eu estou completamente arrependido

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Abro os olhos, irritadiço, as cortinas estão abertas e o sol não beija; ele me chuta o rosto. Estou com raiva não sei de quê. Viro-me de lado na cama, finalmente dando-me conta de que estou acordando. O quarto é meu. A cama é minha. E essa dor de cabeça que sufoca e tira-me a paciência também pertence a mim. Olho ao redor e nada fora do lugar. Exceto eu, que não sei onde pertenço e de mim faltam peças de roupas. Talvez todas. Mas isso não me surpreende. Eu certamente estou acostumado a dormir pelado. Só não sei como vim parar aqui.

Empurro as cortinas, pois quero o quarto escuro. Cambaleio pela tontura da ressaca. Sim, bebi demais ontem à noite. E agora meu celular toca, preso entre os lençóis. Esse toque infernal e agudo me irrita mais ainda. Se até eu achar o aparelho a chamada já estiver como perdida, continuo minha procura apenas pelo prazer de desligá-lo ou, quem sabe, arremessá-lo à parede.

— Alô? Bailey? — eu atendo com a voz embargada.

— Josh — pela voz dele, também está um caco. — O Noah tá aí com você?

— Não sei — ergo-me da cama e saio descalço e pelado pela casa. — Eu vou ver aqui.

Acontece que meus músculos estão horríveis. Tudo dói. Eu sinto como se tivesse subido uma montanha. Uma montanha, veja bem. Nada do Noah no primeiro andar. Nada do Noah no terraço. Nada do Taeyong no térreo. Nada do Noah no jardim — vi pela janela, porque não posso sair de casa desse jeito. Visto uma bermuda esquecida num dos quartos inferiores enquanto escuto a respiração de Noah.

— Achou? — ele pergunta.

— Ele não tá aqui, não — vou até à cozinha checar com calma, mas ele não está por aqui.

— Porra...

— Que foi? — eu caminho de volta à sala de televisão e sento-me no sofá.

— Ele não tá aqui — May suspira. — Estou preocupado. Principalmente depois de ontem. Ou hoje, tanto faz...

— Que houve? — mordo a ponta do dedão, pois agora fiquei preocupado também.

— Você também não lembra? — e então, do nada, o som de uma torrente. Sua voz surge com reverberação, fazendo-me concluir que esteja ao banheiro preparando o banho ou indo escovar os dentes. — Eu não sabia até pegar meu celular agora há pouco, Josh.

— Do quê?

— Eu não sei como te contar isso...

Agora que fudeu.

— Conta, Bailey!

— Josh, ontem a gente se pegou.

Meu mundo cai, eu não sei onde me segurar. A cabeça dói, dói demais, porém não o suficiente para conter o riso. Eu rio, porque acho graça. Ele certamente está a pensar que irá fazer-me acreditar nessa ladainha. No entanto, não vou me abalar por nada disso.

— É sério, Josh — o filipino reafirma, o chiado da torrente extinguindo-se. — Eu vou te mandar...

— É meme, Bailey? Estou sem humor para isso...

— Estou falando sério — as palavras saem emboladas, pois claramente ele colocou alguma coisa na boca. — Espera aí, o arquivo é meio pesadinho...

— Bailey... — o bom velho tom de "se você estiver brincando de mau gosto, eu vou te quebrar na porrada" — Você sabe do que sou capaz, certo?

— Por isso mesmo prefiro dizer a verdade — repentinamente, se engasga e fica a tossir. Deve estar escovando os dentes e falando comigo ao mesmo tempo. — Cacete... Enfim, enviou aí. Veja. Me bote no mudo antes de assistir.

Deixo a chamada no mudo, saio da janela dela. Ao entrar no Telegram: vídeo de quatro minutos vindo do May. Respiro fundo antes de assistir. Empurro minha franja para atrás, inutilmente, enquanto espero o carregamento da mídia. E a primeira cena que vejo é de Bailey, luzes rosas néon sobre seu rosto, gravando a si mesmo e dando tchau: "hoje vou conseguir o impossível e...", desvia o olhar para alguma coisa à frente e ri, claramente bêbado. "Oh, Lamar, faz um favorzinho pra mim?", ele caminha por alguns segundos, entrega o celular ao Lamar, suponho.

Algumas reclamações do Morris enquanto Bailey afasta-se da câmera e caminha até mim. No vídeo, estou sentado numa das banquetas do bar, bebendo alguma coisa vermelha, sozinho. Não obstante, May chega junto a mim para bater papo. Eu não sei como isso foi acontecer, sabe? De eu ficar rindo com Bailey numa interação que claramente está repleta de flertes. Também não posso deixar de notar quão bonito meu cabelo estava. Ou quão bonito eu estava, ainda que a camisa estivesse meio torta. Jeová...

Ok, me desfoquei um pouco, porque passou um tempo generoso caindo nas ladainhas de Bailey. Eu não reviro os olhos em nenhum momento, não lhe dou dedo e, pelas minhas expressões, não pareço estar reclamando ou lhe maldizendo. Ao contrário. Eu pareço falar algo do seu cabelo, porque aponto para ele. Bailey inclina um pouco a cabeça, cobrindo meu rosto, de acordo com o ângulo da câmera. E no mesmo momento que Lamar aplica um zoom para tentar me capturar, eu ponho a mão no cabelo do apelidado MotoMoto e, do nada, já estamos nos beijando. Um beijo de verdade. Real. Ele até se inclina, uma vez que ainda estou sentado. E eu não fugir é o que mais me choca nesse momento. Minha mão até está meio trêmula.

"O Bailey endoidou! Olha lá ele com Josh, Krystian!", Lamar comenta no áudio, bem alto, e rindo. Caminha um pouco para mudar o ângulo da câmera, agora mostrando-nos na diagonal. Posso ver como sua mão esquerda está na minha cintura e como nossos lábios se enroscam e... Meu Deus, eu nem sei o que dizer que é isso aqui. Estamos nos beijando. Nos beijando de língua. Eu não sei quanto tempo dura, porque parece uma eternidade. E quando cessa, afasta-se de mim, mas continuamos a conversar. "Krystian, bae, o Bailey passou a noite toda enchendo o saco de Josh para isso. Ele tava com um papel, mostrando a assinatura dele em algum acordo, acho que era documento", Lamar fica a comentar. "Eu tô chocado, isso sim!", Krystian responde. O vídeo encerra com uma imagem minha bebendo e Bailey cutucando meu sovaco 🤡.

Volto para minha chamada com Bailey e dou um grito:

— Filho da mãe!

— Josh, relaxa... Relaxa... Relaxa... — ele vai repentindo. —  Eu estou completamente arrependido disso.

Eu fico em silêncio, a mão no peito, olhando para a tela plana da televisão. Não sei o que fazer agora. Porque eu bebi e beijei outro cara. E a culpa não é total dele, estamos repartindo. Eu claramente quis. E eu devo ter levado a sério a questão de tornar a conta do Bailey cara de tanto beber, porque eu meio que perdi a linha. Não consigo nem acreditar.

— Bailey, cadê Noah? — me lembro agora.

— Por isso te liguei... Ele não está no vídeo em momento algum... Eu não sei onde ele está — agora eu realmente me preocupo. — Liguei para ele e ele não entende. Também não está recebendo minhas mensagens. Puta merda, Josh, eu acho que a gente fez uma merda muito grande!

— Caralho... — ergo-me do sofá, porém o súbito agarra-me de jeito na ressaca e fico tonto e com uma dor terrível.

Por que eu fui inventar de querer ferrar com o Bailey ontem? Por quê? Isso não sai da minha cabeça. Obviamente eu estava louco de álcool, para eu ter feito um negócio desse. Eu juro que não ligaria se não fosse o Noah. Eu juro que não ligaria. Caralho...

— Bailey, a gente não está saindo do lugar... — eu sussurro, as palavras ligeiramente trôpegas. — Eu vou desligar. Vou me arrumar. Vou atrás dele. Que horas são? — olho o relógio digital abaixo da televisão. São nove e cinquenta da manhã, isso é extremamente tarde. — Tá... Quase dez. Eu deveria estar no trabalho agora. Porra... Olha, eu vou me arrumar, vou à floricultura e seja o que os deuses quiserem. Se ele não estiver no trabalho, vai estar em casa.

— Ok! — Bailey suspira esperançoso. — Eu estou atrasado. Vou bater o ponto atrasado. Muito atrasado. Mas qualquer coisa você me manda uma mensagem ou me liga. Melhor: me ligue. Mensagem eu posso não ver. Cuidado, viu? Coma algo antes de sair. Tchau!

— Tchau — eu desligo.

Eu vou ao banheiro sem saber o que aconteceu. Tomo um banho, escovo dentes, visto-me. Não postei nada nas minhas redes sociais durante o rolê, mas talvez o que fiz foi bem pior do que divulgar um vídeo meu curtindo numa festa. Não sei com que cara... Nossa... Não sei com que cara vou ir ver Noah agora.

thé et fleurs  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora