Capítulo 26 - Mortos Não Falam

316 35 20
                                    

Não deixe de comentar e votar 🖤

Não há nada a perder, nada mais a temer.

O sol não ultrapassa as grades de ferro. A solidão mostra-se como o pior dos cárceres, este que jamais será superado, porque ela não habita mais a este mundo. Estarei eternamente encarcerado à sua ausência.

Ó a mais jovem e visão de longe a mais encantadora

De toda a esmaecida hierarquia olímpica!

Mais bela, embora não possuas templo

Eu vejo e canto, por meus próprios olhos inspirado.

Assim, seja eu teu coro, e erga um lamento

A fluir do turíbulo oscilante;

Teu santuário, teu bosque, teu oráculo e o fervor por ti

Do profeta a sonhar de lábios pálidos.

Ao seu encontro, minha amada, eu irei. Que dancemos pelos céus, que possa servi-la no paraíso que viverei ao seu lado.

Aos que ficam, direi como últimas palavras, no tempo que resta de minha passagem neste mundo terrível, que sou inocente. Jamais me atreveria a feri-la. Sim, sou um pecador convicto, mas neste crime, meus pecados não interferiram.

O execrável monstro por trás da morte de minha musa está à solta.

Adeus.

— Foi isto o que encontramos aos pés dele, detetive Johnson — o responsável pelo plantão daquela noite, Albert Foster, apontou. — Ele se enforcou com o lençol.

O aquecedor não resolvia o suor gelado escorrendo pelas têmporas de Jack. Ele e Oz não hesitaram em ir à Parish Prison, assim que a ligação funesta serviu para relembrá-los que a primavera ainda estava muito longe de chegar a Nova Orleans.

Os peritos foram acionados, lotando a cela na qual Zephir passara seus últimos dias. O corpo do mágico continuava pendurado; a palidez recortando-o daquela paisagem mundana; o maxilar solto expondo os dentes podres. O pescoço fora tingido por veias roxas que nada mais pulsavam além de tons opacos do além. Os fiapos do lençol branco, rasgado e imundo, agarrava-se à estrutura do morto a ponto de invadir sua pele, a brancura mórbida de Zephir incorporando-se ao pedaço de pano que lhe arrancara o último suspiro. A cama torta, cujo encosto sustentou seus instantes finais, parecia prestes a recebê-lo de volta, como se a qualquer momento ele fosse cair no colchão; a angulação em perfeita harmonia com seu cadáver.

— Como era a convivência dele com os outros detentos? — Oz encarregou-se de perguntar.

O carcereiro, Thomas Heffron aproximou-se para respondê-lo. Ele era jovem; olhos vívidos em verde escuro, que não escondiam o espanto que o rapaz sentia. Tanto Jack, quanto Oz compreendiam os cenários cruzando sua cabeça. Ele estava repensando o que poderia ter feito de diferente para que a situação não fosse aquela, revendo cada passo dado, para entender aonde havia errado.

— Era... era pacífica, acho — disse, por fim; empenhando- se para mostrar autoridade. — Ele não convivia muito com ninguém. Era... solitário, posso colocar dessa forma. Se isolava. E ouvi conversas... muitos o achavam esquisito. Alguns tinham medo... Ele conversava sozinho, entende? Ria sozinho. Vivia um mundo à parte. Mas não era violento.

Jack e Oz trocaram um olhar pensativo; comunicando-se em silêncio sobre como esse cenário era plausível à loucura de Zephir.

Os policiais continuaram observando o recinto enquanto os peritos concluíam o laudo. Fora enforcamento, como previamente mencionado. Não havia indícios do consumo de veneno, ou automutilação. Embora fosse impressionante a forma metódica que Zephir realizara sua própria morte, a pressão que aplicara no pescoço fora dolorosa desde o início; uma sufocação lenta para que não restasse dúvidas de que ele morreria naquela noite; o enforcamento não passou de um facilitador para que levasse o mínimo de tempo possível.

Entre Tangos & TragédiasOnde histórias criam vida. Descubra agora