Gostaria de saber sobre as apostas? Eu ouvi no fim do primeiro round, enquanto estava sentado no banquinho. Bebia água dada na boca pelo meu auxiliar improvisado. — O garçom. Pernambucano inclusive. — Foram duzentas apostas para a vitória de Henrique. Os garçons fizeram um bolão. Apostaram em mim. — Só pobre para dar apoio ao pobre. — O meu auxiliar improvisado — Que se chama Josivaldo. — Ficou animado com o bolão dos amigos e estava contente com a aposta. — Até porque era uma semifinal. Então fraco no mínimo eu não era. — Mas após ver a quantidade de jabs. Cruzados. Ganchos. Diretos. Até Swings — esses socos são como uppers. Só que mais violentos, pois visão a têmpora. — Depois de me ver levar uma surra no período de um minuto e meio. Josivaldo, o pernambucano de sessenta e um anos, quase chorava.
Bem. Eu não os havia dito para confiar em mim, ou até mesmo apostarem. — Seria confiança que não esbanjo. — Mas ver o homem chorar por perder a mísera merreca que ganhava na noite me partia o coração. O lado direito do rosto estava inchado, não conseguia ver muito bem deste lado. — Como eu queria o Zeca ali para me dar conselhos.
Alguns golpes que sofri na barriga pioraram a respiração. Além das falhas que possui em defender o queixo. A quantidade de choques na cabeça me fazia duvidar da força nas pernas. Tinha certeza que se caísse, ia ser impossível erguer-me. Em um round, ele me trouxe a diferença de nossas habilidades. A capacidade que os magos-boxeadores tinham em cima dos pugilistas comuns.
— Josivaldo. — Encarei o garçom. Ele observou o cuspe nojento que dei para fora do ringue após beber água. A saliva expurgada levou junto sangue e um pouco de catarro. — Você confia que eu possa ganhar?
— Olha bem cabra. Eu confiava pouco com esse teu bestunto inchado, visse. Agora, depois dessa catarrada ai. Até aceitei meu dinheiro indo embora.
Não aguentei o sotaque puxado e a voz fina, quase que feminina. Comecei a rir dos fatos jogados contra meus ombros e a sinceridade que ultrapassava os ouvidos. A comédia que descontrolava os sons disseminados na boca faziam os músculos ficarem aliviados. Pude outra vez confiar nas minhas pernas. Preparar-me para apanhar por outro round.
— Do que tu estás rindo, cabra?
— Desculpa Josivaldo. — Levantei, e botei o banco na mão dele. Ajeitei o protetor bucal em meus dentes. — Lutar é muito divertido. Tinha me esquecido.
O gongo soou. O garçom se afastou. Achou-me mais esquisito que nunca. Realmente, no momento, eu estava louco. Sorridente, feliz, e aliviado. Sozinho em meio aos burgueses que comiam caviar na espera da minha derrota.
Mas não foi sempre assim?
Quando parei de isolar o peito em dores do silêncio e falta de apoio, consegui me situar. Sempre foi deste jeito. Lutar contra alguém que em disparado tinha mais vantagens do que eu. Olhado por pessoas que, tão pouco, desejavam minha vitória. Estes ambientes sempre me deixavam desconfortável. — Que saudade me deu da favela.
— Ei! Veio para lutar ou ficar filosofando!? — Henrique me provocou.
— Me desculpa! — No teto do recinto não havia concreto. Apenas grandes placas de vidro. Ele estava molhado. — Está chovendo. Faz tempo que não luto em dia de chuva.
A última vez que lutei num destes dias foi no meu título de campeão.
Armei a guarda. Não sabia de onde poderia vir o próximo golpe dele, mas algo havia me dado uma pista. — O som. — Sempre que usava do teleporte um som soava antes — ou junto — do aparecimento do corpo. Não ia ser fácil. Henrique me golpeou com swings que afetaram a têmpora. — A chuva estava do lado de fora, mas por causa dos socos no ouvido, parecia que caia em mim.
O corpo ainda era incapaz de acompanhar. Ele usou da magia e apareceu na minha frente. Uma sequência de cruzados ultrapassou a defesa. Minha cabeça e corpo balançavam como num pendulo a cada golpe acertado. Quando achei a brecha para um contragolpe ele fez o de praxe. Usou do teleporte para se distanciar ao máximo no ringue.
Era uma combinação destrutiva. Incapaz de acertá-lo, e espancado com facilidade. As pernas tremiam ainda. O chiado da chuva ficou maior no meu ouvido. Mal conseguia compreender os barulhos distintos feitos pelos burgueses. — Não era o momento. Precisava manter o foco.
A única coisa que conseguia ser superior ao chiado. Era o som feito pela magia de Henrique.
Ele estava pronto para usar a magia outra vez. Então tomei uma atitude. Por breve fechei os olhos. Tentei retomar a consciência dos músculos. — Zeca não era um bom técnico, pois estava sempre bêbado demais para dar o melhor de si. — Tenha compreensão do que o corpo quer fazer. — Ele me dizia às vezes.
O chiado da chuva me importunava como se estivesse numa sozinho na tempestade. Mas quando fiquei em silêncio ela reduziu. Ali, pude ouvir algo que superou o som das gotas em minha têmpora. Agachei o corpo, e dei um gancho curto direcionado a esquerda.
O punho alcançou algo duro e ósseo, que recuou com o ataque. Quando abri os olhos, larguei um sorriso debochado. Felicito, e aliviado. Henrique estava no corner. Só que desta vez segurava a dor que açoitava o abdômen. A carne sentiu a brutalidade do soco. — Ele sabia como socar e desviar, mas não sabia aguentar uma pancada. Vê-lo contrair pela ardência melhorava o humor.
Quando Henrique se recompôs usou da magia outra vez. Pude — talvez com intuição — percebê-lo vir pela direita. Fugi do Direto. — Admito que raspou na ponta do nariz, e rasgou a pele como aço quente. — E tentei devolver um cruzado de esquerda na mira do queixo.
Assustado, e mais esperto Henrique fugiu antes de ser acertado. De longe a respiração pesava. Mesmo não golpeado as pernas temiam não conseguir erguer o corpo caso encontrassem meus punhos.
Sempre estive nessa posição. Contra tudo e todos. Mas sabia bem como sair dela. Precisava erguer os punhos e lutar. Até quebrar as expectativas dos que desacreditavam em mim.
Quando olhei para a plateia, de relance, vi um velho de corpo redondo que afundava a cadeira com a bunda gorda e mal conseguia fumar o charuto pelo medo de perder o dinheiro que apostou. Isso me fez sorrir. Como sempre, estava na frente deles para quebrar expectativas.
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O Nocaute do X-Tudo
Fantasy🏆VENCEDOR DO THE WATTYS 2021 NAS CATEGORIAS CORINGA E ENREDO MAIS CATIVANTE🏆 A magia transformou o mundo do boxe. Pugilistas normais saíram de cena com o novo espetáculo das lutas envoltas de magia e reviravoltas marcantes. Mas o que ocorreu com o...