Fevereiro, IllinoisCharlize despertou às seis e trinta da manhã. As costas dela doíam; o colchão surrado destruíra sua noção de uma boa noite de sono. O ar abafado do interior do trailer lhe causava falta de ar, e o desespero, como de costume, a lançou para longe da cama, em direção à sua nova rotina.
O Guadolomon limitava-se a um mês em cada cidade. A notícia da morte de Marjorie não atingira o país inteiro, e eles partiam antes que desse tempo para descobrirem algo a respeito. No geral, a recepção fora calorosa. Escaparam do sul, partindo para a costa leste.
Não eram um sucesso grandioso. O circo tornara-se mais do mesmo; sua grande estrela tinha se apagado. O vazio era sufocante. A plateia sentia a falta de algo; um circo cujo palhaço ainda estava em ascensão não era o bastante.
Charlize saiu agasalhada em um roupão. Ela avistou Rick no acampamento, deitado no gramado. Um silêncio reconfortante pairava sobre eles. As manhãs sempre eram silenciosas.
Lorenzo e as gêmeas não acordavam antes de meio dia.
— Bom dia, Rick.
Ele tinha um cigarro de palha nos lábios; hábito desenvolvido logo depois de deixarem Nova Orleans. Rick colocou o cigarro nos dedos para respondê-la.
— Bom dia. Mais alguém já acordou?
Longe da fumaça escondendo seu rosto, as olheiras dele, ainda mais profundas do que na noite anterior, vieram à tona.
— Não. Você dormiu?
Ele soltou uma risada ácida, e voltou a fumar.
— Ela não vai voltar, você estando acordado sob vigília ou não — continuou Charlize.
Rick tossiu.
— De vigília pelo menos eu sei que ela não virá me assombrar.
— Rick... — Ela suspirou. Aquela conversa era repetida há meses. — Precisamos pensar no nosso futuro. O dela não está mais aqui.
Ele continuou com o olhar fixo no vazio, impassível.
— Não é mais sobre ela, Charlize. É sobre mim. Sobre o que eu me tornei. Sobre o que eu estou fazendo aqui.
— Você não tem para onde ir, nem por que sair — disse, seca. — É essa a resposta. Não há nada de incrível esperando por você fora daqui. Você não é destinado a nada de especial. Nenhum de nós é. Foi esse complexo de grandeza que matou a Marjorie. — Ela fez uma pausa antes de encerrar. — E que condenou a Dana.
Rick afundou o cigarro ao lado de seu corpo, rangendo os dentes.
— Você sabe muito bem qual é a diferença entre elas.
— Não, não sei — rebateu Charlize. — As duas se achavam boas demais para nós. Especiais demais! Importantes demais! — Ela afinou a voz, em deboche.
Uma amargura tomava a nova líder do Guadolomon quando ela pensava no abandono de Dana Hill. Vira a menina crescer, seu pai lhe oferecera um lar, e ela os havia desprezado dessa maneira — quando o circo mais precisava dela.
— Ela não está condenada — disse ele. — Ela não é uma cobra venenosa que contamina os outros, como a sua madrasta. Ela foi vítima do veneno da Marjorie. Está infectada.
— Ela não tem lealdade, Rick. E isso é um desvio de caráter também. Pare de tratá-la como uma adolescente de quinze anos indefesa! Ela é uma adulta!
Rick a encarou; a frieza tornara-se violenta, abarcando a fúria.
— Você diria o mesmo sobre a Cassandra? Porque ela também não está aqui.
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Entre Tangos & Tragédias
Mystère / ThrillerEm 1935, a bailarina mais famosa de Nova Orleans foi encontrada morta. Marjorie Montgomery estava com o tule branco ensanguentado, e montada no carrossel próximo à atual localização de seu circo, o Guadolomon. Os olhos verde-esmeralda foram rouba...