5°Elo - Dandhara

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Alguns meses tinham se passado num piscar de olhos, mal podia compreender que o tempo estava passando tão depressa. Preocupava-me a todo momento, no dia em que tivesse de partir, apesar de que Aiden havia deixado claro que ali agora era meu lugar, ainda temia que meu cunhado estivesse me procurando em algum lugar, e que um dia ele poderia me encontrar ali.
Não desejava expor nenhuma daquelas pessoas a nenhum tipo de perigo, jamais me perdoaria. Todos ali eram tão bons pra mim, me acolhiam como se eu fosse uma igual, apesar de ser a única humana normal na vila. Havia tido essa descoberta durante um almoço de domingo na cantina, os homens comentavam, como eu era uma brava e pequena guerreira, mesmo sendo humana; Eles me elogiaram por estar lidando bem com toda a situação, e por aguentar a pressão de ser a única humana na vila. Fora chocante na hora.
Acabou que não pude ajudar Diogo em nada na cantina, Elliot precisava de alguém que o auxiliasse em muitas coisas e Iron, pelo que entendi, estava numa crise de ciúmes insuportável, pois não queria que ninguém chegasse perto de seu companheiro. Aparentemente, eu era alguém neutro, pois ele decidiu que eu simplesmente iria ficar com Elliot.
Fora algo assim...

_arrume suas coisas, ruiva! – Iron chegou na cantina sério, fazendo todos pararem o que faziam e o observar – você não trabalha mais aqui!

Fazia apenas uma semana desde que havia começado a auxiliar Diogo, e estava me divertindo bastante com aquela experiência.

_desculpe meu chefe, Iron, não entendo o porque de você levar a menina! – Diogo tentou interferir, mas Iron estava irredutível – ela não fez nada de errado!

_eu não disse que ela fez algo errado, Diogo! – respondeu em tom brando – apenas disse que a partir de hoje ela não trabalha mais aqui! – mirando seu olhar duro em mim, continuou – ande, não tenho todo o tempo do mundo! Estou com pressa!

_eu sinto muito menina... – Diogo suspirou, e eu apenas peguei minha mochila, e segui Iron, me despedindo silenciosamente de Diogo.

_pra onde você esta me levando? – indaguei receosa quando ele abriu a porta do carro para mim.

_para Elliot! Você tem medo ou nojo de sangue? – perguntou rapidamente.

_não? Mas o que... – ele apenas me ignorou.

Não fora de grande explicação, mas ele dirigiu até o hospital, arrastando-me consigo quando chegamos, para o andar administrativo, até uma sala, onde Elliot estava, arrumando suas cosias. Aquela deveria ser a sala dele.

_Iron! – ele o cumprimentou sério, algo não parecia estar bem ali.

_meu amor... – o grandão ao meu lado choramingou – não fique bravo comigo... – Elliot estreitou os olhos e cruzou os braços – veja, eu trouxe sua assistente!

Então entendi o que Aiden tinha me dito sobre eles, e sobre a crise de ciúmes de seu irmão. Elliot me olhou surpreso, sorriu e então olhou desconfiado para Iron, que mantinha um sorriso tranquilo.

_pensei que estava ajudando Diogo... – ele começou.

_Aiden me disse que você estava precisando de uma assistente! – tomei a iniciativa: era minha chance de ganhar a confiança daquele imbecil – para poder se adaptar a nova rotina, ajustar seus horários, entre outras coisinhas...

_oh, isso é verdade! – Elliot suspirou.

_eu sempre quis ser médica! – continuei o pegando de surpresa – não podia perder a chance de estar perto de alguém como você! – foi inevitável, o doutor na sala ficou com o rosto corado perante o elogio – deixe-me aprender com você, serei a melhor assistente que você já teve na vida!

_você ainda esta se adaptando a nova rotina... Não quero sobrecarrega-la, e me assessorar não é tão fácil quanto parece, eu sou difícil de se lidar... – tentou argumentar, mas me mantive firme ao lado de Iron, que me encarava surpreso.

_dê uma chance a garota, ela quer muito aprender com você! Quando me viu hoje, insistiu para eu trazê-la até você... – ele ajudou-me, Elliot me encarou mais uma vez, e então suspirou sorrindo.

_depois não diga que eu não avisei! – ele coçou a nuca – quando pode começar?

_agora mesmo! – respondi com firmeza.

_obrigada, eu estou um pouco perdido aqui... – olhou para os lados, havia varias caixas no local.

_vamos nos ajustar! – o assegurei.

_então eu vou indo, meu amor! – Iron pulou do meu lado, e beijou Elliot rapidamente, deixando-me constrangida diante da demonstração de afeto: era tão lindo. Senti meu rosto esquentar.

_tão lindos... – murmurei baixinho, tapando o rosto as mãos e virando de costas.

_estou começando a gostar de você ruiva! – Iron passou por mim, afagando levemente meus cabelos – se cuidem, eu volto para busca-los mais tarde!

Ele se foi, mas deixou Elliot e eu corados e constrangidos na sala.
Desde aquele dia, passei a assessorar o doutor, mas a rotina era ainda mais desgastante. Elliot começava a trabalhar cedo e terminava tarde, eu organizava sua agenda da melhor forma que podia, para que ele conseguisse ao menos fazer as refeições diárias adequadamente. As vezes tinha que trancá-lo e obriga-lo a comer, ou então fazer uma pausa e massagear seus ombros tensos.
Quando ele focava em algo de suas pesquisas, virava noites e noites em claro, aproveitando-se de quando Iron tinha de fazer patrulhas noturnas, suas leituras noturnas, e maus hábitos alimentares lhe rendiam em dores nos músculos constantes e dores de cabeça regulares.
Conheci Andrews, outro doutor shifter, o qual me ensinou a lidar com Elliot nesses momentos, usando chantagem emocional, ou agressões. Era só ameaçar cancelar sua agenda que ele obedecia com um filhote de labrador em treinamento.
Estando tão perto de Elliot, era impossível não admirá-lo, o mesmo dava tudo de si em prol dos outros. Tentava abraçar o mundo com as mãos, cuidava pessoalmente das crianças, vistoriava a saúde dos soldados, preocupava-se com as gestantes, e eventualmente atendia alguns idosos. Dancan o diretor do hospital, era outro médico extremamente experiente e totalmente empático, seu companheiro era um dos enfermeiros do hospital, Adrian, era seu nome. Dancan havia se especializado em neurocirurgia e posterior havia passado a estudar genética. Um bom urso, um bom médico.
Pra mim, havia se tornado algo tão natural, os Shifters.
Elliot me ajudou a entender o básico da anatomia dos ursos, bem como as transformações e as regras em geral, coisas que as crianças aprendiam desde cedo sobre seus corpos e suas origens. Ele dizia que eu era um filhote em aprendizado; Então passou a me ensinar todos os dias, treinando-me para fazer o exame de admissão da faculdade de medicina.
Sim, eu havia decidido, queria ser com Elliot, e ajudar os outros. Estava no caminho certo, e com um mentor extremamente empolgado e atencioso.
Era minha chance, eu não poderia desperdiça-la.

_você fez sua inscrição? – Elliot indagou enquanto caminhávamos de volta da cantina ao hospital, após o almoço.

_sim, em duas semanas faço a prova! – respondi ansiosa.

_você vai se sair bem! Tenho certeza! – assegurou-me.

_vou me esforçar! – garanti.

_Senhor! Senhor! – um soldado vinha gritando ao longe, vindo da direção do hospital, trazendo uma bolsa grande consigo, e corria em nossa direção. Estranhei a atitude, mas a julgar pelo chamado, ele estava atrás de Elliot.

_o que houve? – perguntou assim que o homem parou a sua frente.

A diferença de tamanho era gritante. Elliot tinha uma estatura mediana, sem um grande porte físico, enquanto o outro devia um fisiculturista, tamanha era sua grandeza, eu me sentia completamente inferior perto dele; Porém mesmo sendo de grande estatura, o nível mais alto de hierarquia pertencia ao menor: Ao companheiro do líder do clã.

_estávamos fazendo nossa ronda, como de costume usamos nossa forma animal, para não chamar atenção desnecessária na forma humana, mas parece que havia uma dupla de caçadores acampados próximo ao nosso ponto de apoio! Um deles viu um de nós, e atirou!

_quem se feriu? – Elliot se agitou de imediato ao meu lado, e não pude deixar de ficar apreensiva.

_o sub-chefe Aiden! – informou – o chefe já esta no local, e pediu para eu vir avisá-lo e levar suprimentos para os primeiros socorros!

_vamos! – eles começavam a caminhar rumo a mata, e eu fui junto, com o coração na boca – vá para o hospital, Dhara, me espere lá! – ordenou.

_não! – rebati e continuei andando – Aiden esta ferido, eu vou com você!

_há pessoas que podem me auxiliar lá, você não precisa... – eu o interrompi sem qualquer receio.

_não! Eu vou!

Fizemos uma caminhada apressada por entre as arvores, nunca fui boa em trilhas, mas só em imaginar Aiden ferido, sangrando, desfalecendo aos poucos, revivia em mim, o pesadelo que há meses havia me feito ligar para ele no meio da noite.
A angustia dominava cada célula do meu corpo, deixando-me nervosa. Engolia em seco a todo momento, tentando ficar firme como Elliot, eu estava indo para ajudar e não para atrapalhar. Demorou quase meia hora, mas chegamos ao local, Elliot e eu ofegávamos, mas fomos direto ao enorme urso ferido.

_Iron! – Elliot foi até seu companheiro, que estava sentado no chão, ao lado do enorme urso marrom, ele parecia nervoso.

_uma das balas está alojada, a outra transpassou pelo peito... – ele relatou morbidamente.

_me ajude! – Elliot pediu, e eu prontamente fui até onde ele estava.

Com algum esforço viramos o urso de lado, e pude localizar o local do ferimento. Precisávamos estancar o sangue, e Iron se posicionou ao meu lado, pressionando o ferimento, enquanto seu companheiro e eu buscávamos retirar a bala.
O doutor estava focado no tiro que havia acertado o peito, e buscava qualquer possível embolia pulmonar ou hemorragia interna, pressionava o ferimento pelas costas, enquanto Iron a pressionava pelo peito. Abri a bolsa que o soldado havia trazido, tirando de lá, gazes soro fisiológico, bisturi, e anestésico.

_Elliot... Eu sinto a bala... – falei ao pressionar o local, e sentir algo duro sob meu dedo.

_você precisa tirar, antes que o ferimento feche! – Iron falou ao meu lado, então encarei meu professor em pânico.

_você terá de fazer isso! – ele declarou com firmeza – eu sei que você pode, lembre-se do que lhe ensinei.

_e se eu machuca-lo... – murmurei sentindo meus olhos marejarem. Era Aiden quem estava ali.

_você tem uma escolha a fazer, e tem de ser rápido! – Iron pressionou-me – vai salvar meu irmão ou não? Ele ainda esta sangrando...

Minhas mãos já estavam sujas com seu sangue, e elas tremiam miseravelmente. Afastei-me e estapeei o rosto com as mãos, tentando recobrar o controle, sem me importar com o sangue; Peguei o bisturi e abri o pequeno buraco que ameaçava se fechar a qualquer momento, e enfiei o dedo tentando sentir a profundidade do ferimento. O corpo sob nossas mãos, protestou, e Aiden grunhiu cuspindo sangue.

_sinto muito... – pressionei ainda mais o ferimento, sentindo a bala se mover, sob meu dedo, e como um anzol, a puxei sob minha unha, até tirá-la.

O sangue jogou do ferimento, e peguei uma gaze e pressionei em cima. De acordo com a anatomia Shifter, ele se curaria sozinho, desde que não houvesse mais nada dentro de seu corpo, era só uma questão de tempo. Elliot ainda foi obrigado a fazer um furo entre as costelas dele, quando o mesmo ameaçou engasgar com o próprio sangue.
Pareceram horas, até que os ferimentos se fecharam, e Aiden voltou a forma humana, sendo amparado pelos braços do irmão. Elliot suspirava aliviado, mas eu ainda estava angustiada, pois ele não acordava, nem esboçava qualquer reação.

_eu vou leva-lo na frente! – Iron iniciou a caminhada, sendo acompanhado por um dos homens, e instintivamente eu o segui sem pensar duas vezes – você o salvou...

_ele não acorda... – choraminguei, olhando para Aiden.

_ele só precisa descansar! Esta tudo bem... – garantiu-me.

Mas não estava bem. Nada estava bem. Eu me sentia desmoronando por dentro e não sabia porquê.

Amada pelo Urso - Livro IV - Série Amores IndomáveisOnde histórias criam vida. Descubra agora