Capítulo 3

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CAPÍTULO 3

AS PESSOAS SEMPRE DIZEM QUE O AMOR DA NOSSA VIDA, COSTUMA ESTAR BEM NA NOSSA FRENTE, VOCÊ CONSEGUE VÊ-LO? VOCÊ TEM ESSA SORTE?

HUGO:

Quando eu tinha oito anos, meus pais costumavam me levar à praia aos domingos. Meu pai tomava algumas cerveja enquanto minha mãe lia um livro, depois a gente brincava no mar e comíamos deliciosos sanduíches de carne. Em um desses domingos, eu conheci o Julian, que também frequentava à praia aos domingos com sua família, e disso surgiu uma grande amizade entre nós, e até mesmo entre nossos pais, que depois de um tempo, começaram a dividir o almoço, histórias e sorrisos. Por causa deles, os domingos na praia se tornaram cada vez melhor.

Julian se tornou o irmão que eu não tive, o pai dele era muito divertido e nós passávamos o dia rindo das piadas que ele contava. A mãe dele era uma mulher gentil e também muito engraçada, ela levava bolo de chocolate que todos nós amávamos.
Depois que os conheci, eu passava a semana esperando o domingo para voltar a vê-los de novo, principalmente o Julian. A gente brincava o dia inteiro, fizemos descobertas juntos, ele me ensinou a nadar, e eu o ensinei a ver as horas no relógio, e assim fizemos por meses. Uma vez, Julian e seus pais, tiveram que fazer uma viagem, e eu fiquei doente, sentir tanta falta deles que fiquei irritado, brinquei sozinho no quintal de casa, imaginando que o domingo chegaria e não seria a mesma coisa. Quando Julian finalmente voltou, nós fizemos um pacto, de que seríamos amigos para sempre. Mas eu aprendi que o para sempre é uma piada. Às vezes, uma piada cruel.

Em um domingo aparentemente normal, eles não apareceram, eu ainda não entendia bem, mas aquilo preocupou muito os meus pais. Eles ligavam sem parar e ninguém atendia, mas aquilo não me preocupou, pois, eu sabia que eu e Julian, seríamos amigos para sempre. Me frustrei quando tivemos que voltar para a casa, reclamei todo o caminho, até  ver os rostos assustados dos meus pais através dos retrovisores, mas não entendia o silêncio repentino.

No dia seguinte, quando desci as escadas para tomar café da manhã, vi meus pais chorando, não entendi o porquê, até que meu pai ajoelhou-se na minha frente enquanto limpava as lágrimas então disse que meu amiguinho Julian, e seus pais, agora estavam no céu. Foi a primeira vez que meu coração se partiu, mesmo sem entender onde era o céu, mas eu já entendia que quando ouvia "ele está no céu" eu nunca mais veria aquela pessoa. Um ano antes, ouvi a mesma expressão de um velhinho da vizinhança, ele era legal, mas não doeu saber que nunca mais o veria, mas doeu saber que nunca mais veria o Julian. Me agarrei ao fato de que seríamos amigos para sempre, me agarrei no significado da palavra, como se nada pudesse quebrá-la. A morte de Julian, me fez sentir algo que uma criança não deveria sentir. Promessas foram quebraram, sorrisos foram apagados, os domingos ganharam tons de cinza, e ficaram silenciosos.
No enterro deles, eu fiquei o tempo todo olhando para baixo, não conseguia encarar aqueles caixões de cores mórbidas, me lembro de pensar, então é assim que vamos para o céu? Dentro de uma caixa feia e sem graça? Eu não conseguia aceitar aquilo. Parecia que não era real.

Levei um tempo para superar a perda, levamos um tempo para voltar à praia, e meus pais começaram a me levar a passeios aleatórios todos os domingos na tentativa frustrada de me fazer esquecer algo que já havia se instalado no meu coração. Fomos ao zoológico mais vezes do que eu poderia contar, parques de diversão, fazendas, piscinas, viagens, tudo para tentar fazer com que eu esquecesse, quando, na verdade, eles também precisavam esquecer.
Eu era só uma criança, e a vantagem era justamente essa, a dor costuma passar mais rápido, principalmente por não entendê-la, eu sentia mais raiva do que saudade, não acreditava que ele preferiu ir embora naquela caixa feia e sem graça, do que ficar na praia comigo. Mas os meus pais já eram adultos, eles já entendiam o mundo e tinham medo dele, e eles se culparam por meses.
Por ser uma criança e ainda não entender a morte, e o peso que ela tem, precisei fazer terapia, e foi quando entendi que o para sempre também pode acabar, e demorei para entender que o para sempre de alguém, pode durar até semana que vem, cinco anos, ou dez, é exatamente a intensidade de como vivemos a vida, e de como nos relacionamos com as pessoas, que nos tornam um para sempre, porque cada pessoa que passa por nossa vida é para sempre, algumas mais que outras. O para sempre que tive com o Julian, durou alguns meses, meses esses que eu nunca esqueci.
Um dia, meu pai me levou a praia e me explicou tudo que aconteceu. Eles estavam a caminho da praia quando um caminhão invadiu a pista contrária e bateu de frente com o carro deles e todos morreram na hora. Anos se passaram, eu fui crescendo e tudo foi voltando ao "normal" mas a praia nunca mais foi a mesma coisa para eles, mas sempre foi tudo para mim.
Meu pai se sentiu visivelmente culpado por anos, por todos os domingos que eles bebiam e voltavam para casa dirigindo. Minha mãe, precisou de um longo tempo para se perdoar, e o meu pai teve que pegar toda a sua dor e guardar para si mesmo, para cuidar da dor dela.
Às vezes, eu acho que nos tornamos uma bagunça, tentando aparar as goteiras de um lado e do outro. Muitas vezes, por mais doloroso que seja, precisamos apoiar as pessoas, precisamos segurar toda a sua dor, mesmo que a nossa pese uma tonelada, foi isso que o meu pai fez, e ás vezes, eu acho que essa dor pesa até hoje para ele.

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