O LIVRO DE CONTOS DE FADASCirce e Branca de Neve estavam sentadas uma ao lado da outra quando a casa das irmãs esquisitas se acomodou no lugar. Onde quer que tivessem aterrissado, estava extremamente escuro.
– Branca, fique aqui enquanto dou uma olhada ao redor – disse Circe. – Parece que paramos.
Branca segurou firme a mão de Circe, sem querer que ela se afastasse.
– Vou com você.
Juntas, as duas tatearam ao redor da casa, tropeçando na direção da janela mais ampla. Branca arquejou. Estavam num mar de escuridão cercado por aglomerações de estrelas brilhantes que se moviam como se estivessem dançando a uma música que as mulheres não conseguiam ouvir. Luzes claras verdes e amarelas atravessavam a cortina escura da noite – algo mais belo do que qualquer nascer e pôr do sol que já tivessem testemunhado.
Circe não fazia ideia de onde estavam, apesar de ter a sensação de saber onde não estavam. Não estavam em nenhuma parte dentro dos muitos reinos. Mas, de alguma maneira, inexplicavelmente, sentia-se segura.
– Acho que a casa voltou para seu lugar de origem. O lugar da sua criação. Lembro-me que minhas irmãs comentaram algo a respeito. Alertaram-me que isto poderia suceder se algo algum dia lhes acontecesse, mas, sinceramente, desconsiderei a ideia. Lamento agora a frequência com que não atentei aos desvarios delas, mas tudo o que diziam era em fragmentos e rimas. Era difícil compreendê-las.
Branca de Neve estava surpreendentemente controlada.
– Entendo. Bem, suponho que não haja nada que possa ser feito a respeito. Acredita que Babá tenha recebido a mensagem que você enviou? – perguntou ao andar pelo cômodo, acendendo as velas nas arandelas. Logo o ambiente estava tomado pela luz.
Circe piscou, deixando que seus olhos se ajustassem.
– Acho que sim. Eu a enviei enquanto ainda estávamos nos muitos reinos, antes de deixarmos o mundo que conhecemos. Mas sinto que não há um meio de entrarmos em contato com ela agora.
Branca de Neve foi até a poltrona e apanhou o espelho que Circe usara para se comunicar com Babá.
– Não podemos usar isto?
Circe se esquecera por completo do artefato.
– Vamos tentar!
A feiticeira pegou o espelho.
– Mostre-me Babá! – Nada aconteceu. – Mostre-me Malévola! – Nada ainda.
Circe suspirou e abaixou o espelho. Branca parecia estar pensando.
– E quanto ao Livro das Fadas? – ela perguntou. – Será que ainda está escrevendo as histórias de todos, como vinha fazendo quando minha mãe e eu o pesquisamos?
– Ah, você é brilhante, Branca. Vamos ver! – Circe disse, abrindo o livro. – Ele está! Olhe aqui! Branca, esta cena, entre Babá e Malévola, estava aqui?
Branca pegou o livro e leu as páginas, dando uma passada rápida de olhos nas partes das histórias que já conhecia.
– Estranho, algumas partes mudaram. Apenas uns trechos, aqui e acolá. Não entendo como a magia funciona, Circe, mas você acha que a história está se reescrevendo à medida que novos eventos acontecem?
Circe não tinha certeza, mas parecia-lhe uma boa teoria.
– É provável – disse.
– Interessante. Fico pensando… – Branca virou as páginas para ver o que mais mudara. – Espere, esta história não estava aqui antes.
Branca viu uma bela ilustração de Circe pequena. Era inconfundível. No desenho, Circe estava com as três irmãs mais velhas sob um céu estrelado. Branca nunca vira tantas estrelas antes, mesmo em seu reino encantado. Notou que as irmãs de Circe estavam de pé ao redor dela numa formação triangular, e que havia marcações no chão que brilhavam ao luar. Era uma ilustração estranha, e Branca não sabia como interpretá-la.
– O quê? O que foi? – Circe perguntou, vendo a expressão no rosto de Branca.
Branca de Neve estava com o nariz enrugado e os lábios contraídos. Circe notou que essa expressão significava preocupação.
– A história é a seu respeito.
Circe sentiu uma descarga de choque percorrer todo o seu corpo.
– Não vejo como, Branca! Não. Por favor, vamos pular essa história. – Branca olhou para Circe para verificar se ela tinha certeza disso.
Quando Circe não respondeu, Branca retornou à história da Bruxa Dragão. Passou os olhos pelas páginas para ver se algo novo havia sido acrescentado. Conforme viravam as páginas, lendo a emocionante história que Malévola partilhara com Babá, Circe teve de se perguntar se ainda não existia algo de bom em Malévola. De outro modo, Circe deduziu, ela já teria matado o príncipe. O que a refreava? Circe sabia que as irmãs o teriam matado ou levado a alguma espécie de loucura a esta altura.
– O que foi? Qual o problema, Circe? – Branca perguntou.
A história se parecia tanto com a de Branca que Circe não desejava aborrecê-la ao trazer à tona os acontecimentos do passado dela.
– Eu só não entendo por que ela amaldiçoou Aurora. Todo o resto faz sentido, entendo os motivos dela. Mas não essa parte.
Branca de Neve pousou a mão no rosto da prima e sorriu.
– Isso porque você nunca teve uma mãe que tivesse tentado matá-la. Por piores que sejam suas irmãs, elas evidentemente a amam. Sei que mentiram e que fizeram mal às pessoas. Magoaram você. Mas depois de ler o que elas fizeram por Malévola, como tentaram ajudá-la, parece-me que já foram bruxas boas em algum momento.
Circe pensou que era extremamente generoso Branca dizer isso, considerando-se tudo o que as suas irmãs lhe haviam feito. Então Branca disse algo que a surpreendeu.
– E eu acho que sei por que Malévola amaldiçoou a filha. Acho que sei por que queria que ela morresse.
– Tem certeza?
– Acho que sim…

VOCÊ ESTÁ LENDO
Malévola: A Rainha do Mal
Short StoryEra uma vez uma adorável e indefesa donzela que dorme profundamente anos a fio - vítima de uma maldição - antes de ser resgatada pelo belo e corajoso príncipe encantado. Mas essa é apenas a metade da história. E quanto à Fada das Trevas, Malévola? T...