Round 21

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Mesmo sem entrar dava para sentir o calor da academia. A porta fechada parecia comprimir dentro de si a temperatura de uma sauna. Não era a temperatura ambiente. Apenas o calor do combate. Arrastei-a eufórico, na vontade de descobrir o mistério que aguardava a academia. A luz da lâmpada ofuscou minha visão. Forçou proteger meus olhos com as mãos, mas aos poucos a íris se acostumou à luz. Os sons de tênis travados no solo que surtiam um toque agudo no ouvido. Além das pancadas amargas e secas dos socos na carne de um lutador. A respiração rápida e cuspida, como o chiado pausado do bule.

Boxe. O boxe na academia do Zeca pegava fogo. El Jubilado batia violento no saco de areia. As correntes sacudiam de pânico. Como se não aguentassem mais as pancadas dos punhos pesados. E no ringue, algo que causou alegria no mesmo instante que me pasmou. Meu queixo caiu sutil. Deixei a boca como recanto para insetos invisíveis.

Lá vi Yasmin. Praticava sparring com um lutador que não era típico de nossa academia. O cabelo platinado e a palidez branca do corpo o diferenciavam das pessoas que entravam ali. — Com exceção de Yasmin. — Ela me viu, e parou o treino. Cortejou um sorriso festivo.

— Demorou a chegar! — Gritou a mim.

— Acabei tendo umas complicações no restaurante. — Caminhei para próximo do ringue, conseguindo encarar o visitante.

— Falta sempre com seus compromissos? Como pretende ganhar de mim? — A voz soberba e confiante.

— Henrique... — Fiquei animado, não irei mentir. — Yasmin! Você não devia estar descansando? Sua luta é domingo!

— Ela está impaciente. — O soluço veio acompanhado do deslize da porta. Zeca saiu do quartinho. — Se ela for lutar ansiosa será pior que estar cansada. — O beberrão arrotou.

— Inclusive, acabamos. — Henrique tirou o protetor de cabeça. A beleza era familiar. Ele saiu do ringue. Deixou apenas a irmã lá. Assim que desceu, ficou na minha frente. Nos encaramos por um momento eterno, como se nos analisássemos. O primeiro a piscar perderia.

Eu o único a estar em disputa. Ele virou o rosto, como se após me detalhar com os olhos não tivesse encontrado algo de valioso. Por que as pessoas da zona sul tem sempre essa cara de nojo? Henrique despertava em mim a vontade inapta de lutar. Os músculos ferviam e contraíam. Queriam estar aquecidos para o combate, porém tinha de me conter.

A próxima luta era contra ele, e nada sabia de sua magia. — Se tivesse chegado mais cedo...

— Não vai treinar? — Me questionou, de nariz empinado.

— Treinei de manhã com o Pinóquio. Até iria, mas te vendo aqui, acho tudo bem descansar.

A academia estava quente por conta do suor e a temperatura de todos. O Rio era calorento, mas o boxe piorava tudo. — Fora que os ares-condicionados do Zeca eram péssimos. — Mas fora a ambientação. Nossos olhos pegavam fogo. Olhávamo-nos com a ansiedade de iniciar uma luta que parecia estar pendente a gerações.

Henrique tinha o porte de um rapaz privilegiado. O afinamento do nariz que o auxiliava a dar caretas esnobes. Os cílios que se assemelham a folhas de palmeira. Era como um boneco de porcelana. Protegido pelo tempo. Tínhamos a mesma idade, mas ele aparentava quinze.

— Por que você está lutando? Não tem magia, e está em desvantagem contra qualquer mago-boxeador mais talentoso.

— Esxtou é? — Debochei. Esbocei até uma careta. — No início estava apenas a fim de ganhar um lobo-guará, mas agora, quero detonar você por virar as cosxtas para Yasmin. E o Diogo, por... — Pelo quê? De fato, Diogo me instigou a chegar a final, mas ele nunca me trouxe uma motivação que aflorasse minhas emoções. Além de ser ex-namorado da garota por quem estou gamado.

— Não tem noção de quem ele é... — Henrique passou uma toalha pelo corpo, e pegou a mochila. — Vem, vamos ao shopping Botafogo.

— Henrique, não. — Yasmin tentou alertar as atitudes do irmão, mas ela foi interrompida.

— Ele precisa saber Yasmin.

Henrique a encarava, com frivolidade. Como se me escondessem uma notícia óbvia. Do que eu precisava saber? A fala despertou uma curiosidade que me deixou com vontade de segui-lo. Mas não iria se Yasmin não quisesse. Ela bufou, e foi a primeira a sair da academia. Esperou-nos do lado de fora. Não parecia contente com o ocorrido. O irmão me encarou a última vez, e seguiu atrás dela. Num chamado silencioso, caminhei para a verdade.

O clima de Botafogo — na zona sul em geral — era sempre severo. As manhãs, ventanias, calorentas, onde o suor descia na pele e o vapor do mar vinha para apaziguar o fervor. À noite o frio ocupava a realidade. Cruel aos que não tinham teto, e incomodo aos que apenas transitavam. Nossos últimos passos na ladrilha de cacos no chão me fez parar. O Shopping era lindo a noite, com as cascatas de luz na lateral do prédio.

Entramos. Algumas lojas estavam fechadas. Minha visão caçava tudo que se movimentava o mínimo que fosse.

O Nocaute do X-TudoOnde histórias criam vida. Descubra agora