Round 16

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Ao realizar a última entrega, tive uma surpresa calorosa no restaurante. Assim que atravessei a porta no mediano da tarde ensolarada me assustei. Um estouro. Festins e confetes saltaram para cima de mim. Pai e filha gritaram "parabéns!" com faces risonhas. Vê-los soa tão engraçado quanto esquisito.

— Pelo quê?

— Vimos na internet a notícia da sua vitória. Sabíamos que ia ganhar! — Darlene me abraçou.

— Na verdade, eu perdi um lobo-guará por apostar no El Jubilado... — China se mostrou descontente. Quase a pôr-se em lágrimas.

— Pai!

— Hoje! Não precisa estender o expediente. Segunda não tem muito movimento de qualquer forma, eu e a Darlene vamos fechar cedo.

Bem. Precisava descansar. As ataduras no corpo e curativos adesivos mostravam isso. Só não imaginei a pausa no trabalho. Alguns clientes chegaram. China foi atendê-los. Eu e Darlene fomos para o balcão.

— Como foi à luta?

— Cansativa. El Jubilado era muito bom. E como está o namoro?

— O papai é meio invasivo lá em casa. Às vezes é complicado esconder as conversas, mas estamos bem!

— Espera. Ele te pegou mandando fotosx sensuais? — Sussurrei.

— Matheus! — Fui tapeado no rosto. Alguns clientes tomaram as atenções a mim.

A marca da bofetada desprendeu o curativo adesivo. Darlene o tirou por completo, e pegou outro na gaveta. Pôs em mim. Sorri para ela agradecido. Encantado com a proximidade de nossos narizes. Porém, percebi leve descontentamento dela. — Darlene podia reclamar de mim em vários quesitos. Todavia, sempre soube quando estava triste.

— Bota para fora. — Minha frase a espantou. Como se não esperasse algo tão espontâneo.

— Eu... — A voz dela embargou em quase gaguejos. — Ele não sabe como eu sou.

Fiquei confuso com a afirmação. Parecia tão profunda quanto esquisita. Algo filosófico demais para meus reles cabelos dreads e ensino médio concluído. Até que me liguei. A vergonha dela e a tristeza só podia significar o que mais temia. Ela me estendeu a foto de perfil no aplicativo em que conversavam. Era de uma personagem de desenho.

— Darlene-

— Eu sou gorda e esquisita, Matheus... Ele vai parar de falar comigo se eu mostrar quem sou de verdade.

— Você é linda, e se ele não reparar é porque nunca passou de um babaca.

Ela sabia a verdade, mas custava confiar em nas palavras. Era fácil compreender os fatos. Encará-los doía demais em quem sempre sofreu por conta deles. A Darlene olhou para mim e assentiu com a cabeça. Só podia esperar, e aguardá-la dar o próximo passo na relação via internet.

— Se ele te chamar de feia, vou até à Coréia dar uma surra nele, até ele falar mandarim!

Darlene me desaprovou. Limpava as lágrimas. — Será que falei algo errado? — É. Provável disse algo que não tenha gostado.

— Não se fala mandarim, Matheus, se escreve. — Pontuou raivosa. — E a fala foi preconceituosa de novo. — Me encarou por instantes, mas soltou uma risada leve acumulada no peito. — Obrigada.

Aliviava-me vê-la sorrir. Ao contrário da Yasmin. Mal queria falar comigo após mostrar — e roubar. — A calcinha de cactos na luta. Havia algo faltoso no ambiente. Baiano não estava lá? O via na academia, ou quando eu lutava. Raro era encontrá-lo fora destes locais. Principalmente o Na Chapa.

— Darlene, você viu o baiano?

— Ele está estudando lá na cozinha.

— Esxtudando? Na cozinha?

Ela afirmou com o rosto — Disse que o barulho da chapa o faz se concentrar.

Levantei-me do banquinho e caminhei. Ultrapassei a porta da cozinha. Vi o China cozinhar. A chapa erguia uma fumaça que sumia nos exaustores do teto. Ele usava toca para evitar que os cabelos caíssem na comida. — Tolo. Perdia o toque especial para os clientes.

A cozinha era limpa. Os pratos secos e brancos. As panelas de bronze eram melhor que espelhos de tão ariadas. O piso era branco. — China odiava sujeira mesmo nas paredes. — Eu e Darlene sabíamos que ele tinha TOC. — O restaurante foi muito criticado numa época. Havia encarado preconceito por conta da etnia mesmo sem motivos para isso.

Estiquei o pescoço. Cacei algo distinto no ambiente. Um molde incomum na cozinha. Até que vi algo estranho. O topo de um cabelo black que se mexia algumas vezes atrás do balcão de prata no fundo da cozinha. Só podia ser ele.

Quando cheguei lá vi o baiano na forma mais culta e distinta possível. Sentado no balde de ferro que estava virado de ponta-cabeça. Os livros compunham o arredor como uma pequena muralha de conhecimento que não escondiam as canelas magrelas e russas. Além da coluna curva — Que devia dar uma dor danada. — Escrevia no caderno apoiado na perna esquerda. Enquanto outro calhamaço estava aberto na direita. Além de tudo usava óculos.

Sempre achei o baiano engraçado de óculos, mas pela primeira vez senti-me errado em falar qualquer gracinha. Ele sempre me apoiou.

— Vai cursar qual faculdade?

A pergunta o surpreendeu a ponto de assustá-lo. Baiano estava tão imerso nos estudos que não sabia do mundo ao redor. Tão pouco sentia a dor nas costas. — Ou fingia que não, mas se recordou ao meu ouvir.

— Economia...

— Não é a que costuma ter uma inserção maior de candidatos brancos?

— É sim negão...

Deixamo-nos de se encarar por um momento. Que tipo bom de amigo eu era, nunca havia dado um apoio ao baiano.

— É bom passar baiano. — Estiquei meu punho fechado — Esxtá na hora dos pretosx alcançarem o topo. Seja nossa lança.

Baiano me olhou descrente e boquiaberto. De fato, sempre fomos de nos zoar, mas ele agarrava meus sonhos com maior intensidade que eu. Enquanto sempre zombei dos dele. Mas não agora. Nunca mais.

Ele sorriu — continuava feio de óculos — e socou minha mão de leve.

O Nocaute do X-TudoOnde histórias criam vida. Descubra agora