eu escutei a conversa deles

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Sento-me com Lamar. Passamos a viagem inteira assistindo filmes e comendo porcarias industrializadas. Quando vou brincar de dormir, ele me cutuca no braço e tira o lado esquerdo do meu fone. Caramba, justo agora que coloquei minha playlist de música clássica para tocar...

— Vem cá... Qual foi a dos olhares de Bailey pro Noah? E por que Noah tá quieto? — ele quer saber.

Respiro fundo e dou uma pausa na música.

— Krys e Bailey estavam conversando logo antes de você voltar do banheiro e eu escutei a conversa deles — falo baixinho, porque eles estão do outro lado e não quero que escutem. — Pelo que parece, Noah terminou com o Bailey.

— Como?

— Foi isso mesmo. Confesso que não sei bem o que falar agora... — digo, cutucando a embalagem de amendoim que eu pedi há uma hora atrás. — Eu não sei se vai ficar um clima estranho, sabe?

— Acho que não — Lamar tira o amendoim da minha mão, depois vira boa parte na boca. Fico olhando para a cara dele de panaca mastigando. — Eu acho... Eu acho que só está meio quieto porque Noah não está falando com ninguém. Mas quando ele falar, tudo vai estar ok.

— Espero que isso aconteça — solto um suspiro, olhando para o monitor à minha frente.

Não quero mais assistir filme algum. Ponho de volta o fone no ouvido, já preparado para dormir. Se Hórus quiser, eu só acordo quando estivermos pousando.

— E você? — do nada Lamar fala comigo. Eu pensava que a conversa já tinha terminado.

— Hm?

— Que você acha disso?

— Eu tenho que achar alguma coisa? — reviro os olhos e chamo a aeromoça. Me deu vontade de tomar sorvete. — É a vida dos outros, não minha.

— Você disse exatamente isso quando eu te contei sobre o namoro dos dois, na primeira vez — Lamar ri por alguns segundos.

— Que bom que continuo pensando a mesma coisa sobre o assunto.

Quando peço para ela um sundae e ela sai, Lamar aproveita o momento para virar o tronco na minha direção e ficar me olhando com um sorriso no rosto.

— Tá apaixonado por mim, querido? — fecho os olhos e ajeito-me na poltrona.

— Completamente — o besta decide entrar na brincadeira. Sinto seus dedos tocarem minha bochecha. Ele faz carinho com as costas das mãos e acabo sorrindo sem querer. — Sempre fui apaixonado por você.

— Pare de brincar com isso — afasto sua mão de mim.

— Não estou brincando.

Abro os olhos e encaro sua risada abafada. Ele acha que me engana, sendo que nem consegue sustentar a própria mentira.

— Essa mentira é verdade?

— Depende.

— Para disso, bocó!

Ele ri, abaixa a cabeça para abafar mais ainda o riso, então se ergue após se recompor. Todos os meus amigos são esquisitos.

— Mas eu tô falando sério sobre o lance de Noah. Porque você ainda gosta dele, então eu pensei que...

— Lamar — o interrompo. A aeromoça aparece com meu sorvete, então pego da mão dela e suspiro confortavelmente. — O fato de Noah terminar o namoro dele não significa que ele quer e deve ficar comigo.

— Tá bom, então — ele ri e vira-se de frente outra vez.

— Cool.

— Nice.

— Great.

— Amazing.

— Dope.

— Indeed.

— Vá se lenhar, Lamar.

E, por incrível que pareça, ele me deixa em paz o resto do vôo. Fico quietinho com meu sorvete, depois como o resto amendoim que não comi por conta dele, então caio no sono e não vejo mais nada, até ele me chamar e dizer que já chegamos. Dormir no vôo com sono acumulado é uma delícia, porque o tempo passa e você está a mimir. Acorda e... Voilà! Já chegou ou está tão perto que consegue assistir metade de uma comédia romântica e já está lá.

Estou parecendo uma dondoca no aeroporto de Atenas. Estamos todos com cara de turistas e, quando saímos, mais ainda. Está no final da tarde e eu já estou derretendo de calor. Talvez porque fiquei tanto tempo naquele avião que desconheci o que era suar? Sim. Com certeza. Mas o que importa é que estamos à procura de táxi e, sendo honesto, somos demais para um táxi só. Isso porque nos encontramos com as amigas da Hina que tinham embarcado num vôo mais cedo e, por isso, chegaram primeiro. Dizem que comeram um pouco e andaram pelos arredores e que foi interessante. Estou com muita fome e cansaço para escutar os outros.

— Eu acho que deveríamos comer antes de ir para a ilha — sugiro. Ninguém discorda. Sou bem patrão.

E assim fazemos. A questão é que a Grécia é linda. Serião. Acho que todo mundo tem consciência disso, mas vim aqui só para enfatizar. E vim enfatizar também que estou assustado, porque não estou entendendo nada. Sabe o que é nada? Exato. Não estou entendendo nada do que está escrito em todos os lugares. Eu não faço a mínima ideia da pronúncia de nada. E está tudo ok, né? Errado. Estou com medo de fazer alguma merda. Mas está tudo bem.

Noah está com cara de turista. Óculos escuros no rosto, sandálias, uma boina que está linda nele, porém não combina com o outfit... Além disso, ainda está com o travesseiro no formato de tromba de elefante ao redor do pescoço e a calça toda torta no corpo. Jesus. Eu super gosto do Noah, mas ele está brincando demais com essa de me questionar o porquê.

Monsieur, tu es brega — Lamar chega juntinho dele para falar. É verdade, eles ainda brigam. 

Noah se vira e tira os óculos do rosto.

— E daí? — dá de ombros. Seu olhar pousa no meu por alguns segundos, só que logo é desviado para Lamar. — Muitas pessoas pensam: trabalhar pra ir transar na Grécia. Já eu penso: ter amigo burguês para ir ser brega na Grécia.

Eu abro a boca pra contestar, porém deixo quieto. Não posso discordar dessa lógica.

Comemos numa espécie de bistrô perto do aeroporto. É muito mais fácil falar em inglês, porque já estão acostumados com turistas. O que é bem cômodo para mim, sendo honesto. Como somos muitos (contando aqui, de repente somos nove), comemos em mesas diferentes. Noah senta ao meu lado e diz que vai fingir ser burguês, mas se fosse pelo seu instinto de "indivíduo de capital escasso" — como ele mesmo afirma —, ele teria juntado as mesas e dividido a comida pra todo mundo. Achei brega, mas faz parte do personagem grego dele.

Brega. Bem brega. Mas um brega na Grécia 😉

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora