Round 13

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Sabia que minha equipe gritava. No intuito de que tomasse uma reviravolta. Eles só não compreendiam que o gancho em meu queixo não afetou apenas o equilíbrio. Havia enfrentado este nível de força, mas nunca esse estilo de boxeador. Tudo em Jubilado exalava confiança e maestria. Como se eu fosse novato outra vez.

Não dava para choramingar. Mas minha mente desistiu de continuar a derrocada. Os segundos continuavam a contar. Esperei chegar no sete. Assim teria tomado o tempo no nocaute para descansar, e poder voltar com o cérebro menos balançado. Ergui-me. Sem o juiz. O painel acima de nossas cabeças apenas passou uma luz holográfica sobre meu corpo. Até chegar a análise de que ainda estava apto a lutar. — Ela mal sabia que a aptidão provinha apenas dos músculos. Minha mente não queria.

— Eres resistente, ninõ. — Ele sorriu. Começou a saltar para aquecer o corpo, enquanto vinha lento em minha direção.

O gancho rasgou minha bochecha por dentro. Engoli o sangue para evitar mostrar dor. Não podia tal sentimento a um homem como ele.

— Garoto! — Zeca me gritou, e soluçou, como de praxe. — Fugir dele não vai ser tão fácil! Você pode encurralá-lo!

Podia ser a brecha. Óbvio que não me daria tanto espaço para desferir quantos socos eu quisesse. Mas se pudesse imobilizar os braços dele com a defesa... Tinha de tentar. Dei passos à frente. Deixei a luta mais curta. Gostava desse estilo. O antigo treinador dizia que por ser favelado era preparado para apanhar e aguentar.

Iniciei a sequência de jab e direto. Consegui fazê-lo ficar na defensiva. Continuei a forçá-lo. Não parando de executar golpes firmes na direção do rosto. Os braços dele pareciam duas rochas sólidas. Meus dedos doíam enquanto batiam nos ossos.

Lá, vislumbrei a oportunidade. A falha na defesa pelo lado esquerdo. Parte do rosto desprotegido. — Só precisava fingir mais uma sequência e virar o jab num cruzado forte.

Assim o fiz. Estiquei o braço esquerdo com velocidade, mas sem nenhuma força. Antes mesmo de tocá-lo virei num cruzado tão violento que acabei por perder o equilíbrio. Merda. Foi a pior coisa que fiz. Pude notar o sorriso de El Jubilado atrás dos membros.

Ele me socou. O braço direito voou em meu tórax como bala de canhão. Senti a pancada no coração. Parecia que ia enfartar no mesmo instante.

A única reação que tive foi levar meus braços ao peito. Perdi o controle de como lutar boxe.

Jubilado virou um cruzado de esquerda no meu rosto, e o fim do ato creio que você já deva imaginar.

Pela segunda vez em um minuto e meio de round, fui ao chão. Meus olhos permaneciam vivos, mas a confiança morreu antes da luta começar. O contador de dez segundos foi iniciado. Mal possuía forças para me erguer. Ouvia os gritos de animação dos meus colegas, mas era como lutar contra o próprio cérebro.

A luta estava apática. Eu, deitado no ringue. Olhei para o alto. Só conseguia contemplar um vencedor. Que descansava no corner. Como ganhar um veterano que é superior em tudo? O medo começou a tomar conta das minhas pernas trêmulas. — Não pelo sentimento, mas os socos faziam efeito.

Zeca correu do corner azul. Onde eu subi para lutar. Começou a bater no ringue próximo de onde estava caído. O bafo de cachaça e os gritos em meu apelido. — Garoto! — Faziam-me, por algum motivo, conseguir forças para levantar outra vez.

A verdade. É que o bafo de cachaça do Zeca me recobrou a consciência. Mas não é algo que aconselho a ninguém. Que cheiro ruim.

Cada tapa que ele dava na lona era um tremelique que minha mão fazia nas cordas. Era nítido meu desespero só para me manter de pé.

Lá eu estava. Quando o contador chegou no nove teve uma abrupta parada. Evitou terminar a contagem para me analisar. Minhas costas estavam pesadas, como se fosse corcunda. O peso de segurar os braços na frente do queixo era mais atormentador que ficar um minuto na posição de prancha. O suor pingava silencioso no ringue.

El Jubilado riu. Junto a aplausos que a plateia estirou a minha atitude de continuar a lutar.

— Ninõ, pelo que luta?

— Para conseguir comprar um X-Tudo Ultra Oriental Kung-Fu com o prêmio do campeonato.

Senti a necessidade de ser franco. Tanto com ele quanto comigo. Imaginei receber alguma espécie de olhar malvado ou um soco no meio da face. Não seria difícil com a defesa podre dos meus braços. Mas apenas recebi outro leque de risadas.

Jubilado antes ria da minha força de vontade, porém fez sentir-me mal quando começou a achar engraçado a minha motivação.

— Ninõ, lutadores ambiciosos não aguentam duas quedas. Su mente diz ser o dinheiro, pero tu corazon sabe ser por outro motivo.

O gongo soou indicando o fim do round. Ali, no meio do ringue, fiquei. Desolado, como se as palavras tivessem sido o soco mais forte que ele havia me dado. Zeca me gritava para poder descansar no corner. Eu fui. Minha mente, entretanto, havia ficado em outro canto após o sermão. — De um castelhano fajuto.

Cheguei ao corner. Zeca me fez sentar numa cadeira de plástico. — Das que você encontra em qualquer pé sujo. — Ele jogou água gelada no meu rosto. Eu reclamaria, mas meu corpo pegava fogo. Na sequência, me deu dois tapas na cara. Para poder me trazer a realidade.

— Como esxtou indo? — Perguntei. Para aliviar a tensão.

— Garoto. — Zeca riu. — Que surra você está tomando.

Encaramo-nos, em seguida rimos da verdade. Como se fosse uma boa piada.

— Ele é superior a mim em tudo. A magia de não errar os socosx está piorando a situação. — Retirei o protetor bucal e gargarejei a água. Quando a cuspi, acabei sem querer por jogar nos pés do Pinóquio. Que reclamou com razão.

— Não está mentindo, garoto. Em técnica e força ele te supera em diversos quesitos. Mas ele teve medo da velocidade que você impôs. Além do cruzado. Se tivesse o acertado o ritmo seria diferente.

Zeca me abriu os olhos. Imaginei que a falha na defesa fosse uma armadilha. Engano meu. Era uma brecha. Isso significava que ele sabe que a esquerda é desprotegida, mas a mantém por cacoete.

Diversos boxeadores, com o passar dos anos, vivenciam vícios nas formas de luta. Isto era o motivo das vanglórias. Mas no mais tardar, tornava-se a resposta para as derrotas. Os socos que recebi ainda tremiam minhas pernas. Mas ainda estavam vivas e respondiam como queria. Não era o momento para recuar.

— Zeca. Ele disse que esxtou mentindo para mim quando falo do motivo por voltar a lutar.

Levantei-me. O bêbado pegou a cadeira e deu para baiano, fora do ringue. Em seguida ultrapassou as cordas para voltar à plateia.

— E não está? — Soluçou.

O Nocaute do X-TudoOnde histórias criam vida. Descubra agora