Round 26

43 10 1
                                    

Um.

Dois.

Três.

Todo boxeador reconhece esse sentimento.

Quatro.

A lona está colada ao rosto, e a luta contínua. Você só possui um objetivo ao entrar ali. Vencer. Mas por quê? Por que a lona está colada ao rosto?

Cinco.

A mente continua a perturbar com barulhos. Metade dela te diz que você não pode se machucar mais, então é melhor continuar deitado. Outra fala para se levantar, mas mal te responde como fazer isso. Como fazer?

Seis.

As pernas não respondem. Os braços não respondem. A audição fica desnorteada numa sinfonia de zumbidos e ruídos indecifráveis.

Sete.

Dava para perceber que ela olhava o treinador. Zeca batia incessante no chão. Lutava com a força que tinha para trazê-la voltar do inferno na cabeça. Vale a pena voltar a lutar? A lona é tão gostosa. Tão confortável.

Oito.

Mas ela estava ali por um motivo, e sabia que não seria fácil vencer. O cérebro não queria responder, mas não tinha problema. Os músculos queriam repouso, mas não tinha problema. Yasmin se esforçava para levantar. Ficou de joelhos.

Nove.

O round não acabou.

— Eu posso lutar! — Bradou em pé, esbaforida. Olhava para o juiz com urgência no tremeleado da íris. Ele se aproximou dela e analisou as condições. Aceitou-a, e permitiu que continuasse a lutar.

— Tu tá aporrinhada com minha magia não é rapariga? — O sotaque forte acompanhava a soberba dos lábios soerguidos que despiam o sorriso vitorioso. — Venha biscateira! Venha que te boto no cabresto! Venha!

Bem. O baiano não me ensinou nada do dialeto distinto da região. Ele tampava a cara com as mãos na boca. Percebi que de coisa boa não se tratava. Yasmin começou a saltar de novo, mas não esperou tanto tempo para avançar em Rita.

— Se recorde do que treinamos. Continue a sufoca-la! — Zeca gritou. Eles sabiam o que faziam. Só podíamos confiar na estratégia suicida dos dois. Ela deu um impulso para frente e executou dois jabs consecutivos. Ambos desviados pelo salto assustado de Rita. O terceiro golpe, um cruzado de direita, foi à altura do ombro. A maranhense não fez questão de desviar.

A luva ultrapassou o corpo de Quebra-nozes. Como se acertasse uma gelatina gosmenta. O ombro de Rita ia junto ao golpe de Yasmin, mas retornava ao lugar original. Como uma gosma que tinha consciência. Yasmin a encarou com raiva. Tentou socar o rosto dela outra vez. Rita aceitou o soco. Deixou o punho de Yasmin atravessado na bochecha.

— Não consegue mover o braço rapariga.

Quebra-nozes deu três cruzados na barriga de Yasmin. Ela estava para dar o quarto. Yasmin acreditou que este ia à face. Protegeu o rosto com o outro braço, então levou o último próximo ao diafragma. Ela machucou o pulmão e costela.

Com raiva, Yasmin conseguiu se soltar, e caiu no chão. — Quedas sem golpes no boxe não ativam a contagem, pois assimilam a escorregões. — O juiz pediu para que se levantasse.

— Posso endurecer minha gosma como uma cocada de amendoim, visse. — Cocada de amendoim é tão duro assim?

Yasmin deu uns passos para trás. Tentava retomar o ritmo de luta. Os golpes que não encaixavam, além das sequências efetivas de Rita, frustrariam qualquer boxeador. Moldar o corpo como uma gosma, e ainda poder endurecê-la impedia Yasmin de errar com tanta tranquilidade.

E o boxe é um esporte que pune o erro.

— Não ouça ela! Você sabe o que tem que fazer! — Zeca arrotou após o grito. Tirou algumas risadas de quem pode ouvir — ou notar, como eu.

O estilo de Yasmin. Tinha uma magia bruta e severa, mas nunca foi de preferência ao corpo a corpo. Os braços estendidos eram mais efetivos, e ela só precisava se lembrar disto. Na verdade, sabia bem, mas caia na cruel armadilha das habilidades de Quebra-nozes.

Mais pulos. Os olhos não ficavam mais tão abertos como de costume. Dor sentida por conta dos ataques ao tronco. Estava difícil de respirar, e pegar ritmo para saltar. Era como arrancar as asas. A andorinha começou a ficar aflita.

Um soco. Imagino que ela tenha pensado. Um soco.

Avançou para tentar um único jab. No instante derradeiro mudou o trajeto do golpe. Deu para ver o espanto no rosto de Rita, que deixou a guarda do tronco aberta. O gongo soou.

Como duas estátuas preparadas para contar a história de uma guerra, ficaram paradas. E por fim retornaram aos corners. Não dava para ter uma vitória por nocaute técnico. Rita era eficiente demais para deixar Yasmin conseguir arrancar socos nela, e provável que este foi o pior dos rounds. Mas do alto da plateia dava para ver.

Os olhos dela ainda tinham vida. Havia uma chance.

Zeca conversava com ela, enquanto a fazia ingerir água. O corpo parecia ter saído de uma sauna. Dava para ver o vapor sair junto a magia de arco-íris.

Outro gongo soou, e ela saiu do banquinho. Pronta para tentar coisas novas. Os saltos não eram os mesmos, mas ela continua a tentar voar. Quebra-nozes aguardava com paciência a encenação. Sabia que evitaria o ataque. Yasmin se aproximou para desferir um direto. Algo inesperado de início.

Desta vez o resultado foi pior. Ela mal encostou a Quebra-nozes. A maranhense tinha experiência, e pendulou para esquerda Devolveu um jab rápido na abertura deixada por Yasmin. O soco encaixou no olho e a atordoo. Permitiu sofrer mais dois cruzados na defesa dos braços.

O segundo round mal havia começado, mas as sequelas deixadas pelo primeiro faziam Yasmin estar num estado angustiante. Como se aguardasse o nocaute espetacular que encerraria a noite. A guarda pesava como se os braços tivessem mais carne do que o costume.

Rita riu dela e desferiu um direto. Ela errou, por um mero segundo, Rita havia errado. O corpo perdeu todo o equilíbrio e balanço. O peso se direcionava ao golpe fulminante. Yasmin, por instinto, contraiu o tronco. Viu ali a brecha para um contra-ataque. Ela girou um cruzado de esquerda no rosto de Rita.

Desta vez Quebra-nozes não conseguiu escapar.

O Nocaute do X-TudoOnde histórias criam vida. Descubra agora