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VISTADE CIMA, WHITEHORSE parecia uma daquelas cidades em miniatura queficam dentro de bolas de cristal decorativas. Da janelinha do avião,a cidade lá embaixo tinha o formato de uma amêndoa, com pequenosaglomerados de casinhas cobertas de neve espalhadas ao redor. Lagoscongelados salpicavam a região, como espelhos costurados numa rendadelicada, e um adensamento de taigas, pinheiros e espruces seestendia pelo horizonte. Era como se alguém no passado tivesseaparecido com a brilhante ideia de construir um vilarejo no meio dafloresta, e agora lá estava eu, pousando numa terra gelada e isoladaque seria minha casa pelos próximos... Sei lá, meses? Anos?
O motivo que me fez deixar aesfuziante cidade de Nova Iorque e despencar para a minúsculaWhitehorse tinha a ver com meus pais. Tinha tudoa ver com eles. Separados há mais ou menos seis meses, eles faziamda minha vida um inferno. Elizabeth e Scott SaintClair se amavam, damaneira como dois adolescentes que esqueceram que viraram adultos seamam. Eu havia crescido no meio das brigas exageradas e dasreconciliações apaixonadas dos dois, e agora, finalmente comdezessete anos, decidira sair da mira daquela relação conturbada.Teria sido perfeito se minha tia Jenna morasse em Boston. Ou naFlórida. Ou no Rio de Janeiro. Mas Jenna trabalhava na logística deuma empresa de transporte aquaviário alocada em Whitehorse háquinze anos e não tinha absolutamente a menor expectativa de viverem outro lugar.
Para ela, Whitehorse eraperfeita.
Para mim, era um capítulo àparte que começava na minha vida, mas eu tinha esperanças de quesobreviver à Whitehorse fosse mais fácil do que sobreviver ao amorcataclísmico de meus pais. Eles me lembravam uma batedeira ligada àderiva, respingando confeito para todo lado.
Por isso, quando o aviãopousou no diminuto aeroporto local, eu respirei fundo e tentei meanimar. Ficou melhor depois que a esteira rotativa entregou minhamala e eu saí pelas portas automáticas – o rosto da minha tiasurgiu inconfundível bem diante de mim, quase exposto demais entreas três únicas pessoas no saguão.
Jenna tinha ficado com toda atranquilidade e suavidade da família. Ela era basicamente o opostoda minha mãe. Seu rosto claro e luminoso estava sorridente como eume lembrava, e os olhos castanho escuros ainda tinham o mesmo brilhoromântico de uma universitária. Eu adorava os cabelos dela, longos,ondulados e de um castanho avelã suave, nada parecido com o ruivoflamejante dos meus. Todos aqueles anos em Whitehorse a tornaramincrivelmente branca, mas o resultado final era maravilhoso. Enroladaem seu cachecol rosa claro, ela parecia fresca como uma manhã deprimavera.
E foi exatamente essa asensação que tive ao abraçá-la. Aspirei seu perfume floraldelicado enquanto a apertava nos braços.
"Seja bem vinda, querida",ela segurou meu rosto entre as mãos e me olhou melhor, "Ah, vejasó...", suspirou, afastando meu cabelo do rosto para contornar como dedo o formato de minha orelha direita. "Achava que esse defeitoda família não fosse chegar até você."
Enrubesci, puxando de volta ocabelo por sobre as orelhas. O defeito que tia Jenna se referia eraalgo que eu mesma detestava. Minhas orelhas não eram grandes, masuma delas tinha uma ligeira deformação na ponta superior, repuxadapara cima no formato de uma folha. Mamãe escapara, mas tia Jennanão. A dela era exatamente igual.
"Ficou pior de uns anos paracá", fiz uma careta, lembrando da época em que o defeito aindaera inexpressivo em meu rosto infantil.
"Pense pelo lado positivo",tia Jenna piscou um olho para mim, "Você sempre tem a opção dese fantasiar de Arwen no Halloween."
"Isso não é um pontopositivo, tia. Ela sequer é minha personagem favorita de Senhor dosAnéis", era Eowyn.
Eu herdara a pele clara dafamília de tia Jenna e os cabelos finos e leves. O corte diagonal,maior na frente e curto atrás, ajudava a esconder minhas orelhas,embora o verdadeiro motivo para mantê-lo assim era o fato de mamãedetestá-lo curto. A cor loiro avermelhada como ouro recém derretidoe o nariz pequeno também eram da minha família materna, mas a parteboa parava por aí. Cresci tentando camuflar minhas coresexcêntricas, evitando roupas de tons berrantes e estampas grandes ejamais pintava as unhas nem usava maquiagem, mas a sensação erasempre a mesma – a de que, não importava o quanto eu meesforçasse, a impressão geral que eu passava era de cores demaismisturadas numa confusão de sardas, olhos indistintamente verdes ecabelos chamativos.
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Série Whitehorse - Volume I
Fantasy[Instagram: @whitehorse_saga] VOL. I Aos 17, Evelyn decide se afastar dos pais problemáticos e ir viver com a tia na minúscula e invernal cidade de Whitehorse, Canadá. O trabalho de meio período e a faculdade na Yukon College preenchem todo o seu te...