iii. ninguém me cala i

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Estávamos perto da minha casa. Mas eu preferi arriscar um pouco e deixá-lo se aproximar mais, não acho que alguém lá dentro vá perceber que estou acompanhada.

Hawks falava sobre a sua vida de herói como se fosse uma dádiva, é claro que ele se exibia daquele jeito pra aumentar o seu ego, mas eu me mostrava interessada em seu papo.

─ Ser o número dois deve ser muito gratificante, digo... Você está colhendo os frutos do seu esforço plantado por anos. Deve ser uma honra trabalhar como herói. Sabe? Salvar pessoas e etc...

─ Hey, hey garota... Seu linguajar é muito estranho 'pra uma garota de...

─ Dezenove.

─ Dezenove ─ Ele pareceu aliviado. ─ Enfim, sem muitas formalidades comigo.

─ Céus, perdoe-me. Não é como se eu conseguisse controlar. Em casa não posso agir muito fora do comum.

─ O comum que você diz é usar ênclise em cada frase? ─ Assenti com a cabeça. ─ Essas crianças de hoje em dia...

─ Você diz "crianças" como se fosse velho. Aposto que saiu das fraldas um dia desses!

Ele riu da minha frase, não achei que fosse engraçada o suficiente para arrancar-lhe uma gargalhada gostosa e contagiante, logo me peguei rindo junto.

─ Apesar de tudo, você é engraçada.

Apesar de tudo o quê? ─ Perguntei desafiadora.

─ Hey, calma lá! Quero dizer que vossa senhoria ainda possui um senso de humor, muito embora seja formal demais para sua idade.

─ Vossa senhoria é utilizado apenas para pessoas que possuem autoridade. O que definitivamente não é o meu caso.

─ Tanto faz ─ Ele disse revirando os olhos. ─ Mas eu gosto de garotas certinhas, sabia? ─ Meu coração acelerou com a sua investida e eu me vi sem palavras para respondê-lo.

─ É muito bom saber disso, herói.

Sorrimos com a minha última resposta e logo me vi entre ambientes familiares. Estava de fato perto de casa.

─ Hawks... Já pode ir agora ─ Respondi meio sem jeito. ─ Obrigada por tudo de novo, eu realmente não sei como agradecer...

─ Não posso te levar até a porta? ─ Peguei os livros que estavam sendo carregados pelas penas vermelhas e apressei os passos, como se não tivesse o vendo ali.

─ Não, sinto muito. ─ Não me virei para vê-lo, o deixei confuso acredito, mas eu não podia passar dos limites impostos por mim mesma.

Não o vi se aproximar, acho que acabou indo embora. Senti o vazio de sempre crescer em mim ─ vazio que agora tinha com o que ser preenchido, eu acho. Os sorrisos dele e a sua presença eram o suficiente para me fazer explodir por dentro.

Mas agora eu estava vazia novamente e com aquele mesmo sentimento de culpa. Eu me sinto uma ingrata toda vez, mesmo que ele tenha rido de mim e tudo mais. Espero nunca mais agir desse jeito, isso claro, se houver uma próxima vez.

Passava pelo jardim da minha casa, indo em direção à porta um tanto quanto pensativa em relação ao herói que estava comigo há pouco tempo. Girava as chaves tiradas do bolso enquanto pensava que eu não havia prestado atenção o suficiente nos detalhes do seu rosto, apenas sabia que ele tinha cabelos loiros esvoaçantes e uma barba rala. Seus olhos eram quase impossíveis de se ver por conta daquele óculos de proteção e sua grande jaqueta cor creme que cobria um pouco do seu rosto.

─ Quem era ele? Você estava andando com um herói? Que história é essa?! ─ Fui recebida pelas inúmeras perguntas eminentes de Daisy.

─ Você ficou me esperando entrar pra dizer isso? ─ Suspirei fundo com a mão no peito.

─ Mas é claro! Eu precisava contar os minutos pra ter certeza que você não demoraria, mocinha. Então é pra isso que você está indo a biblioteca? Pra se entregar tão fácil assim à um homem que nem conhece direito?

─ Por que você está insinuando isso? Ele não pode simplesmente ter tido a boa vontade de me ajudar a carregar os livros pesados que Koji me pediu? ─ Mostrei à ela os livros, mas pareceu não se importar.

─ Não interessa, você sabe o que pode acontecer se seus pais souberem disto. ─ Não interessa. Como eu odeio essa frase... É como se tudo o que eu disse fosse anulado só por ela ter dito isso, principalmente por ela ser autoridade em casa.

─ Não conte pra eles, por favor! ─ Me vi implorando pra ela, quase me humilhando por algo que não deveria. Meus pais são complicados de lidar, eles não iriam querer ouvir o que eu tenho a dizer.

─ Sorte a sua que estou de bom humor hoje, mas que seja a última vez a ver esse rapaz. Sabe como seus pais são ─ Engoli seco. ─ Não vou ser tão radical ao ponto de dizer que você não sairá mais sozinha, confio que você não vai mais fazer isso.

─ Claro... ─ Respondi me dando por vencida. Não é como se eu tivesse escolha mesmo.

─ Certo, agora vá subir e trocar essas roupas, o jantar estará pronto em alguns minutos.

Assenti com a cabeça e passei por ela, ainda absorvendo o sermão que tomei.

Passei no quarto do meu irmão, ele não estava lá, mas deixei os livros em cima da sua cama e segurei os meus na altura do peito indo em direção ao meu quarto.

Mais uma vez a maré me engoliu, de novo me sinto quebrada

Eu quis falar mas ninguém me ouviu, com minha voz sufocada...

Sentei na beira da minha cama, não tinha forças nem para tirar minhas próprias roupas, era como se um peso tivesse tomado conta do meu corpo naquele momento. Algo que me impedia de fazer qualquer movimento.

Eu apenas segurava as lágrimas que ameaçavam escorrer. Eu não iria me permitir derramar uma gota sequer por conta dessa situação.

Não vou chorar eu tenho que ser firme

E podem tentar, tentar me silenciar

Sim, eu tenho que ser firme...

Ninguém me cala, todos querem me ver quieta

Sei que tudo me afeta... Eu cansei, ninguém mais me cala.

Aquelas palavras de Daisy soaram como um gatilho na minha pessoa, de repente era como se várias memórias tivessem vindo à tona em um único segundo.

De verdade, eu não tive uma oportunidade de me explicar para ela, mas também não é como se ela fosse ouvir.

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Hoje era um novo dia. Deixei de lado os acontecimentos da noite passada e resolvi focar no que hoje seria um dia de estudos. Estava na minúscula varanda que havia no meu quarto e tomava um banho de sol pela manhã.

Noite passada foi um pouco incômoda, alguns guaxinins ─ ou seja lá o que fosse ─ estavam rodando as latas de lixo que havia em becos próximos e era um barulho dos infernos, mas confesso que dormi bem apesar de tudo.

A visão era bem limitada, conseguia ver apenas uma boa parte da cidade e sua movimentação, apreciava a visão ─ que não se comparava à visão magnífica da ponte, claro ─ de modo otimista. Eu gosto do meu bairro. No mais, era bem tranquilo.

Tomando um gole de água, acabei por me deparar com algo jogado entre os becos que haviam ali por perto. Deveria ser algum saco de lixo, mas era grande demais pra isso... Então poderia ser o quê?

Senti meu estômago arder com a situação e forcei os olhos para melhor visão. Não estava muito longe, mas a falta de iluminação dos becos era tanta que parecia que estava à noite.

Eu deveria ver o que é? Eu não sou tão corajosa assim mas... Apertei o copo devido à tensão que estava sentindo naquele momento.

Euvou, na pior das situações pode ser um corpo morto, e se for mesmo eu chamo apolícia, ponto final. Meus pensamentos me fizeram engolir a seco.

✔| 𝐀 𝐖𝐡𝐨𝐥𝐞 𝐍𝐞𝐰 𝐖𝐨𝐫𝐥𝐝 ‹𝟹 hawks.Onde histórias criam vida. Descubra agora