PRÓLOGO

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O castelo da Fada das Trevas estava sinistramente destacado contra o céu tempestuoso em virtude de uma névoa verde incandescente e esplêndida, em espiral. De súbito, um jorro de luz verde disparou a partir da torre mais alta, alertando cada criatura nas proximidades de que Malévola estava absolutamente furiosa. Seus lacaios estremeceram quando o castelo tremeu com força devido à intensidade da sua fúria, fazendo com que seu amado bando de corvos levantasse voo. Por quase dezesseis anos suas criaturas estiveram à procura da princesa Aurora. Tudo em vão, porém. Agora a garota voltava para casa, no castelo do Rei Estevão, para celebrar seu décimo sexto aniversário, pronta para assumir seu lugar na Corte Real.
Malévola andava de um lado ao outro em seus aposentos privativos. Não conseguia localizar as irmãs esquisitas com seus corvos e suas gralhas.
– Por que não me deram ouvidos? – murmurou furiosa. – Elas jamais deveriam ter confiado em Úrsula!
Malévola precisava das irmãs agora mais do que nunca e temia que tivessem desaparecido. Aproximou-se do espelho encantado pendurado na parede. As irmãs esquisitas deram-no a ela muitos anos atrás.
– Mostre-me Lucinda! Mostre-me Ruby! Mostre-me Martha! – ordenou. A superfície do espelho tremulou com uma luz violeta brilhante. A Fada das Trevas nunca dominara completamente a magia do espelho como as irmãs o faziam, e raramente usava o presente dado. No entanto, um instante depois, imagens enevoadas das irmãs apareceram no espelho. Caminhavam sem destino em um grande cômodo refletido. Pareciam estar chamando um nome repetidamente, mas Malévola não conseguia discernir suas palavras.
– Lucinda! Consegue me ouvir? Irmãs! Preciso de vocês! – Malévola exclamou. Por um momento, acreditou que as irmãs a tivessem ouvido porque abruptamente deixaram de vaguear.
– Irmãs! Onde vocês estão? Preciso da ajuda de vocês com Aurora! – Malévola gritou.
De repente, a imagem de Lucinda ficou mais definida no espelho. Seu rosto tremulou na névoa púrpura da magia enquanto anunciava ordens frenéticas à Fada das Trevas.
– Você precisa entrar no castelo, Malévola! Vá através do fogo! Através da fumaça! Através de rimas! Vá por quaisquer meios disponíveis, mas vá! Crie o instrumento mundano para arruiná-la se for preciso e mande-a para o mundo dos sonhos. Estaremos esperando por ela. Mas você tem de encontrar um meio de garantir que ela nunca desperte! Nossos poderes não são os mesmos neste lugar. Tudo depende de você! Agora vá!
E assim, tão rápido quanto surgiu, Lucinda desapareceu. Malévola viu apenas seu próprio rosto verde refletido na superfície do espelho. Por mais que clamasse por Lucinda e por suas irmãs, Malévola não conseguiu convocá-las de novo. Estilhaçou o espelho em pedaços minúsculos com seu cajado, mais zangada do que nunca por conta da tolice das irmãs esquisitas.
Malévola se voltou para seu amado corvo de estimação, Diaval, que estava empoleirado em seu ombro.
– Ao que parece, as irmãs esquisitas estão perdidas na Terra dos Sonhos. Eu lhes alertei que algo assim aconteceria caso ajudassem Úrsula! Não me deram ouvidos, as tolas!
Malévola apertou o cajado com ainda mais força. A esfera verde no topo começou a brilhar.
– Usarei fogo, fumaça e rimas! Aquelas fadas intrometidas acreditaram que poderiam manter sua adorada Rosa escondida de mim. Pensaram que a manteriam a salvo. Mas sei que o rei e a rainha estão com sua preciosa princesa dentro do castelo neste exato instante!
Malévola avançou para junto da lareira.
– Usarei fogo! – exclamou ao bater o cajado com força no chão de pedras. O castelo sacudiu quando uma labareda alta se fez na lareira, acompanhada por um fogo idêntico no quarto da Princesa Aurora. Através das chamas, Malévola viu Aurora chorando. – Pobrezinha, ela não sabe que seu noivo é seu amor verdadeiro! Melhor assim.
– Agora usarei rimas – Malévola declarou, apagando o fogo e fechando os olhos conforme as palavras de seu feitiço maligno rodopiavam em seus pensamentos.
Leve-me à Rosa querida e torne esta história finda.
À noite, toque o fuso,
por fogo e fumo por mim aceso. O sono possuirá sua Rosa amada,
em seu repouso para sempre enclausurada.
Um fio de fumaça rodopiou agourento a partir da lareira de Aurora. Os olhos amarelos de Malévola contrastaram reluzentes contra a escuridão da lareira quando ela se transportou até o castelo do Rei Estevão.
Enfeitice a Rosa com o brilho abrasador, sem susto, sem tristeza, sem fugir do temor.
Que ela siga sem desespero,
para dormir eternamente sem esmero.
Um detestável orbe verde surgiu no quarto da princesa, lançando um brilho verde sobrenatural sobre o rosto pálido da moça quando ela se levantou da penteadeira. A esfera luminosa dançou diante dos olhos dela, enfeitiçando-a a segui-la através da passagem encantada que Malévola criara na lareira. A princesa enfeitiçada subiu atrás do orbe ao longo de uma escadaria fria e escura com um arco que se assemelhava assustadoramente a uma tumba. Malévola ouviu as fadas encrenqueiras entoando o nome de Rosa. Agitando a mão, fechou a passagem, deixando as fadas boas para trás.
Degrau a degrau, Aurora subiu, até chegar à torre mais alta do castelo. A Fada das Trevas transformou a esfera verde maligna em uma roca de fiar. Finalmente sua maldição se concretizaria.
Assim como gira a roca, o tempo também girará, divinal e inevitável.
Tecendo minha maldição de sono infindável,
no cenário dos sonhos ela permanecerá.
A princesa esticou-se para a roca, mas hesitou. Uma força interna parecia se debater contra o feitiço terrível de Malévola.
– Toque na roca! Toque, eu ordeno! – Malévola comandou. Sua bruxaria sobrepujou a pobre princesa, que se esticou e tocou de leve a ponta da roca. A agulha afiada perfurou-lhe a pele, lançando uma sensação doentia por todo o seu corpo. Ela sentiu a vida sendo drenada de seu corpo à medida que tudo escurecia. A princesa desmoronou aos pés de Malévola, escondidos sob o longo manto da Fada das Trevas.
Naquele momento, as três fadas boas invadiram o cômodo, seus três rostinhos repletos de medo e de preocupação.
Malévola zombou do trio.
– Suas tolas simplórias! Acreditaram que poderiam me derrotar? A mim? A rainha de todo o mal!
Finalmente, ela tinha a princesa Aurora.
Depois de todos aqueles anos, sua maldição havia feito com que a princesa amada adormecesse, exatamente como havia decretado. As tentativas delas de mantê-la a salvo tinham fracassado. Com um floreio, Malévola rodopiou a capa para um lado.
– Bem, aqui está a sua preciosa princesa! – acrescentou, rindo em triunfo.
As três fadas boas arquejaram ante a cena medonha. O corpo inerte da bela Rosa jazia no chão frio de pedras. Sua tiara estava largada ao seu lado, como um presságio de que ela jamais se tornaria rainha.

Malévola: A Rainha do MalOnde histórias criam vida. Descubra agora