressão própria. Queremos um mercado livre de ideias - de
modo que as ideias tenham a oportunidade de conquistar a maioria ou a aceitação
quase unânime, mesmo se forem sustentadas inicialmente por poucos. A mesma
consideração aplica-se precisamente à contratação de empregados ou. de modo mais
geral, ao mercado de produtos e serviços. E, por acaso. mais desejável que a
maioria momentânea decida quais as características relevantes para determinada
função do que as características mais apropriadas de um discurso? De outro lado,
pode um mercado de ideias livre ser mantido se o mercado livre de produtos e
serviços é destruído? Os membros da ACLU lutariam até a morte para proteger o
direito de um racista discursar em uma esquina defendendo a segregação racial.
Mas estariam a favor de pô-lo na cadeia, se tentasse agir de acordo com seus
princípios recusando-se a contratar um negro para determinada função.
Como já foi enfatizado, o recurso apropriado para os que, como eu. acreditam ser
o critério da cor da pele irrelevante é tentar convencer" os demais a pensar do
mesmo modo - e não usar o poder coercitivo do Estado para forçá-los a agir em
concordância com nossos princípios, A ACLU. dentre todos os grupos, deveria ser
a.primeira a reconhecer e proclamar tal verdade.
Leis sobre o direito ao trabalho
Alguns Estados promulgaram as chamadas leis de "direito do trabalho". Trata-se
de leis que tornam ilegal exigir o registro num sindicato como condição para um
emprego.
Os princípios envolvidos nas leis de direito ao trabalho são os mesmos
envolvidos nas comissões contra a discriminação. Ambas interferem na liberdade
de contratação, num caso, especificando que determinada cor de pele ou religião
não pode constituir condição para a contratação, e no outro, estabelecendo que o
registro num sindicato não pode ser condição para a contratação. Apesar da
identidade de princípios, há quase 100 por cento de divergência de pontos de
vista com relação às duas leis. Quase todos os que estão a favor das comissões
estão contra o direito ao trabalho: quase todos os que estão a favor do direito
ao trabalho estão contra as comissões. Como liberal, sou contra ambas, da mesma
forma que sou contra as leis que tornam ilegais os contratos que exigem como
condição da contratação que o candidato não esteja registrado em nenhum
sindicato.
Como existe competição entre empregadores e empregados, não há razão para Que os primeiros não tenham a liberdade de oferecer a estes as
condições que preferirem. Em alguns casos, os empregadores descobrem que os
empregados preferem ter parte de sua remuneração sob a forma de campos de
beisebol ou diversões em geral ou sob a forma de facilidades de descanso e
férias que não em dinheiro. Acham então ser mais conveniente oferecer tais
facilidades como parte do seu contrato de trabalho do que oferecer salários mais
altos. De forma semelhante, os empregadores podem oferecer planos de
aposentadoria ou outras vantagens. Nenhuma dessas práticas envolve interferência
com a liberdade dos indivíduos de encontrar um emprego. A situação reflete
simplesmente a tentativa dos empregadores de tornar as condições de emprego
convenientes e atrativas para os empregados. Enquanto houver muitos
empregadores,
todos os empregados que tiverem certos tipos de preferência poderão tentar
satisfazê-las procurando o emprego e o empregador adequados. Em circunstâncias
competitivas, o mesmo aconteceria com relação à obrigatoriedade da
sindicalização. Se alguns empregados preferissem trabalhar em firmas que exigem
a sindicalização e outros, em firmas que não a exigem, desenvolver-se-iam
diferentes tipos de contratos com condições diferentes.
Em termos práticos, contudo, há algumas diferenças importantes entre as
comissões referidas acima e o direito ao trabalho. As diferenças são a presença
de monopólio sob a forma das organizações sindicais da parte dos empregados e a
presença da legislação federal com relação aos sindicatos. E pouco provável que,
num mercado de trabalho competitivo, venha a ser conveniente para os
empregadores exigir a sindicalização como condição para contratação. Enquanto
muitas vezes pode-se encontrar sindicatos sem qualquer poder de monopólio do
lado do trabalho, isto quase nunca acontece com as empresas fechadas: elas são
frequentemente símbolo do poder de monopólio.
A coincidência de uma empresa fechada com o monopólio do trabalho não justifica
a lei do direito ao trabalho. Justificaria melhor uma ação no sentido de
eliminar o monopólio - sob qualquer forma ou manifestação particular em que se
apresente; justificaria uma ação antitruste mais efe-tiva e mais ampla no campo
de trabalho.
Outra característica especial importante na prática é o conflito entre as leis
federal e estadual, e a existência, no presente momento de uma lei federal que
se estende a todos os Estados, e que só deixa a estes a alternativa da
promulgação de uma lei de direito ao trabalho. A melhor solução se-na a revisão
da lei federal. A dificuldade reside no fato de nenhum Estado •solado estar em
posição de fazer tal coisa e de existirem pessoas num determinado Estado que
desejem uma alteração na legislação que regula os sindicatos locais. A lei do
direito ao trabalho constitui o único meio efetivo nesta circunstância, e,
portanto, o menor dos males. Em parte porque acho
uma lei de direito ao trabalho não terá em si e por si nenhum grande
108 efeito no poder de monopólio dos sindicatos; não aceito tal justificativa
pa.
rã sua existência. Os argumentos práticos me parecem demasiado fracos para
sobrepujarem a objeção de princípio.
Segregação nas escolas
A segregação nas escolas revela um problema particular que não foi abordado
pêlos comentários até agora apresentados por uma única razão: as escolas, nas
circunstâncias atuais, são, na grande maioria, operadas e administradas pelo
governo. Isso significa que o governo tem que tomar uma decisão explícita. Tem
que escolher entre estabelecer a segregação ou estabelecer a integração. As duas
parecem péssimas soluções. Os que, como eu, acreditam ser a cor da pele
irrelevante e ser necessário que todos venham a reconhecer isso, mas que também
acreditam na liberdade individual, ficam diante de um dilema. Se fosse preciso
escolher entre os males da segregação e os da integração, eu próprio acharia
difícil não optar pela integração.
O capítulo precedente, escrito sem nenhuma preocupação com o problema da
integração ou da segregação, oferece a solução apropriada que permite evitar os
dois males - uma bela ilustração de como determinadas providências destinadas a garantir a liberdade em geral podem resolver problemas de liberdade em sentido
particular. A solução adequada seria eliminar a operação governamental das
escolas e permitir aos pais escolher o tipo de escola que desejam que os filhos
frequentem. Além disso, é evidente que todos nós deveríamos, tanto quanto
possível, tentar, pelo exemplo e pela palavra, fomentar atitudes e opiniões que
tornem as escolas integradas a regra, e as segregadas a exceção
Se fosse adotada uma proposição como a do capítulo precedente, ela permitiria o
desenvolvimento de certa variedade de escolas, algumas todas brancas, outras
todas negras, e outras ainda comuns aos dois tipos de população. Permitiria, de
outro lado, que a transição de um tipo de escola para outro - para as comuns aos
dois tipos de população, é o que esperamos - se realizasse de modo gradual à
medida que as atitudes da comunidade fossem mudando. Evitaria, assim, o duro
conflito político que tanto tem contribuído para criar tensão social e dividir a
comunidade. E permitiria, como o mercado faz de modo geral, o surgimento, nesta
área particular, da cooperação sem o conformismo.2
O Estado da Virgínia adotou um plano que tem muitas características em comum com
o apresentado no capítulo precedente. Embora adotado
2 Para evitar mal-entendidos, é preciso observar explicitamente que. ao falar
sobre a proposição no capítulo anterior, supus que os requisitos mínimos
exigidos às escolas para que elas pudessem ser utilizadas não incluíssem
referências à integração ou segregação.
luv
propósitos de evitar a integração compulsória, inclino-me a prever C° s efeitos
finais da lei serão muito diferentes - afinal de contas, a dife-^ a entre
resultado e intenção é uma das principais justificativas de uma r \2dade livre;
convém permitir aos homens seguir a inclinação de seus 'nrios interesses, pois
não há meios de predizer onde tais interesses vão t rminar. De fato, mesmo nos
estágios preliminares, houve surpresas. Fui 'nforrnado de que um dos primeiros
requerimentos Q financiamentos para a troca de escola foi feito por um pai que
desejava transferir o filho de uma escola segregada para uma integrada. A
transferência não foi requerida em termos do problema racial, mas por que a
escola integrada era a melhor em termos educacionais. Em termos de previsão a
médio e longo prazos. se esse sistema não for abolido, a Virgínia constituirá um
experimento para testar as conclusões do capítulo anterior. Se as conclusões
estiverem corre-tas, assistiremos a um florescimento de escolas na Virgínia, com
um aumento em sua diversidade, com substancial, senão espetacular.
desenvolvimento na qualidade das principais e um posterior melhoramento na
qualidade do restante sob a influência das principais.
Com relação ao verso da medalha, não devemos ser tão ingénuos a ponto de pensar
que valores e crenças profundamente enraizados podem ser extirpados em pouco
tempo por meio da promulgação de leis. Eu moro em Chicago. Chicago não tem leis
que protejam a segregação. Suas leis exigem a integração. Entretanto, as escolas
públicas de Chicago são provavelmente tão segregadas quanto as da maioria das
cidades do Sul. Não há dúvida alguma de que, se fosse introduzido em Chicago o
sistema em vigor na Virgínia, o resultado seria uma redução apreciável na
segregação e grande aumento das oportunidades aos jovens negros mais capazes e
mais ambiciosos.

Capitalismo e Liberdade - Milton FriedmanOnde histórias criam vida. Descubra agora