O SEGREDO DAS IRMÃS ESQUISITASA mente de Circe rodopiava depois de ouvir a história de Malévola e o que a Fada das Trevas dissera a respeito das suas irmãs, na verdade, serem suas mães. Como isso seria possível? Ela precisava de ar fresco – sair da casa das irmãs. Precisava de tempo para pensar e para respirar.
Circe saiu da casa e viu que uma mulher vinha na sua direção. Usava um vestido leve de tafetá preto, que se movia com delicadeza com os gestos miúdos da mulher. O vestido era decorado com rubis em formato de maçãs e bordado com uma árvore ressaltada por pequeninos pássaros em fio dourado.
– Rainha Branca de Neve? – Circe perguntou. Quase se esquecera de que a rainha estava a caminho.
– Olá! Sim, sou eu – a mulher disse. Diminuiu a distância que a levava até Circe com um sorriso amplo no rosto.
– Olá, Vossa Majestade! – Circe disse. – Fiquei tão contente quando escreveu dizendo que viria. Eu não tinha certeza se o faria.
Branca de Neve sorriu para Circe.
– Por favor, pode me chamar de Branca. Claro que eu queria vir. Quis lhe entregar o livro de imediato. – Branca sorriu, e as linhas ao redor dos olhos se acentuaram, deixando-a ainda mais bela para Circe. – Soube pela sua carta amável que você era diferente das suas irmãs.
Branca de Neve parou de andar e olhou para Circe com uma expressão intrigada. Estava tentando ligar Circe às irmãs esquisitas baseando-se nas suas lembranças de infância. Branca não conseguia imaginar que essa mulher estivesse relacionada àquelas mulheres horríveis. De repente, algo se encaixou para Branca. – Espere, Circe. Você é a feiticeira que amaldiçoou o Príncipe Fera?
– Sim, sou eu. – Circe abaixou os olhos, envergonhada. Odiava ter causado essa impressão na prima recém-conhecida.
– Oras, mas você não foi genial? Acho que já decidi que gosto muito de você, Circe – Branca disse ao passar o braço pelo de Circe. – Pelo que entendi, ele era uma pessoa bestial e mereceu cada parte daquela maldição!
As mulheres riram e Circe se sentiu mais à vontade na companhia da prima.
– Por favor, entre. Preparei o chá – disse ela. – Já que está a par da história do Príncipe Fera – Circe continuou –, foi aqui que Úrsula encontrou a Princesa Tulipa, bem debaixo da superfície da água, depois que Tulipa saltou daquele rochedo. Dói meu coração pensar que Tulipa estivesse tão miserável por conta daquele homem desprezível. Mas a experiência toda de fato ajudou-a a se tornar a jovem incrível que é agora; então, eu não deveria lamentar o caminho que a trouxe até aqui.
Enquanto Branca ouvia, seus imensos olhos escuros pareciam reluzir com um pensamento que não estava partilhando. Ocorreu a Circe que Branca de Neve era uma mulher pacata. Já sabia que a amava, apesar de a ter conhecido há apenas poucos instantes. Havia uma inegável bondade em seu interior que agradava a Circe.
– Você não é de falar muito, não, Branca?
Branca balançou a cabeça.
– Imagino que não. Converso com minha mãe, com minhas filhas e com meu marido, o rei, claro. Eles são meus melhores amigos.
Circe conseguiu ouvir o que Branca de Neve não estava dizendo: Minha mãe é muito protetora. Ela não gosta que eu viaje pelos reinos. Ela não gosta que eu fique na companhia de pessoas que ela não conheça ou confie.
– Bem, eu lhe asseguro, Branca, você está segura comigo. Pode confiar em mim.
Branca sorriu para Circe.
– Acredito que eu possa.
As mulheres sorriam uma para a outra, sentindo-se abençoadas pela companhia mútua. E por se sentir à vontade com Branca, Circe contou as novidades de Malévola.
– Quer dizer… – Branca começou, olhando preocupada para Circe. – Acredita que Malévola esteja dizendo a verdade a respeito das suas irmãs? Você me parece incerta.
Circe parou no patamar diante da escada curta que dava para a porta de entrada da casa das irmãs esquisitas. Pensou a respeito da pergunta.
– Eu não sei – respondeu por fim, tirando uma bolsinha de dentro do bolso.
Circe espalhou um pó brilhante da cor de safiras que tirara da bolsinha na mão de Branca. Ele reluziu à luz do sol, como se fosse feito de safiras de verdade.
– Agora, assopre naquela direção – Circe instruiu, apontando.
Branca fez o que Circe lhe disse. De repente, uma casa surgiu diante dos seus olhos. Ela se sentiu uma tola por arquejar, mas não teve como evitar. O feitiço a surpreendeu.
Branca se maravilhou ante a casa das irmãs esquisitas. Nunca vira uma construção como aquela. Nunca pensara sobre muito onde as irmãs esquisitas moravam. Sempre imaginou que elas saltavam de um redemoinho negro toda vez que decidiam que era hora de atormentar suas vítimas, e depois desapareciam no vácuo numa nuvem de fumaça quando haviam terminado. Isto é, até estarem prontas para mexer com a cabeça de mais uma vítima. Mas a casa delas era charmosa. O telhado até se assemelhava a um chapéu de bruxa.
Quando ela passou pela porta entrando numa cozinha clara e arejada com uma ampla janela, não teve como não ver a macieira do lado de fora.
– Aquela é…
Circe contraiu os lábios, sentindo-se tola por não ter escondido a árvore.
– Temo que sim. Minhas irmãs tinham os artefatos para todas as suas… hum, as suas aventuras.
Branca franziu o cenho.
– Eu não chamaria atormentar minha família de aventura. – Mas Branca entendeu que devia ser uma palavra que Circe usava como forma de negação. Branca muitas vezes empregava termos semelhantes para se referir à mãe como mulheres diferentes, apesar de a mulher que ela amava e conhecia hoje ser a mesma que tentara matá-la, por mais que ela tentasse apartá-las em sua mente.
Ouvindo os pensamentos de Branca, Circe suspirou.
– Exato. Fico muito feliz por estarmos nos entendendo. Provavelmente ainda mais do que poderíamos saber. Tenho a sensação de que seremos grandes amigas. Eu já a amo muito.
Branca de Neve sorriu.
– Sinto a mesma coisa. Depois de tudo o que me contou, sinto como se já a conhecesse muito bem. E você partilhou tanto comigo, tudo pelo que passou nestes últimos dias… Sinto como se tivesse vivenciado isso com você. É tão estranho estar aqui – na casa das suas irmãs. Passei tantos anos imaginando quem suas irmãs de fato eram. Imaginando o que as tornou no que são e por que me atormentaram quando eu era criança. Elas ainda me atormentam nos meus sonhos.
Circe pareceu preocupada.
– Elas fazem isso? Sinto muito. Se elas estão lhe enviando sonhos ruins, verei o que posso fazer para acabar com isso.
Agora Circe tinha mais um motivo para estar frustrada com as irmãs. Depois de todos esses anos, elas ainda atormentavam Branca de Neve. Isso a deixava mais brava do que desejava admitir.
– Venha, sente-se e fique à vontade. Vou preparar o chá – Circe disse. Ela sabia que Branca de Neve não compreendia muito bem o motivo de ela estar ali.
De súbito, ocorreu a Branca de Neve que ela poderia simplesmente ter enviado o livro. Por que fora até ali? Não seria uma presunção da sua parte impor sua presença dessa maneira quando Circe já estava passando por tanta coisa?
Circe sorriu para a prima.
– Eu lhe enviei o encantamento para que viesse, Branca. Você é mais do que bem-vinda aqui.
Branca entregou a Circe o Livro dos Contos de Fadas que trouxera consigo.
– Pegue. E deixe que eu preparo o chá. Não suporto me sentir inútil. Uma vez que não entendo nada de livros de magia, você provavelmente deveria deixar as tarefas mais mundanas, como preparar o chá ou as refeições, para mim.
Circe pensou que Branca de Neve devia ser a mulher mais gentil que já conhecera. Quase se esquecera de que era uma rainha.
– Você deve ter criados para fazer esse tipo de coisa para você.
Branca riu com mais vontade do que há tempos não fazia.
– Eu costumava cozinhar e limpar para sete anões. Sou capaz de fazer um bule de chá. Sei que está ansiosa em avaliar os livros de magia das suas irmãs e o Livro de Contos de Fadas. E sei que não deve estar se sentindo à vontade por deixar Babá sozinha com Malévola por muito tempo, mesmo que seja isso o que ela quer. Portanto, volte ao trabalho!
Circe sorriu ante a gentileza de Branca. Não duvidava das habilidades de Babá para se proteger, mas conhecia o coração dela. Não imaginava Babá fazendo mal a Malévola, mesmo que em autodefesa. Deixando o Livro dos Contos de Fadas de Branca de lado, abriu um dos outros livros de magia das irmãs.
Enquanto Branca vasculhava os armários da cozinha das irmãs à procura de xícaras, deparou-se com uma azul linda, com borda dourada. Algo nela a fez pensar em sua infância. Tinha quase certeza de que sua mãe tivera xícaras como aquela. Branca pensou em mencionar algo a respeito com Circe, mas não queria atrapalhá-la enquanto ela pesquisava.
– Oh, deuses! Acho que são mesmo minhas mães! – Circe exclamou. Estava ficando agitada. Algo em seu interior se encheu de medo, fazendo com que seu coração disparasse tão rápido que ela acreditou que fosse desmaiar.
– Circe, você está bem? O que foi? Encontrou algo? – Branca perguntou preocupada.
– Não, desculpe por estar tão transtornada. Estou preocupada que talvez Malévola esteja dizendo a verdade, e isso me deixou ansiosa – Circe admitiu.
– Há algo que eu possa fazer por você? Gostaria de um pouco de água? – A voz suave de Branca retinia como um sino pequeno.
Circe olhou para a prima.
– Estou tão devastada, Branca. Sinceramente não sei por onde começar a procurar em todos estes livros. Minha cabeça está girando.
Branca se juntou a Circe no chão. Apoiou a mão delicada no ombro da prima.
– Você está em estado de choque, Circe. Respire um pouco. Por que não começa a procurar pelos diários datados antes do seu nascimento? Você disse que Malévola mencionou algo a respeito de as suas irmãs também terem um segredo dela. Talvez você deva procurar nos diários que dizem respeito a ela.
Circe ficou grata pela sugestão.
– E você se perguntou o motivo de ter vindo. Obrigada.
Branca sorriu e levou chá para Circe.
– No que está pensando, Branca? – Circe perguntou.
Branca riu.
– Não consegue saber?
Circe balançou a cabeça.
– Nem sempre. Não se não estiver prestando atenção. Mas tive a sensação de que você queria me perguntar alguma coisa. Algo que poderia me entristecer.
– Fiquei pensando se você vai despertar suas irmãs.
– Eu… Bem… Claro que vou – Circe disse. Mas ela mesma já estava começando a se perguntar se isso era mesmo uma boa ideia.
– Você não parece certa disso.
Circe se perguntou se Branca estaria lendo os seus pensamentos.
– Minhas expressões são tão fáceis assim de interpretar?
Branca voltou a guardar a xícara azul-escuro e dourada, decidindo que não gostava de ser lembrada da sua infância. Em vez disso, escolheu duas xícaras pretas com bordas prateadas.
– Bem, se eu fosse você, também estaria me sentindo assim. Estaria dividida. Uma parte de mim iria querer minha família de volta, mas a outra ficaria imaginando se seria responsável deixá-las soltas nos muitos reinos.
Circe sabia que o que ela dizia era verdade.
– E, claro, se Malévola estiver dizendo a verdade, e tenho a sensação de que está, eu vou querer respostas. Respostas que apenas minhas mães terão.
– E vai querer essas respostas diretamente delas? Não acha que encontrará todas as respostas de que precisa nestes livros? – Branca levou a xícara de chá até Circe enquanto a prima acendia a lareira com um movimento da mão.
– Não sei – Circe respondeu. – Mas só há um modo de descobrir.Enquanto Circe pesquisava os livros das irmãs, Branca ficou sentada numa das poltronas, deixando os pensamentos vagarem. Foi estranho, mas ela teve uma sensação de alívio por estar distante da mãe. Estava feliz por estar nesta casa com a amiga nova, e satisfeita por estar por conta própria pela primeira vez na vida. Desde pequena, Branca estivera na companhia de alguém de quem tivera que cuidar: o pai depois da morte da mãe, e da madrasta depois que o pai falecera. E assim continuou com os anões enquanto estivera se escondendo da mãe, e claro, seus próprios filhos que dependeram dela até crescerem, mas isso fora o maior dos prazeres para Branca e não um fardo. E agora que seus filhos eram adultos, era sua mãe quem parecia precisar da incessante garantia do amor de Branca. Era verdade que a mãe a protegia, a amparava e encantara as terras ao redor dela para que ela sempre fosse feliz. Mas Branca percebia agora, depois de algum tempo afastada, que na verdade era ela quem tomava conta da mãe. Ela a confortava sempre, fazendo com que se sentisse melhor. Sempre fazendo com que a velha rainha se sentisse menos culpada pelas coisas que lhe fizera quando ela era mais jovem. Isso era exaustivo.
Circe conseguia ouvir os pensamentos atravessando a mente de Branca, e sentia empatia. Imaginou um cenário que provavelmente aconteceria se ela fosse capaz de despertar as irmãs. Toda culpa e angústia pela sua participação no modo com que elas acabaram na Terra dos Sonhos atormentaria sua mente. Circe às vezes se esquecia de como conseguia ficar brava com as irmãs pelas coisas horríveis que elas fizeram. Às vezes se esquecia de que sua raiva era justificada. Não partilhou seus pensamentos com Branca porque sentia que elas já se compreendiam. Ficou imaginando se tudo isso seria arruinado uma vez que suas irmãs acordassem. Elas não gostavam de Branca de Neve, apesar de Circe não entender o motivo. Com frequência o ódio das irmãs era arbitrário, e com certeza esse era o caso com Branca de Neve. Ela não passara de uma criança quando elas a conheceram. Talvez eu encontre respostas nestes diários. Talvez, depois de todos estes anos, eu finalmente conhecerei minhas irmãs e saberei quem de fato elas são.
Circe vinha lendo os diários há algum tempo quando algo finalmente chamou sua atenção. Empalideceu assustadoramente. Toda a cor fugiu do seu rosto e ela pareceu prestes a desfalecer.
– Oh! Branca! Acho que encontrei! Acho que encontrei o que Malévola disse. É um feitiço!
– O que foi? – Branca se apressou para junto de Circe. – Você está bem? Venha se sentar aqui. Vou buscar um pouco de água. Você está péssima.
Circe estava em estado de choque.
– Agora eu entendo. Tudo faz sentido. Tudo. Cada um dos maus feitos. As manias das minhas irmãs. O meu poder. Tudo.
– O que diz aí? – Os olhos de Branca estavam arregalados. Estava assustada por Circe. Antes que Circe pudesse responder, as duas foram interrompidas por um estrondo terrível.
Branca se apressou para a janela e viu que a casa se erguia acima do rochedo, alçando em direção às nuvens do céu.
– Circe! O que está acontecendo? Você está fazendo isto? Circe parecia tão aterrorizada quanto Branca.
– Não. Não sei por que a casa está viajando! Branca, sente-se. Tenho certeza de estarmos seguras, mas, por favor, sente-se, só como garantia.
Circe foi até a janela grande da cozinha para ter uma visão melhor de onde estavam indo. Embora já tivesse vivenciado isso mais vezes do que se lembrava, suas irmãs sempre estiveram no comando da casa. Ela não fazia ideia de como ela estava se movendo.
Branca agarrou os braços da poltrona com força.
Circe se sentou ao lado de Branca.
– Ficaremos bem, minha querida. Eu prometo. Este é o modo como eu e minhas irmãs sempre viajamos. A casa foi feita para se mover de um lugar a outro desta forma. Só não sei por que está acontecendo agora e por vontade própria.
– Mas para onde estamos indo, Circe? – Branca perguntou.
– Eu não sei, querida. Acho que descobriremos assim que chegarmos lá.
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Malévola: A Rainha do Mal
ContoEra uma vez uma adorável e indefesa donzela que dorme profundamente anos a fio - vítima de uma maldição - antes de ser resgatada pelo belo e corajoso príncipe encantado. Mas essa é apenas a metade da história. E quanto à Fada das Trevas, Malévola? T...